Simulações - parte 1

Acordou vagaroso, a consciência voltava pouco a pouco. Mas já sabia que não abriria os olhos por enquanto. A enxaqueca era muito forte, sua cabeça latejava, contribuindo para sua decisão de manter cerradas as pálpebras. esperaria um pouco mais antes de permitir que os raios de luz exteriores invadissem o oco de seu cérebro confuso e sem pensamentos.

Estava tonto, tudo lhe doía. Estaria preparado para despertar e enfrentar uma nova batalha? Havia perdido todas elas até o momento. Muitos poderiam dizer, para consolá-lo, que o fato dele ainda continuar vivo já era uma vitória. Fácil dizer quando não se sente na pele, músculo e nervos o amargor das repetitivas derrotas. Como poderia ter vencido alguma das batalhas anteriores, se estava agora bem pior do que quando começou aquilo tudo? Se cada intervenção cirúrgica só o apresentava a dores novas, que ele ainda não conhecia, para se somar às antigas. Não, ele não poderia engolir esta conversa furada. Poderiam simplesmente deixá-lo morrer, acabar com esta luta condenada ao fracasso. Paraíso, inferno ou o nada? Nem isto mais o afligia. Sabia que, na pior das hipóteses, o inferno certamente seria bem mais agradável do que a situação pela qual passava atualmente. E que piorava sempre...

A cabeça doía. Os músculos estavam esticados, numa cãibra eterna. O coração palpitava, falhava, voltava... Sentia nós incontáveis nos intestinos, como se tivesse na barriga um novelo enorme de um fio daqueles antigos quipus usados pelos incas. E se este já fosse o inferno? Não, ele ainda vivia. Vivia mal, porém vivia. Entreabriu os olhos. Nada conseguiu distinguir ainda, mas percebeu que a claridade não era tanta quanto previa. Ficou com eles assim, entreabertos. Passou os dedos sobre o lençol macio e branco (pelo menos ele assim supunha) do leito. Tentar de novo? Não se costuma dizer que o importante é vencer a guerra, mesmo perdendo a batalha? Será que isto também vale quando se perde todas as batalhas?

O som monótono e repetitivo dos beeps começou a acelerar junto com seu coração. Lhe dava mais energia, incentivava a abrir os olhos, despertar de vez. Mais uma batalha? Ou quem sabe a vitória sobre aquela guerra? Se animou, estava disposto a lutar mais uma vez.

— A adrenalina está fazendo efeito! — ouviu de uma voz distante, naquele som abafado que ouvimos quando estamos debaixo dágua. — Vou aplicar outra dose.

— Não! É muito! — avisou uma voz claramente feminina, apesar dele ouvir tudo distorcido ainda.

— Quem é o médico aqui? Quero ver o paciente acordado logo!

De coração disparado, viu dois borrões à sua frente. Um branco, outro rosado. Seriam das duas vozes que ouvia distantes?

— Aplicando terceira dose de 200 miligramas de adrenalina...

— "Cê que sabe" — disse indiferente a voz feminina. — O paciente é seu mesmo...

Paranóia indescritível! Sensação de perigo que ele nunca havia sentido! Fraco, não sabe de onde tirou forças, mas começou a erguer o corpo da cama.

— Está acordando! Olha lá! Não disse?

— Vai é estourar o coração dele!

— Quarta dose de 500 miligramas de adrenalina.

Ele pulou de vez do leito. Estaria sendo torturado? Pelo quê? Olhou fundo nos olhos de seus algozes, tentou implorar por clemência... mas enfim acabou! Um tom agudo contínuo indicava parada cardíaca completa.

— Tentando ressucitação cardíaca com desfibrilador.

— Desiste. — completou irônica a enfermeira. — Já era...

Em letras verdes sobre fundo negro, se lia com clareza na tela:

************ GAME OVER **************

* Fim de jogo: seu paciente morreu!

* Tecle ENTER para iniciar nova partida.

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