O MISTÉRIO DE SPRINGFIELD - PARTE 5

Manuseando as páginas, Patrick seguia olhando agora os retratos das vítimas fatais e dos desaparecidos nos acidentes que ali ocorreram. Na última foto, quando já ia fechar o álbum, parou de repente, ao ver o retrato de uma mulher. Achou isso estranho; uma mulher numa mina de carvão? Seria um fato deveras improvável, a julgar pela época: há mais de um século. Largou o álbum e passou a estudar um enorme livro antigo que tinha diante de si sobre a mesa. Eram folhas castigadas pela ação do tempo, mas ainda em muito bom estado de conservação que ele havia requisitado ao arquivo geral da cidade. Todos os documentos referentes aos trabalhos da mina de Springfield, assim como todas as ocorrências possíveis e passíveis de terem sido registradas, encontravam-se ali, em suas mãos. Abriu a capa dura e esverdeada e passou a examiná-lo.

Deixou para trás, todavia, as páginas dos longos relatórios que não lhe interessavam naquele momento e foi direto ao que procurava. Encontrou, na segunda metade do volume, recortes de jornais da época, os quais estavam anexados à página em branco. Havia várias reportagens com fotos. Em uma delas, reconheceu a mulher que acabara de ver no álbum. Lendo o texto, soube tratar-se de uma, entre as várias pessoas que se aventuraram, muitos anos depois do desastre da mina, a explorar o seu interior em busca de pedras preciosas. Mais à frente, noutro recorte, já muito mais atual que os outros, analisou uma nota sobre desaparecidos em Springfield. Quase não havia menção da antiga mina por terem-se passado muitas décadas. Lia-se, ao contrário, uma frase do jornalista, que destacava a possibilidade dos desaparecimentos terem a ver com aquele local de trabalho. Acrescentava, como razão para a sua inferência, o fator tempo, que fez esconder todas as entradas da encosta e torná-las inacessíveis pela ação natural das erosões. Contudo, uma observação, no espaço em branco da página, explicava o motivo de expor no livro aquele comunicado; dizia que os desaparecimentos sempre foram muito raros em Springfield antes da existência da mina e mesmo depois dela, portanto, uma factível correlação poderia existir.

Em seguida, Patrick comparou, nos registros policiais, os três últimos casos de desaparecimento com os três últimos mencionados no livro. Eram os mesmos: dois homens e uma mulher. Todos jovens, com menos de quarenta anos. Possuíam olhos verdes, tinham aparência forte e saudável. De acordo com o texto, haviam desaparecido quase debaixo dos olhos das pessoas que estavam por perto, porém, sem que ninguém percebesse o ocorrido ou ouvisse qualquer som estranho. Pegou outras fotos das mesmas vítimas. Em duas delas, descobriu detalhes que o deixaram atônito. Eram tomadas feitas minutos após a ocorrência, cujo ambiente apresentava ainda sinais, alguns não muito perceptíveis, das consequências do acontecimento. Olhando bem para um canto da fotografia, Patrick deixou escapar uma interjeição de admiração e espanto. Ficou de tal modo estupefato que não ouviu o toque do telefone, senão quando da terceira vez que soou. Do outro lado uma voz que ele não custou a reconhecer; era Jane Walters.

Ele ia explicar o porquê de não ter ido aquele dia, por estar reunindo algumas informações valiosas sobre o caso. Mal teve tempo de abrir a boca; a mulher, com a voz totalmente embargada, como que pelo choque de um susto recente, interrompeu-o. – Aconteceu algo horrível! Venha para cá imediatamente.

– O que houve?

– É Pat. Ela está muito mal. Pelos sintomas acredito que tenha relação com o que aconteceu com Henri.

– Chame-a. Deixe-me falar com ela.

– Impossível. Está desacordada e com uma febre estranha e tão alta que a faz delirar.

– O que diz?

– Não compreendo, está confuso. Venha, por favor!

– Tudo bem, acalme-se. Chame apenas um médico e ninguém mais. Estou indo agora mesmo. – desligou. Reuniu o material, guardou uma parte e, a outra, colocou numa maleta preta de couro e saiu com ela, não sem antes telefonar para casa, comunicando o imprevisto.

