O mistério de Springfield 4ª parte

As sombras predominantes na relva, refrescando a tarde de Springfield, animaram Patrick a enfrentar o longo caminho de volta. Chegaria exausto e já ali imaginava a sua cama preparada e a mulher a esperá-lo na varanda, tendo a lua cheia a contemplar o deserto das ruas do bairro, onde morava, depois das onze da noite. Com efeito, aquela noite foi uma das mais bem dormidas que tivera ultimamente. Olhou o relógio arredondado no alto da parede em frente à cama; passava das dez. Não acreditou que tivesse dormido tanto. Espreguiçou-se despreocupado, mas a lembrança da obrigação o fez levantar-se incontinenti. Calçou os chinelos, afastou a cortina de renda da parede do quarto que escondia a porta, cruzou um pequeno corredor e foi para o banho. Na cozinha, o som de copos e utensílios sendo transportados e postos sobre a mesa, e um aroma de café fresco, misturado ao cheiro de gordura do bacon, preparado ao seu estilo favorito, chegaram até ele, acelerando-lhe o banho e a fome.

À mesa, vasculhou o jornal à procura de notícias sobre o caso de Springfield. Encontrou, junto a uma fotografia, as seguintes linhas:

“Espera-se para muito breve novos pormenores que possam trazer alguma luz a este intrincado acontecimento. Como já foi noticiado, Henri Walters desapareceu misteriosamente dentro de sua própria casa, quase embaixo dos olhos de sua esposa Jane. Segundo relato da própria Mrs. Walters, ela deu pôr sua falta ao retornar da cozinha para a sala, de onde tinha saído para pegar no forno umas panquecas que acabara de assar. Na sala, só ficara ele e mais ninguém. Como sempre fazia, tomava o breakfast, assistindo na TV à retrospectiva do baseball do dia anterior, seu esporte favorito. Pat, a empregada, encontrava-se, segundo ela própria, em seu quarto. Não havia dormido muito bem e sentia-se indisposta. Pedira à patroa que a deixasse ali, descansando até mais tarde, no que foi atendida; disse que tinha muita dor de cabeça. Isto, foi por volta das sete horas da manhã. Às sete e trinta, ocorreu o inci dente, em meio a dois minutos de afastamento de Jane Walters. Os exames clínicos posteriores acusaram em Jane os efeitos de uma crise nervosa, provocada pelo choque da perda. Aproveitou-se a ocasião para submeter também a empregada a uma avaliação do seu estado. Seus sintomas eram puramente físicos. Apresentava os olhos inchados sem uma causa aparente e queixava-se de cansaço e mal estar. Há dias do ocorrido, as autoridades policiais de Springfield, desesperançadas, aceitaram a nossa participação nas buscas e investigações. Jefferson City enviou Patrick Brown, inspetor chefe daquela jurisdição. Seus métodos peculiares e um currículo vitorioso prometem novas esperanças.”

Ao lado do texto estava a foto da vítima e, em letras menores, os dizeres: “Henri Walters é agricultor de sucesso e sua fazenda está entre as mais modernas e bem aparelhadas do estado”. Patrick fechou o jornal e olhou as horas em seu relógio de pulso. Espetou no garfo a última fatia do bacon e levou-a à boca. Com a mão mesmo, pegou uma outra, que ele não vira e que quase caía do prato, engolindo-a com mais um trago do café. Beijou a mulher e saiu, tendo o jornal cheio de dobras metido no bolso traseiro das calças. Montou e seguiu para a Inspetoria de Polícia. No caminho, pelas ruas arborizadas que tão bem conhecia, parecia não dar muita atenção a nada, exceto à própria introspeção. As belas residências ajardinadas passavam por ele em ritmo de fúria e desprezo. O galope contínuo e um tanto acelerado o mantinha absorto. Ao entrar na inspetoria, cumprimen tou um funcionário que batia alguma coisa numa grande e antiga Remington e seguiu para a sua sala, sentando-se à mesa de trabalho.

Uma idéia pairava em sua mente. Precisava fazer certas comparações a fim de desvendar suspeitas que, se justificadas, abririam ante si um novo leque de possibilidades, mas, para isso, precisava ir até Nashville e recolher, no Centro de Pesquisas Arqueológicas, o material necessário. Na impossibilidade de ir ele próprio, teve que enviar pessoa experiente e de confiança. Pegou no telefone preto a sua frente e um contato de oito minutos deixou acertada a visita. Queria ver fotos, mapas e relatórios. Só aí poderia lançar fundamentos às próprias conjecturas.

