Atlantis

Meus braços doíam e já não tinha mais forças para nadar. Tentava desesperadamente pelo menos me manter sobre a água. A ilha estava próxima agora; as ondas se jogavam contra as paredes dela, suicidamente. A corrente era forte, mas conseguira ficar na direção da praia. Praia era muito generoso... O mar tinha aberto várias cavernas ao longo da ilha, uma delas, a que tinha visto, era larga o suficiente para manter um pequeno banco de areia. A chance de morrer esmagado nos paredões era grande, por isso usei todas as minhas forças para ser arrastado para aquela caverna. Mas isso me custara tudo que ainda tinha de energia. Senti minhas mãos congelarem assim como meus pés, os sapatos tinham ficado para trás, a hipotermia iria me matar caso o próprio oceano não o fizesse.

Os tremores eram mais frequentes agora, o mar estava tão agitado que mal conseguia ver a praia. Torci para que continuasse em direção às areias cinzentas que tinha visto. Não sabia que ilha era aquela, embora o capitão tivesse comentado algo sobre as Ilhas das Sete Mortes e que aquele era um lugar amaldiçoado. Aliás, muitas pessoas diziam isso de uns tempos para cá. Estava sentindo um pouco da maldição daquele lugar, agora.

Tudo tinha começado há uma semana... Estava de férias no Cruzeiro Atlantis, passando pela costa de Porto Rico. Mas durante o segundo dia de viagem ocorreu um incidente a bordo. Um estranho animal voador tinha pousado no convés e atacado um dos turistas. Rapidamente, através do boca a boca, a notícia atravessou o navio e se tornava mais estranha cada vez que era contada.

Alguns diziam que era um animal semelhante a uma ave, só que tinha dentes e uma cauda - e não menos de uma vez ouvi a palavra “dinossauro”.

No começo, tudo não passava de conversas sussurrantes. A situação ficou realmente grave quando alguns turistas começaram a passar mal. Os funcionários tentavam manter tudo sob controle, mas quanto mais o boato se espalhava, mais pertubardos ficavam.

Quando surgiu o comentário que uma epidemia estava se alastrando entre os passageiros, todos perderam o controle. Exigiam explicações e alguns até estavam cogitando ir embora do navio em botes salva-vidas.

Mas foi quando a guarda costeira chegou que tudo saiu do controle. As pessoas viram que era realmente grave a situação e desesperaram-se, tentando salvar as próprias vidas. Alguns se jogaram no mar, outros desciam os botes enquanto marinheiros tentavam controlar a multidão.

Uma chuva fina tinha começado a cair... Uma tempestade se aproximava, dizia o céu, que escurecia cada vez mais no horizonte.

Ficamos 3 dias em observação. Éramos alimentados três vezes ao dia por homens de branco e, durante as tardes, éramos submetidos a testes de sangue e urina.

No fim, a guarda costeira foi retirando aos poucos as pessoas do navio, disseram que ninguém estava infectado e que a situação seria completamente esclarecida ao chegar ao porto.

Não cheguei a ouvir tal explicação. Uma tempestade nos pegou de surpresa e por mais bravos e esforçados que tenham sido os soldados, o pequeno barco não aguentou. Não tive tempo de pegar um colete salva-vidas. Tudo foi tão rápido que quando menos esperava, já estava em alto mar, no meio de ondas gigantescas, lutando contra Netuno e toda sua fúria. Tirei o tênis e fiz o melhor que pude para me manter na superfície.

A praia foi ficando mais próxima, mas minhas forças iam cada vez mais longe. Dei as últimas braçadas que consegui e tudo foi ficando negro. Afundei suavemente. O desespero se abateu sobre mim novamente, mas não podia fazer mais nada...

Senti uma coisa me pinicando. Tentei abrir os olhos e a claridade quase me cegou. Fechei e tentei com mais calma, agora. Mexi meus dedos, tanto dos pés quanto das mãos, era bom saber que nada tinha acontecido. Outra pinicada no braço. Virei-me para olhar o que era.

