O MIstério de Springfield - cap. 2
Haviam ultrapassado vasto trecho agrícola, já afastado do vale habitável. Seguindo em linha reta, chegaram à beira de um rio; barulhento naquela altura devido à força das águas. Recentemente houve chuva e o solo estava úmido e lamacento. Os detritos nas águas chocavam-se uns contra os outros. O vento frio da manhã doía na pele. Uma árvore tombada, obrigando o animal a um salto quase mortal, era a principal indicação da recente tempestade. A refrega deixou galhos secos e folhas mortas entre outras vítimas da natureza, naturalmente transformada. A visão à direita de Patrick era tomada pela alta plantação. Quinhentos metros à frente, ele entrou por este lado, na pequena e estreita rua, a primeira que surgiu ao fim da área cultivada. Novos sinais de vida começaram a surgir aos poucos.
Ao fim da via, uma estrada. Mas Patrick não tinha que seguir por ela. Percebeu com alívio que, de onde se encontrava, já podia avistar, com clareza, o que seria o fim da viagem tão cansativa. Sua visão estendeu-se sobre a ampla área verde à sua frente. Ficava no alto, a uns cinqüenta metros além da estrada, totalmente flanqueada por cerca de arame em toras de eucalipto. Patrick sacou do bolso de sua camisa uma fotografia e confirmou a cena. Embora um pouco amarelecida pelo tempo, a imagem mantinha os principais detalhes de quando fora criada, exceto, é evidente, a mudança natural inevitável quando se trata de tomadas da natureza. Com um sorriso de satisfação e alívio, voltou a guardar a fotografia e um leve toque de sua perna na barriga do animal o fez andar novamente. Atravessou a estrada de terra e parou mais uma vez. Á esquerda, o cercado era con tínuo e quase não havia acostamento. O sol já alto incidia ali com vigor e não era possível saber, tampouco, onde terminava a proteção do terreno. Ele optou então pela sua direita, onde árvores sombreavam o caminho. Contornou a ilharga do monte e pegou o trecho entre este e as árvores.
Logo à frente, deparou com o mesmo rio cujas águas, naquele ponto, pareciam mais calmas e menos carregadas. Notou que passava por dentro da propriedade. Obteve dali a visão quase que total da moradia. Dava de frente para o rio, distante deste não mais do que quarenta ou cinqüenta metros. Era toda branca, de frente ampla e pórtico inclinado. A visão lateral de Patrick permitia-lhe, inclusive, contar o número de janelas da parte superior da casa que tinha dois andares: seis na parte da frente e três em um dos lados, aquele que lhe era visível. Com a mão sobre os olhos, para facilitar a visão dificultada pelos raios solares, olhou um pouco mais para o alto e viu a sacada a qual se apoiava nos segmentos das pilastras do segundo piso e, por último, a cobertura de um sótão atravessado.
Daquela mesma posição via, a uns vinte metros, outra grande obra e soube imediatame nte o que era. Tratava-se de uma estufa e, pelos seus conhecimentos de agricultor que fora até os vinte e oito anos às margens do curso superior do Hudson, nos montes Andirondacks, concluiu sua suspeita ao sentir, mesmo de longe, o arrojo da edificação, das mais dispendiosas, onde se investe fundo na horticultura a fim de ofertar os produtos fora da estação normal de abastecimento. Recorre-se à estruturas metálicas, com teto e paredes de vidro, em caixilhos modulares e dotadas de fornalha interna destinada a aquecer a água que circula em tubulações metálicas; com certeza eram ricos os que ali mandavam.
Ele cruzou uma ponte sustentada por cordas e potentes toras que eliminavam o balanço. Acabava de alcançar a outra margem, leu em tinta azul, os dizeres de uma placa: “FAZENDA DOS WALTERS”. Aproximou-se. Sem desmontar, levantou a corda que prendia o imenso portão e entrou, largando-o aberto. Estava agora há poucos metros de obter as primeiras informações sobre o estranho desaparecimento de Henri Walters. Na pacata Springfield havia, como em toda parte, crimes e mortes. Porém, no caso de Mr. Walters, a lei local intrigou-se e dava o fato como insolúvel.
