O MISTÉRIO DE SPRINGFIELD - PARTE 6

A cama em que Pat dormia era toda em estrutura de ferro e, portanto, bastante pesada. Muito alta, deixava um vão considerável entre ela e o chão. Este não era de piso vitrificado como o da maioria dos cômodos da casa, mas de madeira cortada e trabalhada em formatos retangulares diretamente sobre o solo. Uma colcha de casal de linho cobria-a totalmente, e os folhos roçagavam, com suas belas estampas de pássaros, o assoalho liso e esbranquiçado. Quando Patrick e Jane conseguiram, finalmente, erguê-la e arrastá-la, não puderam dominar o espanto e o gesto de estupefação. Havia, na direção da cabeceira, onde termina a parede e inicia-se o solo, um enorme buraco; na verdade, um túnel gigantesco. As proporções beiravam em torno de dois metros de diâmetro. Um arrepio gelado e pavoroso passou pela espinha de Jane Walters ao ver aquilo. Patrick abaixou-se para olhar a profundidade e ficou alarmado ao sentir a imprecisão de qua lquer cálculo. Porém, percebeu que, muito longe, até onde conseguia visualizar com a ajuda de uma lanterna e onde o túnel fazia uma curva, um brilho, o tal brilho esverdeado, cintilava de forma tímida, mas ininterrupta. Todavia, ao desligar o flash, o clarão voltava a crescer com todo o vigor.

– Meu Deus! O que é isso? – exclamou Jane, abaixando-se ao lado dele e olhando na direção do foco luminoso. Patrick desligou a luz da lanterna e levantou-se rapidamente e decidido.

– Onde fica o telefone?

– O que vai fazer?

– Temos trabalho pela frente. Consiga dois ou três homens entre os seus funcionários; precisamos fechar imediatamente esta passagem e, se minhas suspeitas estiverem certas, este caminho leva até a mina de carvão e é para lá que eu, você e Pat iremos.

– O doutor deve estar é brincando! Querer que eu entre neste buraco que tá me assustando só de eu olhar pra ele. Não faço isso nem morta! Também, não durmo nunca mais nessa cama – era a voz da empregada atrás deles na poltrona.

– Não se preocupe, Pat. Ninguém vai passar por aí – disse Patrick, meio que sorridente, tranquilizando-a. Jane sinalizou da porta com um telefone; tinha acabado de chamar dois empregados que não deveriam tardar em aparecer. Patrick foi até o aparelho e ficou nele um bom tempo. Ela acompanhou-lhe em toda a conversa com o delegado distrital de Springfield, em que pedia o reforço de um ajudante de polícia, uma charrete e dois carregadores, entre outras coisas.

Decorridas duas horas, um magnífico trabalho de concretagem e tamponamento havia sido executado por dois hábeis empregados de Jane. Isolava totalmente aquela passagem misteriosa. Em seguida, chegava a ajuda que havia sido requisitada: uma charrete azul clara puxada por dois cavalos, brancos e saudáveis, conduzida por um senhor de certa idade em trajes simples de camponês, exibindo uma barba grande e grisalha. Protegia-se do sol, que era forte, com mero chapéu de palha. Havia no banco atrás de si uma espécie de arca pequena com cadeado. Devia ter meio metro de comprimento por quarenta centímetros de altura. Aos pés desta, uma caixa menor, preta, com alça de couro. Por último, montados em cavalos, vinham o ajudante policial e dois homens fortes, um branco e um moreno, que eram os carregadores. Partiram imediatamente.

Contornaram a fazenda em sentido contrário ao do rio e pegaram a estrada abandonada. A certa altura do caminho, Jane, que ia ao lado de Pat (que só a muito custo aceitou acompanhá-los) no carro, agora atrás dos outros, atendeu à solicitação de Patrick que precisava falar-lhe. Ela trocou de condução com o ajudante de polícia que foi sentar-se ao lado da jovem na charrete. A marcha era a mais lenta possível a fim de que pudessem observar melhor cada trecho do caminho. Neste momento, passavam pelo local das estranhas pegadas.

– Aqui estão outras pistas que corroboram a minha tese.

– Que tese? – perguntou Jane, muito curiosa.

– Os exames não conseguiram identificar a origem destas pegadas, mas eu descobri o que são. Vem de um ser desconhecido por nossa civilização.

– Você quer dizer um monstro?

– Ainda não tenho certeza, mas é muito grande. Você conhece canguru?

– Canguru?! É claro que conheço, mas não há deles por aqui – admirou-se Jane.

– Eu sei que não há. Apenas quis dar um exemplo. Refiro-me aos marsupiais. Houve uma era geológica denominada mesozóica, caracterizada pela predominância e variedade dos répteis e algumas espécies de mamíferos. Nela, a vida foi marcada pelo desenvolvimento de certas espécies que, em seguida, desapareceram abruptamente. Começou há 225 milhões de anos e terminou há 65 milhões de anos. O último período desta era, também chamada secundária, denominou-se cretáceo; durou de 70 a 80 milhões de anos e compreende os terrenos formados nesse período. Acontece que, dentre os mamíferos daquele tempo, apenas os marsupiais e os insetívoros persistem até hoje, enquanto outras ordens extinguiram-se.

