Concerto em ré maior

A cidade de Acapme inicia sob um cinzento dia mais um ano escolar. O transito é de veículos metálicos coloridos, sorridentes e todos musicais. As filas são enormes e muitos dos jovens descem dos carros no meio do caminho e seguem mecanicamente pelas calçadas pesadas e sujas, eles desviam do lixo empilhado que da forma a parte de pedestres das ruas de concreto. Alguns mais sonolentos tropeçam nos resíduos largados como serrapilheira de concreto e devem tomar cuidado para não se machucar, pois não há vacina para todos.

A multidão na frente do colégio anuncia tensão, agitação e recomeço. Crianças e adolescentes estão reunidos frente a uma construção que como um forte medieval tem suas pontes baixadas para recebê-los e em poucos instantes fecha as portas de maneira pouco delicada.

Na recepção um senhor de barba rala que jamais foi visto sorrindo apressa cada passante com olhar fulminante de quem se esforça para piscar o mínimo possível. Não é necessária uma palavra, todos caminham como em uma marcha, carregam materiais, mochilas e malas e seguem pelo corredor escuro sob o toque insistente de uma sirene estridente que ecoa para fora do forte e adentra as fortificações protegidas dos pais, tios e irmãos mais velhos que já cumpriram seu período.

Na sala do quinto ano os alunos são recebidos pela Senhora Airufia, que se matem rígida, como se empurrando se pudesse quebrá-la, espera todos entrarem e quando estão ordenados em filas e praticamente imóveis ela se aproxima fica de frente para eles, abre a boca para falar e um dos alunos espirra, não conseguindo se conter. Imediatamente, Sra. A muda para uma expressão enfurecida e aponta a saída, o garoto com o rosto vermelho de alergia e vergonha, se dirige cabisbaixo para a porta e não mais retorna. A Sra. A finalmente começa a explicação do ano letivo. Quando ela fala, a impressão é de que seus olhos vão saltar de seu rosto e rolar pelo chão. O mais assustador para Gui é que assim possam observá-lo ainda mais de perto.

No ano anterior sua professora havia sido a Senhorita Amanda Lac, que era nova no colégio e gostava de deixar as janelas abertas. No ano anterior havia sido um professor, Senhor Raul, que era um tanto distraído e deixava as chaves a vista. Mas não a Senhora Airufia. Sua sala nem tinha janelas, segundo ela a luz solar podia distrair demais os alunos e o quinto ano não seria tranquilo como antes.

As ferias não haviam sido longas, também não seria justo dizer que foram divertidas. Mas haviam sido divertidas para Gui, era apenas o que ele conhecia como diversão. Havia passado uma semana inteira na Cidade das Ilusões e aquilo era um desejo realizado para todo garoto de onze anos residente ali. Era a cidade de maior entretenimento da região e apenas empatava com Fingitown no extremo sul e Entorpercity, proibida para menores.

Gui percebeu que estava se distraindo com pensamentos de férias bem a tempo de a professora chamá-lo ao tablado para lhe entregar seu cartão para a grade escolar do ano.

Gui lembrou de seus pais lhe contando sobre a época em que usavam chaves e sempre achou estranho como a tecnologia mudava tudo agora que tinham sistema eletrônico. Olhou para seu cartão, sabendo que estaria encrencado se o perdesse. Ao não passar o cartão poucas vezes alguns de seus colegas foram transferidos para salas menos avançadas, os poucos que haviam perdido nunca mais foram vistos.

Gui caminhou para o canto da sala aonde estava uma estrutura de metal com uma pequena porta e seu nome, ao lado estavam estruturas idênticas com nomes de seus colegas. Ao toque de um sinal, todos passaram suas chaves e entraram em suas grades que foram fechadas imediatamente ao piscar de luzes cegantes. Apenas a professora permaneceu ao lado de fora, uma das jaulas estava vazia.

Gui logo abriu uma gaveta com seu material dentro e começou a observar os livros. Senhora A. se manisfestou com sua voz bruta como se quisesse eliminar alguém apenas com seus gritos. Gui não duvidava que fosse possível, por isso não ousaria desobedecê-la. Ele sabia depois de mais de quatro anos na escola que era estritamente proibido ir ao banheiro antes que tocasse o sinal do período, a não ser que tivesse enviado o pedido com antecedência, mas só tinha direito a três por semestre e não pretendia gastar um deles logo no primeiro dia.

Continua.

sonhadora insone
Enviado por sonhadora insone em 24/07/2012
Reeditado em 30/07/2015
Código do texto: T3793915
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.