A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO XIII
- Você é físico, John! Tentei algumas explicações para isto, mas você poderia me ajudar bastante com isto.
- Comecemos pelo começo: tem certeza que a previsão é infalível?
- Somando todas as predições que fiz até agora, contando com os primos, diria que tenho já alguns bilhões de acertos. É suficiente para você ?
- Como matemático deveria saber melhor do que eu que o fato de um bilhão de previsões estar correta não significa que a previsão um bilhão e um estará também. Você precisa de uma prova formal de que a previsão é sempre certeira.
- Certo. Diria então que existe uma chance infinesimalmente pequena dela estar errada. Suponhamos então que esteja certa. O que poderia causar esta temperatura no ambiente ao redor? Explosão atômica?
- Ah, quem se preocuparia em explodir uma cidadezinha do interior do Brasil?
- Cetto, mas... explica?
John pensou um pouco.
- As temperaturas em torno do ponto central de uma explosão atômica atingem facilmente várias vezes mais que estes 100 graus! Os infelizes próximos dela são carbonizados e imediatamente evaporados em frações de segundos!
- Você descarta então uma bomba atômica?
- Completamente!
Penso mais um pouco...
- Efeito estufa?
- Para aumentar assim a temperatura em questão de minutos? E voltar ao normal logo depois? Diria ser mais absurda ainda que a idéia da bomba!
- Precisamos apelar então para causas fora do planeta, ao que parece...
- Veja bem. Não sou astrofísico, mas posso até tentar ajudar um pouco, pois sou curioso no assunto.
- Certo. O sol poderia explodir?
- Fora de questão, meu caro! As teorias atuais indicam que o nosso sol não teria massa suficiente para explodir como supernova.
- E tem certeza que estas teorias... estão certas?
Xeque, meu amigo físico!
- Meu caro matemático, - começou, irônico - as atuais teorias explicam 99,9999% dos eventos cosmológicos observados. Eu diria que elas têm uma probabilidade incomensuravelmente grande de estarem corretas.
- Tudo bem. Existe então a possibilidade de uma supernova próxima de nós explodir daqui a algumas semanas?
O físico tenta puxar pela memória.
- Talvez a sétima estrela da constelação de Carina.
- A Eta-Carinae... Já ouvi falar!
- Vai espalhar uma radiação incrível quando explodir! Mas... não, não. - afasta a idéia - Ela não nos afetaria.
- Por que não?
- Está muito distante! A única chance seria parte da explosão assimétrica se dirigir em cheio no ponto em que estaremos da órbita naquele exato momento! Sabe a chance disto acontecer em tal distância? Pode descartar...
- Mas é possível, não é?
Longo silêncio. Enfim conclui, resoluto:
- Não. Mesmo na remota possibilidade de uma carga letal de raios gamas se dirigir exatamente para nós no momento em que a energia desta supernova atingir-nos na hora exata e no lugar exato, ela poderia destruir a camada de ozônio, talvez iniciasse uma nova Era Glacial... mas, definivamente, não seria capaz de elevar em minutos a temperatura ambiente de tal forma!
- Então, nos resta nosso próprio sol!
- Ele não vai explodir, mas se expandir numa gigante vermelha no fim de sua vida. Que acontecerá daqui a mais uns 4 ou 5 bilhões de anos.
- Insisto: e se existir uma falha na teoria, e se estamos avaliando errado a idade de nosso sol e ele estiver prestes a se tornar uma gigante vermelha?
- Não seria de uma hora para outra! Ele estaria anunciando sua morte durante algumas centenas de milhões de anos.
- E se seu primeiro aviso foi o que acabou com os dinossauros, hein? Ninguém ainda achou o tal "asteróide da morte", não é?
- Ah, não fale asneiras, seu matemático! Fique com seus números e suas fórmulas aí, ok ?
Bom, poderia estar falando asneiras mesmo. Resolvi me calar para não parecer muito burro em tais assuntos...
- Certo. Então me sugira outra explicação, John! Estou apavorado!
- Bom, só para você abandonar de vez esta idéia maluca: quando o sol se expandir numa gigante vermelha, é provável que possa ir além da órbita da Terra, ou seja, seremos engolidos por ele e a temperatura seria muito maior que 100 graus! E seria permanente! Não voltaria ao normal alguns minutos depois! E mesmo se não chegasse a engolir nosso planeta, a superfície do sol estaria tão próxima (além da órbita de vênus) que provavelmemte perderíamos a atmosfera e a temperatura seria várias vezes superior a esta. E, também, duraria mais que alguns minutos. E não subiria de uma hora para outra, mas ao longo de alguns séculos.
- Certo, já descartei esta idéia! Uma explosão solar simples então?
- Que você entende por "explosão simples"?
- Não da estrela toda, mas aqueles jatos quentes que ela esporadicamente expele.
- Que inclusive já aconteceu várias vezes, que cria um caos na comunicação, desorienta e desloca satélites orbitais... Certamente causam muitos prejuízos. Mas duvido que alguma seja letal a este ponto que você diz.