Era começo de uma tarde muito ensolarada quando Patrick encostou com seu cavalo junto à varanda da residência de Jane Walters. A porta da frente encontrava-se entreaberta. Ele entrou, atravessou a ante-sala e penetrou em um quarto com uma decoração simples, mas muito bem arrumado. Ao lado da cama havia uma poltrona e na outra extremidade, encostada à janela, uma penteadeira recheada de perfumes. Sobre a mesinha de cabeceira havia um copo com água pela metade, ao lado de uma caixa de comprimidos. Pat dormia. Sentada à beira da cama, Jane sentia-lhe o pulso, quando Patrick aproximou-se. O aspecto da jovem era assustador. Possuía algo de hermético e incompreensível aos padrões comuns de análise que costumam apresentar os doentes. A expressão era insólita e chocava à primeira vista. Os olhos, profundamente cravados nas órbitas e ao mesmo tempo inchados, estavam sombreados de um círculo verde e era, de fato, um verde-montanha com tons levemente azulados. A boca ligeiramente aberta, parecia esforçar-se para dizer qualquer coisa, mas o torpor, talvez causado pela medicação, a impedia. Porém, o que mais impressionou Patrick, e o fez sentir-se seguro quanto ao caminho de suas investigações, foram duas manifestações advindas do corpo de Pat, as quais lhe foram percebidas assim que ele penetrou no aposento. Uma era a altíssima temperatura que ali fazia sem nenhum sistema de aquecimento ativo dentro da casa e em total contraste com a situação exterior.

Ele confirmou sua dedução ao por o dorso da mão sobre a testa da enferma e constatar-lhe o altíssimo grau de calor, segundo Jane, insuportável a qualquer mortal momentos antes daquela horrível prostração em que caíra. O outro efeito, também já agora em menor grau, fazia aparecer e sumir muito rapidamente do corpo inteiro de Pat um brilho, um clarão pálido e repentino, agora de um verde muito escuro, que é a combina ção deste com o preto, e que lhe fulgia assustadoramente a aparência. Durava décimos de segundo e desaparecia. Surgia-lhe parcialmente, primeiro na cabeça e, em intervalos variáveis, cintilava sobre as outras partes do corpo.

Apesar do seu estado grave e preocupante, ela começou a reagir lentamente e, no decorrer daquela tarde, os sintomas foram, um a um, desaparecendo para, no início da noite, abandoná-la de vez. Um sono longo e profundo fê-la recuperar quase que totalmente o bem estar. Patrick partira por volta das seis, prometendo retornar no dia seguinte pela manhã. Conversou longamente com Jane, expondo-lhe as evidências que davam suporte às suas suspeitas. Mostrou-lhe fotografias e documentos.

Fez comentários sobre as notícias que saíram nos jornais e deu sua opinião sobre elas. As pessoas de cor negra que apareciam nas fotos, os clarões esverdeados, eram fatores que quase o convenciam da existência de algum efeito sobre humano naquelas ocorrências. As escavações arqueológicas no terreno, abaixo de onde hoje está a mansão dos Walters, que resultaram no projeto de construção ali de uma mina que chegou a ser iniciada e logo depois abandonada, era o ponto que o vinha intrigando.

No dia seguinte, no horário que haviam combinado, ele chegou. Tinha como tarefa primeira e essencial uma conversa com a jovem Pat. Já mais animada, mas ainda repousando em seu quarto, procurava atender, na medida do que permitia o seu estado, os anseios dele e também de Jane.

– Eu não lembro de nada – dizia –, apenas um súbito mal estar, e tudo se apagou.

– Você já ouviu falar em hipnose? – perguntou-lhe Patrick.

– Eu acho que sim. Mas não deve funcionar comigo não, senhor. Sou muito medrosa; sim, tenho muito medo.

Com um pouco de insistência, mas muita sutileza conseguiu convencê-la a se deixar hipnotizar. Acomodou-a na poltrona e, fazendo-a descansar, com a cabeça para trás, sobre duas almofadas redondas e avermelhadas, fez com que entrasse em total estado de relaxamento induzido por ele, que começou em seguida. Os poucos conhecimentos que possuía desta técnica misteriosa, adquiridos em pesquisas que fizera durante seus estudos universitários em Kansas City, foram de grande valia, mas somente até certo ponto. Dali em diante, as reações da jovem em transe passaram a ser preocupantes. Agia como se estivesse vendo à sua frente alguém ou alguma coisa que a fazia gritar e contrair-se de modo assustador. Os olhos negros começaram a esverdear-se, emitindo um brilho inexplicável e pavoroso. Temendo alguma conseqüê ncia trágica, Jane pediu-lhe que interrompesse imediatamente a sessão. Patrick, no entanto, falou concentrada e decididamente.

– Espere um pouco. Olhe, parece que está querendo nos mostrar alguma coisa. – Seu olhar incerto, que antes vagueava pelo ambiente do quarto sem se fixar em parte alguma, de repente, ao transformar-se, caiu sobre um único ponto e ali ficou, magnetizado. Parecia que alguma atração dominava-a por completo, imobilizando-a; algo que transcendia mesmo a compreensão de Patrick, que julgava tê-la sob seu poder. Numa tentativa persistente e frenética ele conseguiu trazê-la de volta, mas o esforço fê-la completamente exausta e, quando mal voltou a si, deixou-se descansar sobre a poltrona, ali ficando até sentir-se recuperada. – Ajude-me a levantar esta cama – disse ele para Jane. – vejamos o que há ali embaixo.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 07/05/2012
Reeditado em 08/06/2015
Código do texto: T3654150
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