Um pequeno lagarto, do tamanho de uma galinha, estava tentando me morder sobre a roupa. Cada mordida era um beliscão, mas através da roupa molhada ele não fazia progresso nenhum. Era estranho olhar para aquele animal. Alguma coisa tinha sido disparada dentro da minha mente, um alerta bem alto; aquele animal não deveria estar ali.

Bom, deveria ser uma espécie que eu não conhecia. Afastei o pequeno de perto de mim e ele saltou assustado, correndo para a floresta. Era rápido como o diabo.

Levantei-me meio cambaleante e fui até o fundo da caverna, que na verdade era o início. Um riacho desaguava no oceano - aquela ilha provavelmente era uma ilha vulcânica. Aliás, todas as Ilhas das 7 mortes eram e eu deveria estar em uma delas.

Subi os degraus naturais formados pela água e saí em uma margem lamacenta. Após um pequeno barranco, entrei em uma densa folhagem. Era uma mata extremamente fechada. Hesitei, mas ia precisar de ajuda e de qualquer forma não poderia ficar parado ali por muito tempo.

Após pensar um instante resolvi seguir o riacho, talvez ele me levasse até algum vilarejo ou instalação. O céu estava nebuloso, mas estranhamente ali fazia um calor infernal, tão úmido que dava para encher um copo de água caso passasse-o no ar.

Os insetos faziam a festa. Ouvi alguns sons altos vindos de outras direções da ilha. Pareciam tão... orgânicos, que me fizeram ter novamente aquela sensação de que estava alguma coisa errada. Mesmo assim continuei.

O riacho ia se alargando conforme avançava. Estava repensando a ideia e cogitando voltar quando me deparei com uma cerca. Não uma cerquinha comum, aquela deveria ser uma cerca para elefantes: grandes colunas de cimento com mais ou menos 3 metros entre elas com uma rede de aço quadriculada, porém o arame deveria ter algo em torno de 15 mm de espessura. Realmente alguém não queria que algo saísse dali. Olhei em volta e a cerca se estendia floresta adentro.

Bom, uma cerca significava que havia pessoas ali. Mesmo sabendo que era uma péssima ideia, segui beirando a cerca gigante. Alguns metros a frente, havia uma porta meio comida pela ferrugem com um sistema hidráulico para abri-la e e fechá-la. Mas o óleo já havia escorrido há muito tempo e a porta se mantinha meio aberta. Resolvi entrar para dar uma olhada.

Aquele lugar parecia cada vez mais estranho e a falta de manutenção começava a me preocupar novamente. Se havia pessoas ali, eles já teriam ido embora. Andei alguns metros antes de decidir definitivamente me mandar.

Quando me virei para voltar pela porta da cerca uma casinha me chamou a atenção. Meio escondida na mata, mal dando para ver, talvez houvesse um rádio ou telefone por lá, ou qualquer coisa para me ajudar.

O lugar estava tão mal conservado como o resto. Não deveria ter mais que uns 6 metros quadrados e feita completamente em alvenaria. A porta estava trancada, mas com um empurrão ela cedeu tranquilamente.

Estava escuro, a única iluminação era fornecida por 4 janelas espalhadas pelo cômodo.Tudo vazio, deveria ser algum tipo de armazém ou algo do tipo. Algumas caixas estavam empilhadas em um canto e uma mesinha com um computador, um telefone e algumas folhas terminavam de enfeitar o lugar.

Dirigi-me a mesa e conferi o telefone e computador. Ambos sem sinal de vida. Olhei os papéis e vi que eram algum tipo de protocolo de segurança. Uma pasta de papelão estava virada no canto; peguei e olhei o verso. Estava escrito Jurassic Park. Um arrepio me tomou completamente. Aquilo não deveria ser uma coisa boa. Olhei atentamente os papéis. No primeiro estavam escritas algumas informações sobre um animal. Uma gravura de um jacaré ilustrava o topo. Logo abaixo algumas informações:

PURASSAUROS BRASILIENSIS

Classificação

Reino: Animalia

Filo: Chordata

Classe: Reptilia

Ordem: Crocodylia

Família: Alligatoridae

Subfamília: Caimaninae

Periodo: Mioceno

Tamanho: 12,5 metros

Idade: 3 anos

Sexo: Macho

Observações: Animal adulto. Não foram detectados anomalias genéticas. Pouco agressivo quando não incomodado. Originalmente parte do Projeto Âmbar, mas foi transferido para o sítio B para melhor ambientação. Fará parte das atrações principais do parque.