- Então?
John massageia a testa, visivelmente aborrecido.
- Ah cara! Volto ao início: você previu errado! Isto não vai acontecer!
- Mas...
Ele se levanta. Bons modos nunca foram seu forte mesmo, hehe!
- A gente pode falar disso depois? Preciso voltar pra casa para rever uns pontos daquele meu projeto. Ainda está de pé, né?
- Apesar de você não me dizer do que se trata... sim!
- Na hora certa, cara! Na hora certa... Vou te surpreender!
Sai de casa me deixando mais dúvidas ainda do que esclarecimentos.
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"Não consigo parar de pensar nisso! Preciso relaxar!"
John saíra fazia quase uma hora. Era quase meia-noite, e o sono não vinha! Ou melhor: eu estava morrendo de sono, mas a preocupação era ainda mais forte. Precisava urgente pensar em outra coisa...
Vou percorrendo minha coleção de vinis. Não muitos, mas todos eles selecionados a dedo! Black Sabbath? Deep Purple? Genesis? Apreciaria qualquer deles em outros momentos, mas não no atual. Continuei percorrendo os álbuns na sequência alfabética esperada por qualquer bom virginiano. Não que acreditasse muito nisso, mas... eu havia conseguido prever o caos, caramba! Poderia mesmo duvidar de qualquer outra coisa mais? Pink Floyd... Não, outra hora! Chego na parte do Raul Seixas. Gita? Excelente, por que não? Fazia tempo que não o ouvia!
Coloco no meu leitor laser de vinis. Ao contrário de John, não me agradava a idéia de colocar a raridade debaixo de uma agulha de diamante sintético... Quero fugir do padrão, e começo pelo lado B. Me deito no sofá e começo a ouvir os primeiros movimentos de "Sociedade Alternativa". Era do que precisava! Durmo rápido, e logo começo a sonhar...
Caminho numa planície deserta. Incapaz de reconhecer o lugar... Nossos sonhos são bem malucos mesmo, né? O sol está bem vermelho, mas... não é um sol nascente, nem poente! O Sol vermelho está a pino, e seu diâmetro parece bem maior que o normal! Não estranho o fato, e continuo caminhando naquela estranha planície com luzes de arrebol mas com as sombras curtas do meio-dia. O céu amarelo-abóbora era estranhíssimo, mas em sonho ele me parecia bem familiar.
Me deparo com a estação de trens ao longe. A velha e conhecida estação, mas estranhamente isolada! Nada ao redor, nem prédios, nem casas. Apenas uma linha de trem partindo e outra chegando, esticando-se sobre uma planície sem fim. Qual estava partindo e qual chegando? É só maneira de dizer! Depende obviamente de qual direção viria o comboio, do qual no momento não havia o menor sinal...
"Viva o novo Aeon!", ouço ao longe. Vejo então montanhas ao longe, dos dois lados. Leste-oeste? Como saber? Olho a sombra. Ela avança minimamente para frente, com o sol a pino. Deve então apontar ou norte ou sul, o que me leva a concluir que as montanhas estão no leste e no oeste. É normal ter este tipo de raciocínio durante um sonho? Bom, eu costumava tê-los com frequência! Às vezes até dou por mim sonhando! Alguém já passou por isto? Quando você descobre que está sonhando e, ainda assim, ao invés de acordar, continua sonhando? Passei por isso várias vezes, pesquisei, e descobri ser tão comuns que inclusive têm um nome: sonhos lúcidos!
Não era o caso! O que estou descrevendo são lembranças que resgatei posteriormente. No instante em que aconteciam tais coisas, eu estava num sonho legítimo. Quer dizer, eu não sabia que estava sonhando, e sim acreditava que vivia uma situação real. Por mais absurda que pudesse parecer...
Foi quando vi uma fumaça cinza surgindo por detrás de uma das serras. Leste ou oeste? Não soube dizer na hora. De meu sonho, só me lembro que vinha da direita! Estou agora a uns 50 metros da plataforma. Como cheguei tão rápido? Nem me pergunte: coisas dos sonhos! O sol vermelho está à minha frente, pouco acima do horizonte. Vermelho, mas já não me parece mais tão gigantesco! O comboio prateado fica bem visível à direita, percorrendo a linha férrea. Se aproxima cada vez mais da estação. Percebo então as pessoas, e o caos generalizado! Muitas fogem da plataforma! Outras se ajoelham! Quando o trem enfim chega na estação, as pessoas restantes ajoelhadas olham para cima, e apontam dizendo em uníssono: 'Ói, la vem Deus!! Deslizando no céu entre as brumas de mil megatons'. Um enorme cogumelo atômico surge no lugar da locomotiva...
Acordo num sobressalto e grito: "MEU DEUS, É O TREM ATÔMICO!!!! O MALUCO DO JOHN VAI CONSTRUIR MESMO O TREM ATÔMICO!!"