Projeto Cidade Transversal: Após o Beijo
- Shhhhh. – Ela nada disse, apenas fez um leve som por entre os lábios a frente do seu dedo indicador, observando-a num esplendor adolescente, não deveria ter os seus altos de 20 anos, ou até um pouco menos que isso. – Shhhh. – Ela fez mais uma vez.
Os dois estavam num Beco da Cidade Transversal, uma leve chuva caia ali perto deles e as pessoas que, por muito tempo, andavam num número altíssimo, eram como gatos pingados aqui e ali em vários pontos da rua a frente deles. A chuva era uma característica marcante da Cidade Transversal, por vezes chovendo dias a fio, outros momentos não duravam mais que poucos segundos, mas a chuva sempre trazia noticias, sejam boas ou ruins.
Se eles estavam se escondendo ou fugindo de algo, ninguém próximo a eles, naquele momento, poderiam dizer algo a respeito. As pessoas nada diziam a respeito de dois alguéns que se olhavam profundamente como se, ao redor deles, o tempo estivesse parado. Ou será que realmente não estava?
Há pouco tempo, antes do shhh da moça, caia levemente neve, tão branca, tão lindamente alva que em nenhum outro lugar da Cidade era possível ter tal tipo de neve. O Corredor do Longo Beijo, como muitos diziam que aquilo ali era, assim estava sendo chamado há tempos imemoriais.
- Quando? – Perguntou ela depois de ter passado levemente a mão no seu rosto branco e cálido.
- Desde o primeiro momento. – Respondeu o homem que estava a sua frente. – Desde quando você saiu da minha mente, da mente de milhares, e se tornou o que é hoje. Mesmo que eu consiga encontrar palavras que possam explicar aquilo que eu vagamente sinto ainda assim não serão o suficiente para explicar toda essa loucura.
- Deste lugar? De mim? Do que você sente por mim?
- Tudo isto e muito mais. – Afastou-se um pouco de Pris enquanto que muitos pensamentos passavam-lhe por sua mente. – A humanidade não está pronta para entender os anseios do coração, nunca o vai saber por completo, até experimentá-la de tal forma que não precisaremos de palavras para explicar isto. Por que diabos precisamos tentar descrever aquilo que sentimos quando estamos cara a cara com a verdade? Por que precisamos explicar qualquer coisa? E por que, muitas vezes, aqueles que estão próximos de nós precisam de exemplos do que sentimos quando o que sentimos já o bastante?
- O amor é sentimento vago. – Disse ela enquanto via ele a sua frente. Alisou a sua fronte e dera um beijo cumprido em seu rosto enquanto que lhe segurava as suas mãos. Uma e outra pessoa agora pareciam observar o beco onde eles estavam, mas, depois, continuavam a sua caminhada. – Às vezes, nas explicações dos poetas, ele perde sentindo, conquanto em outros momentos é tudo isto que precisa ser explicado.
- Tal qual este lugar. Tudo neste lugar está certo e está errado. Tentei, enquanto estava atrás de você, ver o que as pessoas me falaram sobre este lugar, mas você acha que eu consegui compreender alguma coisa? Anos estudando sociologia, filosofia, física e física quântica não me fazem compreender nem meio termo do que seja este lugar. Como explicar as dualidades de vários elementos entrepostos num só lugar? E a quase infinita quantidade de pessoas, seres e objetos nunca dantes vistos?
- Amor?
- O que foi?
- Você está a divagar. Nem os maiores estudiosos do seu mundo conseguiram entender a maneira que vocês humanos tem fé. Tão pouco as nuances que os sentimentos o são em seu coração, que vem e vão, vão e vem de uma maneira única e poética. E como explicar que os humanos tem a capacidade de ter tão belos sonhos ao mesmo tempo de ter terríveis pesadelos? A existência da vida é isso. Muitos porquês, pouco entendimento daquilo que somos. – Ela deu um meio sorriso e beijou-lhe a mão. – Como, por exemplo, posso entender que, a um segundo atrás estava disposta a morrer e, agora, não consigo viver sem ti? Mesmo eu sendo uma construção, um autômato, talvez um ser artificial de sua imaginação?
Ele apenas a olhou nos olhos e teve anseio por beijá-la de novo. Pessoas que ali passavam começavam a se aglomerar próximo ao Corredor era como se estivessem surpresas com algo que nunca pensaram que viesse a acontecer. A chuva que caia ali próxima não afetava o Corredor, tornando aquilo tudo ainda mais estranho e místico.
- Quem pode explicar isso? – Perguntou ela mais uma vez, enquanto ela se afastava um pouco. – Creio que ninguém, por nenhum momento, que o seja... nem Deus, nem o diabo, nem os deuses de Helium, nem as entidades do Portão de TallHässen, nem os seres inferiores ou superiores da Esfera de Fredom. Quem pode explicar, afinal de contas quaisquer coisas na vida que jamais serão explicadas de fato? A vida é assim, tal qual o amor... que achamos que controlamos, que escolhemos os nossos parceiros, mas quem o escolhe é o coração.
E os dois estavam quase que entrelaçados novamente e no contato dos lábios, a água da chuva que antes não afetava o local caíra como uma torrente molhando os dois e fazendo com que as pessoas soltassem gritos e olhares maravilhados.
- Nem em mil anos... – Falou uma pessoa.
- O que aconteceu? – Perguntou outra.
- O inverno acabou no Corredor do Longo Beijo. – Disse uma terceira pessoa. – O Verão está chegando. – Dizia enquanto a chuva passava e alguns raios breves de uma luz amarelada caiu sobre o casal, como o sol abençoando o novo casal.
Continuação de: O Corredor do Longo Beijo.
http://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/2415956