A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO V

Aquilo que tinha em mãos realmente era muito mais do que havia imaginado a princípio. Não era apenas um analisador de sequências pseudo-randômicas. Não era a fórmula de distribuição dos primos. Aquele algoritmo me permitia prever qualquer seqüência aleatória, bastando para isto fornecer uma amostra inicial suficiente para que um gerador randômico pudesse ser calculado! Realmente estava certo em desprezar a recém descoberta "Fórmula dos Primos". Que importância isto tinha? Era irrelevante face à descoberta principal, apenas um caso particular mostrando que funcionaria muito bem para situações bem mais gerais, para quaisquer seqüências aleatórias de números inteiros!

Mas ainda precisava de provas mais convincentes, os experimentos mecânicos com moedas, dados e cartas ainda não me pareciam randômicos o suficiente a ponto de conseguir convencer críticos mais exigentes. Qual era o experimento mais aleatório que podia imaginar? Logo me veio à mente o ruído dos estalos de um contador Geisel. Aqueles estalos de detecção de partículas radioativas colidindo com seu sensor era uma das coisas mais aleatórias que eu podia conceber no mundo. É praticamente impossível prever quando um dentre os vários mols de núcleos radioativos instáveis da amostra irá lançar uma partícula alfa ou beta numa direção totalmente imprevisível na tentativa de se tornar mais estável. Muito mais aleatório ainda é prever quando tal partícula conseguirá atingir o sensor de um contador Geisel, e com energia suficiente para que esta colisão seja apresentada como um estalo audível no auto-falante do equipamento. Se a fórmula gerada pelo algoritmo conseguisse prever com exatidão os instantes exatos de tais estalos sonoros, aí sim eu me convenceria de que um evento indiscutivelmente aleatório estava sendo previsto!

O contador Geisel eu possuía. Não era tão difícil assim obtê-lo. Mas me faltava uma fonte radioativa confiável para realizar o experimento. Só que isto não era problema: eu não a tinha, mas sabia muito bem quem poderia consegui-la para mim.

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Eu era graduando em Matemática quando conheci John Miguel. Ele cursava física Teórica, mas muitos eram nossos pontos de interesse em comum, e sobre eles discutíamos sempre que a corrida vida acadêmica nos presenteava com uma breve pausa.

John era fã incondicional da banda de hard metal "The Darkest Skull". Eu gostava de algumas músicas que eles haviam gravado, mas definitivamente não era meu estilo musical preferido. Mas mesmo assim tinha em meu poder o raríssimo "Grey Album", ainda em sua versão de vinil. John já o havia procurado por toda parte, sem sucesso. Ele sabia que eu o tinha. Poderia perfeitamente presentear um velho amigo com o álbum, mas estava esperando uma ocasião especial para poder usá-lo em alguma troca. Por favor, não me julguem mal por este ato! Só não queria oferecer de bandeja a ele este troféu tão desejado. Fui mais rápido, consegui um dos últimos exemplares conhecidos (apesar de nem gostar tanto da banda) e o guardei, na verdade nunca o ouvi. Só que agora sabia muito bem pelo que trocá-lo. A ocasião especial havia se apresentado!

- Cara, não dá!!! Não tem como eu sair com este material do laboratório!

- Não é nada demais – argumentei. – Apenas uns miligramas de urânio dentro de uma pequena caixa de chumbo, é bastante seguro! E indetectável!

John olhava para mim, depois para o "Grey Album" em minhas mãos... Eu era quase capaz de sentir pena do seu olhar aflito... mas não podia desistir agora!

- Impossível! Cada fração de miligrama que sai do laboratório é controlada!

- John, não estou pedindo plutônio, nem um isótopo de urânio de alto grau de pureza. Me basta o natural mesmo, daqueles que chegam praticamente brutos das minas. Não existe um controle tão rigoroso assim com material bruto, já que ninguém ainda sabe com que grau de impureza eles chegam ao depósito.

- Mas para que você quer isto, cara? Não serve uma amostra de rádio? Seria bem mais fácil.

- Para o que quero, o rádio não seria tão preciso...

Balanço discretamente o "Grey Album", ainda lacrado, na frente de John. Sim, isto foi muito cruel, praticamente um ato de sadismo. Pior ainda foi eu começar a cantarolar: "Locked in this cold womb; I see devil worms possesing my mind... looking at the mirror!! Mirror, Evil Mirror!!"

O olhar de John começa a me dar pena. Mas eu não podia recuar agora.

- Por favor, John! É o "Grey Album", dos "Darkest Skull"!!

John responde quase aos prantos:

- Vou ver o que posso fazer, cara... Não posso prometer nada.

Quando ele deixa minha casa, quase chego a me arrepender desta crueldade. Mas entendam, não havia outro jeito!