A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO XIX

NADA ACONTECEU!!!!

Nenhuma explosão! Nenhum cogumelo atômico! Nem fogos de artifício festejando a chegada daquele trem novo! Nem bombinhas, nem estralinhos... O trem chegou à estação em silêncio absoluto.

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Corri feito um velocista os últimos 100 metros que me separavam da estação do trem. Enfim minha fórmula errara uma previsão! Odiaria isto em qualquer outra situação, menos naquela! Tudo o que eu queria naquele momento era que meu algoritmo falhasse: e ele falhou! Ninguém fôra torrado a 100 graus celsius às 7 horas do dia 21 de fevereiro de 2017...

Cheguei ofegante à estação. John, certamente, estaria dentro de um dos vagões. Errei: o vi saindo da "locomotiva". Bom, naquele veículo moderno nem fazia mais sentido chamar de locomotiva. Digamos que ele saiu do "vagão mestre".

- John! Errei!!! Nunca em minha vida fiquei tão feliz por ter errado, cara!!

Ele saiu. Visivelmente alterado: um porre de mais de meia garrafa de uísque não passa tão rápido assim, né?

- Seu trem atômico não explodiu! Parabéns, meu amigo!!

Ele se aproxima, e o olhar acusa que está se divertindo:

- Mais uma vez, repito: não tem nenhum trem atômico, cara!!!

- Mas... e este átomo estampado nos vagões?

Ele faz um suspense. Está claramente se divertindo às minhas custas!

- Ajustes de última hora! Quiz tirar um sarro da sua cara! Hahahaha, pena que esqueci da câmera para tirar uma foto de sua cara agora!

Confesso que foi difícil segurar o soco no nariz dele. Consegui, mas foi muito difícil!

- Este trem... não é atômico?

- Última palavra em propulsão elétrica. Mas... fissão de urânio ou plutônio? Isto nunca me passou pela cabeça!

- Então... o que ele tem de tão novo?

Ele me conduziu até a beirada da plataforma. Claramente cambaleava, ainda estava meio de pileque...

- Olha aí, cara. Vê essas rodas?

Olhei atento. Olhei de novo, com mais cuidado. Seria ainda efeito do sonífero? Não, estava bem claro!

- John, que rodas?

- Eis aí a novidade, amigo!

De fato não existiam rodas! O comboio levitava sobre os trilhos!

Mas eu havia visto rodas! Inclusive, certamente eram as causadoras daquele "terremoto" no comboio gigante!

- São rodas retráteis, cara! Fiz questão delas para mostrar a diferença: antes da minha invenção, e depois dela! Não notou um silêncio inexplicável de uma hora para outra? Então: foi quando o comboio recolheu as rodas e passou a se mover por levitação magnética!

- Nada a ver com reações nucleares?

Senti que John estava a ponto de me socar.

- Nada atômico, caramba!!!!!

- Vem comigo pra casa, John! Tem bastante coisa que a gente precisa esclarecer!

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Ele se sentou na poltrona. Percebi estar ainda atordoado.

- Nossa, está mal! Bebeu pra caramba ontem, né?

- Levitação magnética auto-induzida... tem idéia do que é isso, seu matemático do caramba?

Fiquei um tempo aéreo. Deveria perceber que ele queria atenção, mas não percebi... Egoista, comecei a falar de mim!

- Errei, John!!! - - disse encostando-me à porta principal da casa. - O fim do mundo não aconteceu! Minha fórmula pode errar!

- Cara, eu já te sugeri isso antes!!! Será qui você não enxerga o que EU contruí, caramba???

Estava tão radiante com meu feliz fracasso que esqueci meu amigo! Tentei consertar...

- Sim, levitação magnética... Como você fez?

Seu peito começou a inflar.

- Qual a maior dificuldade dos trens de levitação, meu amigo? São os trens?

Pensei, pensei... não queria desapontá-lo! Naquele exato momento, todos os trens eram maravilhosos! O mundo não havia acabado!

- Já existem trens de levitação magnética a muito tempo. Desde o século passado!

- E a maior dificuldade é?... - ele estava radiante, esperando pela RESPOSTA! Eu só não imaginava qual seria...

- Ah não!!! Ah não!!! Será que só o proprio criador vê a utilidade de sua criação???

Me esforcei vendo sua cara de decepção. Arrisquei, a primeira palavra não tentada que me veio à cabeça: TRILHOS

- Esse é o cara!!! - ele pulou radiante... - um dos matemáticos mais físicos que já encontrei na vida!!! Isso aí cara! Matou a charada: o segredo está nos trilhos!!!

Era inevitável minha curiosidade ser instigada:

- O que há de novo John? Já existem uma infinidade de trens de levitação magnética pelo mundo!

