Sonhadelo

Eu nunca fui de me impressionar muito fácil, sabe?

Principalmente por causa de algum sonho sem sentido.

Mesmo quando eu era criança, quando acordava assustado por causa de um pesadelo e minha mãe dizia que era so um sonho, eu olhava ao redor e já deitava de novo, voltando a dormir na mesma hora.

Depois, quando era adolescente, tinha sonhos interessantes e até um pouco assustadores.

Na época, eu gostava de ler uns livrinhos de uma coleção do meu tio. Era umas coisas viajadas, tipo viagens pra outros mundos e extraterrestres, coisa assim. Eu gostava sobretudo porque me transportava pra outro lugar, longe da minha vida, que eu não gostava.

E meus novos sonhos tinham certa semelhança com as estórias loucas do meu tio "esquisitão".

"Tudo o que você pensa, sente, ouve e etc..fica no seu inconsiente e leva você a sonhar com isso" explicou meu professor do colegial.

E eu me divertia contando a garota que eu namorava na época.

-É um "sonhadelo".Você teve um "sonhadelo"! - ria ela da piada infantil que fazia. -É quando você tem um sonho, que é assustador, mas que não chega a ser um pesadelo porque você não fica com medo!

-E não pode ser um "pesasonho"?- disse eu.

-Não, porque começa um sonho normal e depois vai ficando cada vez mais estranho e assustador!-explicava ela querendo parecer inteligente, mas rindo sempre.

Por mais bobagem que fosse, a ideia realmente descrevia meus sonhos e eu fiquei sem como contestar mais e assim sem um nome melhor para defini-los.

Isso ficou gravado em minha mente, de tal forma escondida, que lembei-me apenas recentemente.

Não foi sem motivo.

Tive o mesmo "sonhadelo" que tinha contado a ela, na ocasião dessa conversa.

Não acho normal ter um sonho repetido. Ainda mais depois de tanto tempo.

Estou velho agora, sou uma pessoa diferente.

Ter o mesmo sonho é algo que me surpreende, no mínimo!

E não leio mais as estórias dos livros do meu velho tio; que Deus o tenha...

O sonho começa assim: Eu estou andando pela rua, os carros são todos alienígenas, com foróis estranhos e motores que não fazem barulho de automóvel.

Eu estou seguro de mim, não me assusto.

Muitas pessoas, muitos carros. Nem tanta poluição.

As pessoas não estão irritadas comigo, mas não me cumprimentam e nem entre si, mas perecem nervosas. Como se algo estivesse doendo e se tivessem a certeza de que não vai dar tempo de escapar de um perseguidor invisível.

As roupas, não são nem modernas nem antigas. Mas uma mistura de tudo, sem identidade.

Várias delas tem algo muito parecido com um daqueles gravadores portáteis que os repórteres usam, só que menor. Falam o tempo todo, e ouvem em seguida.

Entro em um ônibus ou trêm. Não, com certeza é um ônibus, mas tem a mesma apaência estranha dos carros.

A visão é agora por vezes pior.

Vários jovens, no máximo trinta anos.

Todos com alguns fios enfiados nos ouvidos, tateando uma prancha com algo como vidro. A sua atenção é total.

Há uma garota linda próxima de um rapaz aparentemente normal. Mas ele não a olha sequer um instante. Todo o seu interesse é para sua prancheta individual.

Ambos possuem os cabos implantados nos ouvidos.

Penso que mesmo que não sejam internos em suas cabeças, devem tirar total noção de ambiente.

Um pouco para tráz, no ônibus, em um banco isolado, um outro garoto está facinado com sua própria tela, quando um som estranho o faz parar e ajustar um dos fones.

Parece que o aparelho é um rádio como os que tinhamos no exército.

Depois de algum tempo declama com a maior naturalidade: "Não acredito que você morreu! Sério? Que marcação sua, hem? Você sabe quem te matou?"

Como ele pode dizer isso com essa frieza? Será algum tipo de gíria isso?

Saio do ônibus em seguida mas o pesadelo só piora.

Agora sim sei que é um pesadelo.

estou em uma praça.

Uma mulher, que eu não saberia dizer se era bonita ou não, além dos mesmos implantes, tem mais cabos em sua cabeça e faz gestos vagos em direção ao nada. Usa um óculos escuro que cobre grande parte de seu rosto.

Está só, mas gesticula como pessoas loucas que já vi em manicombios.

Olho ao redor, e noto que o cenário mudou.

Estou em uma sala e uma mulher opera uma tela um pouco maior sobre uma mesa enquanto uma criança chora pedindo atenção. Os implantes parecem impedi-la de notar o quase bebê.

Finalmente consigo notal algo na tela. Parece a capa de uma revista.

tenho um sobressalto e pilo pra trás quando a mulher diz com satisfação-"tenho agora 882 amigos!" para olhar para o bebê e logo em seguida e dizer "O que é que você que?"

o cenário muda novamente a ponto de me causar vertigens.

Parece uma mesa. Sim, uma mesa arrumada para o aniversário de alguma criança. Com infeites e docinhos. Mas não há crianças no cômodo.

Uma certa desorganização mostra que a festa já começou.

Vozes vindas de outra sala me fazer virar de costas para a mesa, apenas para me deparar com as mesmas criaturas robotizadas em suas tarefas com suas maquinas eletrônicas.

Resmungam, falam algumas palavras pela metade ou riem. Mas é tudo vago. O olhar hipnotizado se repete em cada rosto.

Mas tem algo pior. Estes rostos... São crianças.

Eles pegaram as crianças também! Elas também trabalham para estas malditas máquinas, ou sejam lá o que for!

Escravisaram todos. Como isso aconteceu?

De alguma forma eu sei: Que basta um comando, uma ordem articulada, e todos estes escravos irão chorar, irão rir amar e odiar que elas mandarem.

O que serão estas coisas? Serão aliens? Serão uma praga? Ou terá alguém no controle dessas aberrações?

Acordo sobressaltado.

Lembro que quando sonhava isso na minha juventude, eu não tinha medo depois que acordava.

Agora, é o momento em que mais tenho medo.

A luz da tv em "stand by" parece um olho a me espreitar.

Outros olhos de diversas cores, povoam as salas e quartos da casa onde hoje moro com meu filho e minha nora.

Não mamãe, não foi só um sonho.

É um verdadeiro pesadelo o que estou vivendo aqui no "futuro".

Ivano
Enviado por Ivano em 05/07/2012
Reeditado em 05/07/2012
Código do texto: T3762515