Utopia 2100 - parte 2

Antes de ler essa parte, leia Utopia 2100.

Sou novo no site e não sei se existe uma forma de "linkar" uma parte a outra.

=)

3

As paredes da cela são agora preenchidas por árvores de clima tropical, o cheiro de mofo e urina dá espaço para o aroma da relva e do orvalho sobre as folhas. O caçador corre. Uma floresta bem conhecida por ele. Os casebres de madeira intercalados por enormes árvores vão passando ao seu redor enquanto avança cada vez mais rápido. A vegetação rasteira de folhas verdes e úmidas quase não faz barulho com os passos fortes de suas botas de couro cru. Em suas mãos usa luvas de lenhador e empunha um machado gasto, mas afiado. O suor respingando de sua face de beleza rústica demonstra aflição. Segurando-se no capuz de seu colete cavalga um pequeno macaco-prego. Um barulho crescente de passos começa a surgir atrás enquanto o homem com o macaco passa pelos olhos mecânicos dispostos nas árvores. Ele cruza a direita, com o macaco em suas costas, e pula em uma fachada íngreme que se abre em duas trilhas formando um “v” entre as folhas e troncos no chão. Pegando o caminho da direita continua correndo até chegar a um corredor entre as árvores que se aninham formando um arco. O caminho converte para direita, mas ele continua em frente, cruzando a vegetação baixa. Os passos continuam atrás, só que agora mais distantes. Ele se debruça em uma pequena vala escondida na relva e permanece em silêncio, espreitando pelo caminho recém-feito para verificar se os perseguidores estão próximos. Não consegue enxergá-los, porém a vantagem de conhecer a floresta está do seu lado.

Suas luvas estão besuntadas de sangue fresco que banham também o machado de corte afiado. Ele espera em silêncio enquanto seu coração dá batidas tão fortes que ele deseja que só sejam audíveis aos seus próprios ouvidos. A mão direita desliza e segura o cabo do machado enquanto ele avalia o cenário que já vira inúmeras vezes. Tudo está em seu devido lugar. Há uma enorme cerca-jaula as suas costas que divide a mata em duas partes, o lado de dentro e o de fora. Ele sempre fora certo de uma coisa: estava na parte de dentro, assim como os de sua criação. Uma enorme placa amarela desgastada, presa na grande cerca alerta um enorme “CUIDADO”, seguido por letras menores: “Não encoste na cerca. Alta voltagem. Prezamos por sua segurança. A Amazônia é feita para você”. A sua direita olha atento para uma palmeira de folhas longas e arbustos no sub-bosque. Ele confere o macaco em suas costas. O pequeno animal arfa de expectativa e adrenalina, assim como seu dono. Uma corrente balança em seu pequeno pescoço com as inscrições “NI03E32 Lote874”.

Os segundos passam e o barulho de passos volta a ficar cada vez mais próximo. Agora algumas vozes são audíveis e podem-se identificar frases “Por ali” ou “Peguem-no vivo”. O homem e o macaco esperam em atento silêncio. Poderiam esperar uma vida toda. A barba não existe, mas os olhos de caçador estão lá, espreitando os predadores se aproximarem. Nesse momento eles também são presas, mas não sabem disso.

Um homem aponta por detrás das árvores, seguindo a trilha que agora converte para a esquerda do caçador escondido na vala. O homem para e observa, tentando ver o que olhos normais não enxergariam. Está vestindo algo que pode ser um uniforme militar preto, com vários adornos dourados agrupado do lado esquerdo do peito, provavelmente insígnias. Usa estranhos óculos que parecem se estender para o topo da cabeça, formando um capacete. Mais dois homens despontam na retaguarda do primeiro, um deles com um cão labrador na coleira, ambos vestidos como o que os comanda, porém sem as insígnias. O cão fareja em direção ao caçador. Esse por sua vez alisa inconscientemente o cabo do machado com o polegar da mão direta, sinalizando ansiedade. Com a mão esquerda eleva o dedo indicador ao ar, seguido do dedo médio e por último o anelar e nesse momento uma flecha corta o ar zunindo e para cravada na testa do militar com o cachorro, quebrando os óculos de lentes vermelhas. Esse dá seu último comando, caindo abatido no chão: “Ataque”. Obedecendo as ordens de seu póstumo adestrador o cão avança salivando, com seu faro impecável.

O caçador se levanta e arremessa o machado que rodopia no ar até acertar o outro soldado raso que cai gemendo no chão. Nesse momento o labrador dá seu salto-ataque mirando o pescoço do homem com o macaco, que por reflexo se protege com o antebraço esquerdo e cai ao chão. O macaco sobe no dorso canino e crava mordidas, simultaneamente dando socos como um primata tentando quebrar uma noz com uma pedra. O cão, sem se importar com o ataque do primata, faz movimentos bruscos de negativa com a cabeça ostentando o braço do homem com as presas afiadas. O caçador pega uma faca de um coldre rústico de couro preso à cintura e crava no pescoço do labrador, que imediatamente solta seu braço e pula dando ganidos altos. O macaco continua em suas costas, parecendo um peão em cima de um touro.

Simultaneamente a esses momentos, que duraram pouco mais que alguns segundos, um índio - com um cocar de penas vermelhas e azuis e corpo pintado - sai por detrás do sub-bosque da palmeira, empunhando um arco, e com sua habilidade ímpar de guerreiro, lança mais uma flecha, agora em direção ao homem de alta patente. A flecha crava em seu ombro direito. Este aponta uma arma de choque empunhada com as duas mãos, ignorando a flecha e dispara certeiramente no peito nu do índio, que cai convulsivamente, urinando e praguejando num dialeto que poderia ser tupi-guarani.

O caçador se levanta com o macaco agora ao seu lado e o índio inconsciente ao outro. Nesse momento vários homens de preto aparecem com armas apontadas. Com a cabeça erguida e em movimento de rendição, o caçador levanta ambos os braços, com um único pensamento: “Meu irmão está a salvo?”.

Um alarme começa a soar, aumentando gradativamente, quase a ponto de estourar os tímpanos...

Paulo Tonon
Enviado por Paulo Tonon em 11/07/2012
Código do texto: T3771504
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