No dia seguinte pela manhã, tinha Patrick em seu poder não somente o que ele havia pedido, mas algo mais. Três exemplares de diferentes periódicos traziam informações que precisavam ser analisadas. Um deles chamou-lhe a atenção por uma manchete de segunda página que expunha, em negrito, estes dizeres: “HENRI WALTERS POSSUI CONTAS BANCÁRIAS NO EXTERIOR”.

Ele abriu o jornal na página indicada e leu a notícia:

“Recentes investigações dão conta de que o empresário agrícola Henri Walters, desaparecido misteriosamente no último dia 15, quando em sua residência, pode ter sido vítima de um seqüestro. Embora as provas e os testemunhos não apontem para uma dedução totalmente conclusiva, não há, até o momento, pela apreciação do laudo, melhor hipótese do que esta. Henri é um dos homens mais ricos de Springfield e do Missouri. Avalia-se sua fortuna pessoal em vinte milhões de dólares. Em declaração recente, feita à imprensa, confirmou que mantém contas em diferentes bancos privados da Europa e também do Japão. Perguntado sobre o porquê desta escolha, disse ser uma opção pessoal, já que não existe impedimento legal. Quanto a isso, afirmou que utiliza diversos equipamentos importados e segue os conselhos de investidores estrangeiros. Segundo ele, isso facilita b astante as suas transações.

A fazenda dos Walters foi, no ano passado, tema de notícia nos principais jornais do país. Èmile Rosieux, rico empresário francês há vinte e cinco anos naturalizado americano e bastante influente por seus famosos investimentos imobiliários, pleiteou, em juízo, a compra daquela propriedade. Alegou a urgente demanda da população de Springfield por novas áreas urbanas que trariam mais conforto e desenvolvimento àquela região. Um plebiscito popular, porém, deu ganho de causa aos Walters o que, supõe-se, irritou Rosieux que não se deu por vencido. Relato da senhora Jane e de alguns empregados confirmam algumas idas do empresário francês à fazenda nas últimas semanas. A imprensa o tem procurado, mas, segundo sua assessoria, ele encontra-se em viagem pela Europa.

Novas buscas e investigações foram realizadas durante o dia de ontem à procura de outras pistas. Seguindo deduções do Inspetor Chefe da delegacia principal de Jefferson City, Patrick Brown, tiradas de seu relatório, policiais de Springfield vasculharam mais uma vez todos os arredores da propriedade. Nada de anormal foi encontrado a não serem vestígios de mata destruída ao longo de uma estrada desativada há muitas décadas. Algumas pegadas foram fotografadas e aguarda-se o resultado dos exames que estão sendo realizados. Porém, existe quase a certeza de que se trata de algum animal, possivelmente um bípede, que tenha escapulido do dono e andado por ali. São confusas as pegadas, que desaparecem depois de certo trecho sem deixar vestígios. Um menino de onze anos, que passava pelo local no momento dos trabalhos, foi interrogado. Disse nada saber e, perguntado sobre o que fazia em local tão ermo, ele nada respondeu, mas notaram que em sua mão havia uma pedra. Os homens a tomaram e constataram ser um diamante bruto, porém, de incomum aparência. Pediram-na ao menino para estudos ao que ele não se importou. O mineral encontra-se em Nashville para ser analisado.”

Patrick fechou o jornal e ficou em silêncio, pensativo. Passou a examinar o material que tinha sobre a mesa; pegou um álbum de fotografias. Numa delas, apareciam homens escavando enorme área. A época parecia ser a de inícios do século dezenove. De um lado, algumas amostras de ossadas de diferentes tamanhos. Ele virou a foto e leu, escrito em letras de máquina: “PESQUISA EM CAMADAS FOSSILIZADAS NOS TERRENOS DO CARBONÍFERO PARA A DESCOBERTA DE CARVÕES MINERAIS”. Comparou com outras. Havia uma, cujo local parecia-lhe ser o mesmo onde está agora a casa dos Walters; mostrava o início da construção de uma mina e, atrás, a frase: “PROJETO ABANDONADO. DESCOBERTA DE CAMPO ENERGÉTICO DESCONHECIDO”. Outra foto exibia a parte externa da mina verdadeira em pleno desenvolvimento. Via-se enorme pilha de material estéril num dos cantos, os trabalhadores em atividade no p átio e a torre de extração, denotando pleno funcionamento.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 05/05/2012
Reeditado em 08/06/2015
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