– Está querendo me dizer que meu marido pode ter sido levado por um marsupial, um canguru?

– Você disse-o bem, pode ter sido. Contudo, não quero me precipitar. Mas não falo de um animal comum, refiro-me a um tipo gigantesco e pré-histórico – disse Patrick, olhando-a muito sério dentro dos olhos. – Esqueceu-se do túnel? – prosseguiu. – Saiba que estamos passando por cima dele neste momento. – Ela olhou instintivamente para o chão, assustada, e fez menção de desviar seu cavalo para o lado. – Não se preocupe, não sei exatamente onde está, mas não há problema. Se eu estiver certo, o animal, se é que podemos chamá-lo assim, não suporta luz por muito tempo; por isso utiliza o diamante.

– Diamante!?

– Sem dúvida. Entre as variedades alotrópicas do carbono, as cristalizadas são as mais bem definidas, como o diamante, pôr exemplo. E quando isso ocorre, sempre há desprendimento ou absorção do calor.

– Então o corpo quente de Pat… e… o brilho verde.

– Muito simples: fotossíntese.

Jane olhou para o mato e outras plantas destruídas ao longo do percurso. Ficou boquiaberta. Estava aterrada. Patrick, como que lhe adivinhando os pensamentos, prosseguiu.

– Sabemos que esse fenômeno, caracterizado pela absorção do carbono e liberação do oxigênio, efetua-se ao nível dos órgãos verdes das plantas, principalmente nas folhas. A clorofila transforma diretamente a energia luminosa em energia química. Acredito que deva existir um outro mecanismo de fotossíntese que permite às plantas assimilar completamente o CO² da atmosfera interna do vegetal, como estas gramíneas que vemos aqui, por exemplo. Alimentando-se destas plantas, a criatura consegue, por algum processo alotrópico existente em seu organismo, cristalizar carvões minerais que são, na verdade, o alimento principal e, o mais impressionante, expeli-los em forma de diamantes. Isto lhe dá condições de suportar, por algum tempo, a luz do dia.

– Só não compreendo como pode essa coisa existir nos dias de hoje.

– Não existe. Ou melhor, deixe-me explicar. O fim do cretáceo ficou marcado com a extinção de diversos grupos que haviam se desenvolvido até quase o fim do período; os dinossauros, por exemplo. Só que, por um processo qualquer de química orgânica inconcebível, este fóssil conseguiu combinar o carbono com algum elemento presente na constituição de outros organismos animais. Não sei ao certo, qualquer espécie de carbonatação, pôr exemplo. – Patrick calou-se por alguns momentos enquanto percebia em Jane um ar absorto. – Sei o que deve estar pensando – arriscou –, que Henri esteja morto.

– Seria possível a esta altura conceber o contrário?

– Tenho minhas dúvidas, mas quero acreditar que sim. Que este animal não seja carnívoro já quase posso garantir. Por outro lado, porém, a fera é gigantesca; calculo não menos do que cinco metros de comprimento. Quando digo comprimento, refiro-me a sua passagem pelo túnel, por exemplo, a qual faz de forma agachada. Quanto aos outros movimentos, compara-se a qualquer marsupial. Lembra-se das semelhanças que constatei entre as vítimas? A juventude saudável e os olhos verdes são dois fatores de grande influência. A cor dos olhos dessas pessoas dão à criatura uma espécie de…como vou dizer… “segurança” para a sua ação. Do mineral carbonizado mantém conservada a sua existência fóssil e, através da luz verde, sente-se, digamos…protegido. Todavia, por não ser carnívoro, não destroi suas vítimas, pelo contrário, precisa delas.

– Deve estar brincando! – surpreendeu-se Jane.

– Gostaria que estivesse; porém nunca falei tão sério. Sabemos que os carboidratos são um fator energético de primeira importância para o organismo e um dos componentes da matéria viva, tendo o carbono como um de seus elementos. Esse ser, na verdade – não saberia em que reino situá-lo: no animal, no mineral ou na mistura desses dois, o que seria o mais provável – para conseguir parte de sua energia, utiliza, de suas vítimas, os carboidratos. Não me pergunte como o faz. Só sei, e espero que esteja certo em minhas deduções, que não as mata. Outros fatores, como o calor ou a falta de oxigênio, poderiam levá-las à morte, mas não a falta de alimentos. Isto porque, por um processo osmótico que não saberia definir, substâncias vitais são repassadas de um organismo ao outro.

– Como faz isso? – perguntou Jane assustada.

– Isto é o que vamos tentar descobrir.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 08/05/2012
Reeditado em 08/06/2015
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