Buscaram-se todas as probabilidades. Interrogados e investigados foram todos os prováveis envolvidos e não chegaram a um mínimo parecer que levasse a um indício de suspeição para uma busca mais apurada. A quatro dias do ocorrido, passaram às mãos de Patrick Brown essa difícil tarefa. Ia ele pelo caminho, imbuí do do primeiro passo em sua missão: interrogar Jane Walters, a esposa. Olhou melhor e mais de perto a gigantesca estufa enquanto passava agora bem rente a ela. Longa fila de sementeiras de diferentes mudas despertou-lhe lembranças que já se perdiam no tempo. Veio-lhe, como que para afastar a saudade indesejada, uma sensação de realização ao se sentir vitorioso na carreira que escolheu. Desvendar casos complicados para outras delegacias era o seu motivo de maior orgulho. Olhava para as espécies que cresciam ali, naqueles pequenos caixotes e balançava a cabeça como a cumprimentar velhos conhecidos. A comprida varanda surgiu, imponente, muito bem ornamentada entre aquelas obras. Mrs. Walters, que já o esperava, cumprimentou-o.
– Bom dia, Mr. Brown! Espero que tenha feito uma boa viagem – disse, enquanto fechava a porta pela qual acabara de sair. Patrick, ao responder ao cumprimento, fitou-a nos olhos verdes; não mostrava sinais de que haviam chorado nas últimas horas. Era uma mulher bonita, embora não muito jovem. Calculou que devia passar dos quarenta.
– Correu tudo bem – respondeu agradecendo. Desmontou.
– Haverá problemas se soltá-lo um pouco? – perguntou, alisando o animal, enquanto era autorizado por um sorriso e um sinal negativo de Mrs. Walters. Fez-lhe uma carícia no pelo, verificou os cascos e desatou as correias que prendiam a sela, puxando-a para si. Deu, então, firme palmada no lombo do bicho e este correu em direção ao rio.
– Não sei se posso retribuir o bom dia; como tem passado? – falou, largando os arreios sobre o parapeito da varanda.
– Nada bem, não durmo há dias. Ele é tudo para nós. Não compreendo como pode alguém, simplesmente, desaparecer em Springfield sem deixar uma pista. O que fazem os policiais dessa cidade?
– Temos que conversar, senhora Walters. Para começar, preciso fazer algumas perguntas, se não se importa. – Ele permaneceu na mesma posição, a cofiar o bigode, aguardando o convite para entrar na casa.
– É claro – respondeu. – Entre, por favor.
Virou-se, abrindo a porta. Patrick penetrou na varanda. Seus olhos demoraram-se agora um pouco mais sobre a mulher. Os cabelos loiros e escorridos pendiam-lhe nos ombros torneados. Na ante-sala, uma pintura tomava meia parede ao lado da porta principal. O quadro era antigo, mas chamava a atenção pela predominância das cores quentes; exibia velha cena peculiar no remoto oeste americano, com a cavalaria rústica cruzando a galope o grande lago, tendo, ao fundo, as montanhas rochosas. Ali mesmo sentaram-se. Patrick deixou cair todo o seu peso sobre uma poltrona tão macia que afundou. A mulher sentou-se no canto oposto em uma cadeira de palha.
– O que quer tomar? – perguntou com decisão como se adivinhasse que ele queria tomar alguma coisa.
– Aceito um café forte, por gentileza. Preciso estar bem desperto; acho que terei que pensar um bocado.
– Só um minuto. – Ela saiu e, em trinta segundos, já estava de volta. Sentou-se novamente. – O que deseja saber? – indagou, ajeitando a alça do vestido vermelho que lhe cobria até os tornozelos.
– Para começar, conte-me o que puder a respeito das amizades do Sr. Walters e de sua rotina também.
As primeiras palavras de Jane fluíram-lhe sem dificuldades. Dava a impressão que se cansara de repetir a mesma coisa a todos que lhe interrogavam sem sucesso. Porém, surpreendeu-se quando Patrick, interrompendo-lhe a salmodia, perguntou: – Senhora Walters, acaso o seu marido vinha, ultimamente, recebendo alguma visita inusitada? – ela corou a esta pergunta.