Relojoeiros Cósmicos - Parte 3
Não haviam pousado num planeta comum. Para começar, nem era um planeta esférico. Parecia esférico observado de um ponto de vista bem específico, mas a realidade, agora óbvia para todos, era de que o planeta nem deveria ser tridimensional! Por extensão concluiram que nada naquele curioso sistema deveria sê-lo.
- Pousamos na superfície de uma hiperesfera, não é mestre? Afastado dele, observando-o de nosso próprio espaço tridimensional, sua superfície parecia mudar o tempo todo porque na verdade estava "girando", não é?
O mestre suspeitava que aquilo nem era mesmo um planeta, mas deixou que a idéia se desenvolvesse. Melhor seria se aqueles jovens inteligentes descobrissem sozinhos a explicação.
- O equivalente à nossa rotação, meus pupilos. Com diferenças sutis, em torno de dois planos indepoendentes, por exemplo. Mas a idéia é essa...
- Na verdade o planeta é bem sólido, mas por estar girando em torno destes dois "eixos planos" partes diferentes dele cruzavam nosso espaço com o passar do tempo, e ele parecia mutável, ondas sobre uma superfície líquida.
Ele estava orgulhoso. Apesar dos intensos embates éticos, parecia agora que a decisão de leve manipulação genética de 100 anos atrás com o objetivo de aumento da capacidade mental dos embriões não tinha sido uma idéia tão ruim assim quanto pareceu a princípio.
- Quando pousamos na superfície - arriscou uma garotinha de uns seis anos de idade, meio tímida - acabamos adquirindo por contato o movimento de rotação tetradimensional do planeta, e a partir deste momento passamos a ver tudo em volta estático como sempre foi, uma superfície sólida. Estamos agora... - ela começou a chorar, pois mesmo incrivelmente inteligente ainda tinha 6 anos, e portanto medos infantis... - estamos inclinados num espaço tridimensional concorrente ao nosso universo, sem poder voltar! - chorava soluçando sem parar. - Mamãe!!! Quero minha mamãe!!!
- Ah menininha! - o astrônomo ancião tentou consolá-la. - Tudo que gira acaba voltando ao ponto de onde saiu! Mesmo hiperesferas rotacionando em torno de dois planos. Vamos acabar ficando paralelos de novo ao nosso universo, e poderemos deixar este planeta. - pensou, e resolveu revelar: - Planeta não! Como parece que ninguém ainda tentou ousar uma explicação tão maluca, eu lhes revelarei: pousamos numa das engrenagens tetradimensionais de um mecanismo fabuloso! Uma engrenagem tetradimensional, parte de um gigantesco maquinismo cósmico do qual até então estávamos observando uma insignificante "fatia" de umas trezentas peças que cruzava nosso universo tridimensional!
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Não poderiam viver naquele sistema, apesar da impensável quantidade de "corpos" nos quais poderiam pousar. Metálicos, diamantes, estrelas de nêutrons compactas. Nenhuma atmosfera, nem gases nem líquidos. Elementos de mecânica imprevisível, que claramente prejudicariam o funcionamento preciso daquela máquina. Contruída por quem? Que tipo de ser criava máquinas multidimensionais, com engrenagens hiperesféricas de dimensões planetárias? Estava claro agora por que ousavam tanto desafiar as leis da gravidade. Não precisavam! Não estavam soltas no espaço! Estavam todas interconectadas, em conexões que existiam, apesar de não as podermos ver. Limitação nossa: só víamos coisas contidas inteiramente em três dimensões, e obviamente não conseguíamos entender aquele mecanismo multidimensional.
- Nenhum contato até agora, mestre!
Cinco dias! Aquela "engrenagem" deveria ter mesmo uma rotação bem lenta!
- Sim, está claro agora que as ondas eletromagnéticas se propagam apenas em três dimensões. Ou será que as NOSSAS ondas eletromagnéticas é que são propagadas numa polarização particular?
Mas o ruído branco da estática começou a mudar naquele exato momento. E as constelações, que mudavam sem parar seguindo a rotação daquela hiperesfera, começaram a ficar reconhecíveis! As estrelas do espetacular "hexágono celeste" se aproximavam aos poucos, assumindo aquela formação espetacular.
- Estamos voltando pra casa! A engrenagem está acabando de descrever uma birrotação completa! Todos a postos para partir!
As mensagens ficavam aos poucos mais reconhecíveis.
- Nave mãe! Nave mãe! Responda! Não conseguimos rastreá-la!
- Estamos bem! Foram quase seis dias, mas enfim estamos voltando.
Silêncio do outro lado, surpresa total?
- Seis dias?
- Sim, seis dias! Algum problema?
Muitos se surpreenderam, mas o ancião não se surpreendeu tanto. Antes suspeitava, mas agora tinha certeza de que espaço e tempo não passavam de pontos de vista diferentes da observação de um mesmo fenômeno físico. Ambas variações dimensionais, apesar de insistirmos em interpretar uma delas como variação de entropia universal...
- Perdemos contato a uns 5 minutos! Estamos felizes de voltarmos a falar com vocês tão rápido!!!
Decolaram tão logo perceberam estarem bem paralelos ao espaço tridimensional de origem! Quase 6 dias envelhecidos em minutos, mas isto não afetaria ninguém! Explicaram o que viram, e decidiram unânimes que não poderiam viver naquele sistema, habitar engrenagens de uma máquina inexplicável! Felizmente havia um excelente exosistema "normal" a poucos anos luz de distância, com um planeta de características "terrestres" orbitando a zona habitável de uma anã branca, um planeta esférico, tridimensional, com um único eixo de rotação praticamente perpendicular ao plano da eclíptica. Ótimo! Perpendicular a tal plano, eles nem mesmo teriam problemas com estações do ano, como tinham seus ancestrais terrestres: com inclinação constante em relação a seu sol, podiam escolher o clima que mais lhe agradasse simplesmente se movendo entre as várias latitudes do planeta! Próximos ao equador, se optassem por um clima quente, ou mais perto dos pólos, caso se sentissem melhor com climas mais frios.
Felizmente o sistema Chronos estava bem próximo, e poderiam continuar, confortáveis, estudando os mecanismos daquele estranho maquinismo. Bom, pelo menos era o que imaginavam. Não podiam explicar como aconteceu, mas o sistema Chronos desapareceu uns 30 anos depois que ocuparam o sistema vizinho. Nenhuma explicação plausível! Teria sido engolido por um buraco negro? Estavam em risco naquele paraíso?
*** CONTINUA: não faria sentido algum eu termninar o conto deste jeito, né? ***