- Com magnetismo repulsivo auto-induzido???

- O quê?

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Ele claramente estava de pileque! Meia garrafa de uísque não se processa em poucas horas!

- Eu praticamente não dormi, maluco!!! Peguei a moto e corri pra chegar a tempo da partida de meu trem!!!

Que risco!!! Pegou uma moto até a cidade vizinha? Acho que ele mal conseguia andar quando saiu de minha casa!!!

- Já estava tudo pronto a um tempo. A sacada do logotipo foi pra você mesmo!!! Pra me vingar de tanta desconfiança injusta...

- John, eu... - estava sem palavras.

Ele continuou. Tentando se equilibrar...

- Então... você errou!

- Sim! Estamos aqui, né? O mundo não acabou!

Ele escorregava na poltrona. Foi quando me lembrei: a caneca de água!!!

- John, um café bem forte vai lhe fazer muito bem! Espera aí...

Havia esquecido dele, mas corri até a cozinha para ver a quantas andava minha caneca de água fervente.

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Entrei e olhei o relógio de oparede: 7 horas e 4 minutos! Impossível? Nem fazia idéia de como tanta coisa acontecera (o trem não explodir, eu encontra John, levá-lo pra casa, verificar o café...) mas acontecera! E o mundo não havia acabado! Olhei furioso o termômetro de mercúirio na parede, mas... onde ele estava? Não mais pendurado, com certeza!!!!

De repente tudo ficou claro!!! As rodas do comboio chegando na estação, fazendo tudo à volta tremer, derrubara o termômetro de mercúrio pendurado na parede! Ele estava agora mergulhado na caneca de água borbulhante sobre o fogão!!! Ergui com cuidado o termômetro de mercúrio. O coloquei na parede na posição original. Meu notebook com lanterna usb improvisada ainda funcionava!!! Ela se acendeu neste exato momento, e meu programa tirou uma foto do termômetro. Neste exato momento, ele marcava exatamente 100 GRAUS CELSIUS!!! Surpresa? Nenhuma!!! Exatamente a temperatura de ebulição da água!!!

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Voltei com cara de tacho para John...

- Meu, minha fórmula acertou! De novo!

John, mesmo alterado, refletiu profundo:

- Como???

- Ela previu corretamente a temperatura!!!

John pensou. Pensou bastante!!!

- Ela errou, maluco! Nada foi elevado a 100 graus celsius!

- O termômetro foi...

- Foi o quê? - ele estava quase incapaz de perceber as nuances da idéia... Como explicar?

- John, minha fórmula prevê as sequências dos medidores!!! Entende isso? Eu não estava prevendo a temperatura ambiente, e sim a temperatura que aquele medidor específico estava marcando! São coisas diferentes!!!

Ele tentava digerir a idéia.

- Lembra daquele dado que pensei quebrar a sequência? Era natural ele mudar a previsão! A sequência ORIGINAL NÃO ERA DELE!!! Eu não estava prevendo a sequência de faces de qualquer dado, e sim a sequência DAQUELE DADO!!! ELE era o medidor do experimento! Fator importantíssimo no processo de medição e predição!!!!

John, radiante, nem me ouvia...

- Eu fiz, cara!!! Eu fiz!!!

- Fez o quê, John? - tentei provocar. - Trens de levitação existem em várias partes do mundo! O que o seu tem de diferente?

- Esses matemáticos não prestam atenção em nada mesmo... O que você viu de diferente nos trilhos, cara?

NADA!!! Nem precisei falar! Ele leu em meu rosto! Mais que isso: esperava tal resposta!!!

- Esta é a melhor parte!!! - explicava John com seu olhar de ébrio... - Não precisa mudar nada!!!

Percebi que ele quase chorava! Tentei lhe poupar o constrangimento, fazendo-o falar de detalhes mais técnicos...

- O que mais encarece as atuais vias de levitação magnética... - continuou John - é a necessidade de se construir linhas de campos anti-magnéticos empurrando os trens no sentido oposto. ISTO É CARO DEMAIS!!! Requer investimentos incomensuráveis, e de forma alguma são garantia de funcionamento integral!!!

Eu não era nenhum idiota, logo peguei sua idéia...

- Você criou uma linha férrea DE LEVITAÇÃO MAGNÉTICA QUE APROVEITA AS LINHAS JÁ CONSTRUÍDAS... ESTOU CERTO???

- É isso aí, mestre!! Só dependemos de sua aprovação!

- O próprio trem induz um magnetismo de polaridade oposta nos trilhos de ferro. Magnetismo auto-induzido... Idéia fantástica, meu amigo! Modernos tress de levitação percorrendo linhas de ferro já existentes! Fantástico!!!