Nas páginas seguintes havia informações sobre os hábitos alimentares e algo parecido com um sequência genética.

O que era o Projeto Âmbar? Sitio B... e de que atrações eles estavam falando? E que animal era aquele, 12 metros de comprimento?

O pânico subiu pela minha coluna novamente, deixei os papéis na mesa e voltei para a cerca gigante. Agora as coisas faziam sentido: a cerca, os papéis, o estranho lagarto na caverna. Aquilo era um maldito de um zoológico de monstros.

Os passos iam se tornando cada vez mais rápidos, uma leve corrida que logo se tornou uma cavalgada desesperada. Segui novamente o riacho tentando chegar logo na praia e ficar por lá.

Um tronco estava no meu caminho. Rapidamente pensei em saltar, quando parei. O suor escorreu frio e lentamente por cada vértebra da minha coluna. Não havia nenhum tronco quando segui o riacho...

Acompanhei o “tronco” e na ponta, ao invés de uma raiz retorcida havia uma boca tão grande que parecia impossível existir tal coisa. Dentes maiores que minha mão brilhavam, brancos, nos poucos raios de sol que fugiam do céu nublado.

O jacaré gigante estava parado bem à minha frente. Eu não tinha entrado no cercado do animal, estava o tempo todo dentro do maldito cercado. Paralisado de medo virei meu corpo calmamente, sem movimentos bruscos. Na ficha estava descrito que o animal não era agressivo. E eu estava contando com isso.

Andando lentamente, fui me distanciando. O monstro continuava parado naquela posição, mal tinha coragem de olhar para trás. Quando saí do cercado consegui respirar tranquilamente.

Fui novamente até a casinha e procurei por alguma estrada. Seguindo um pouco a frente, vi o que procurava. E ainda melhor, uma placa. Uma seta apontava para o lado direito e nela estava escrito: Vale. Na outra, que apontava para o lado esquerdo, estava escrito: Laboratórios.

Resolvi seguir até o vale, talvez tivesse uma visão melhor da ilha, depois voltaria e tentaria os laboratórios. Segui a estrada que abria caminho pela floresta. Estava coberta por mato mas dava para seguir rapidamente. Após alguns minutos avistei um declive onde a estrada morria. Ótimo, se estivesse realmente alto poderia ver com clareza. Enquanto caminhava senti um cheiro de podridão e aquela sensação de coisa errada me assaltou pela enésima vez.

Quando olhei para baixo me deparei com uma coisa que jamais imaginara ver: o vale estava repleto de animais gigantescos. "Dinossauros" minha mente berrava em alto e bom som! Tentava repelir aquela palavra mas não tinha como. Eram tão grandes que mal dava pra acreditar.

Crec... Ouvi um som atrás de mim.

Enquanto me virara, ouvi um som de respiração. Um dinossauro pequeno e esguio me olhava, não tinha mais de um metro de altura, seus olhos eram verdes e alucinados, sua pele marrom esverdeada apresentava terríveis cicatrizes. A boca pingava saliva diante da presa fácil. O animal vinha andando calmamente como se já soubesse que eu seria uma refeição rápida. O pior não estava nos olhos e sim nas garras curvas como foices nos seus pés, feitas para retalhar. O cheiro era quase insuportável agora, o cheiro da morte. Não importava o que fizesse ali, eu sabia que iria morrer.

O ataque foi rápido e repentino, antes que pudesse sentir o peso do animal sobre mim e brigar loucamente pela minha vida, senti que sua boca se fechava em volta do meu pescoço. O hálito quente e fétido foi a única coisa que senti antes de perder completamente os sentidos.

Ao longe, um grupo de compsógnatos esperava pacientemente pelas sobras para se alimentar.

Gabriel Dechain
Enviado por Gabriel Dechain em 21/08/2012
Código do texto: T3841862
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