A FÓRMULA DO CAOS - CAPÍTULO I

O caos não existe. É apenas uma desculpa muito conveniente para justificar nossas falhas ao tentar fazer previsões de experimentos. Não consideramos todas as variáveis envolvidas na tentativa de antecipar algum evento, e é isto que nos leva a falhar. Ao tentar prever algo costumamos fazer simplificações, e isto é muito natural, na verdade um ato de humildade, um reconhecimento de que somos limitados e que nem sempre é possível que tenhamos ciência de todos os parâmetros de entrada a ponto de chegarmos a uma conclusão precisa sobre um experimento. Tentamos então, por nossa limitação, desconsiderar aqueles parâmetros que julgamos suficientemente irrelevantes a ponto de não serem capazes de interferir no resultado final de uma forma que seja observável. Mas este julgamento pode falhar! Na verdade, são tantos os exemplos históricos destas falhas que quase somos obrigados a admitir que aquele detalhe que desprezamos vai ser o mais importante para a conclusão. Uma das facetas da famosa Lei de Murphy: aquilo que ignoramos na hora de prever um evento é exatamente o que vai fazer toda a diferença, e nos fará errar a previsão.

"O bater de asas de uma borboleta cá acaba causando um tufão acolá". Muitos já devem ter ouvido alguma afirmação semelhante a esta, que costuma ser dada como introdução para a famosa Teoria do Caos. Talvez seja um pouco exagerada, mas exemplifica muito bem a situação que acabei de citar. Mas o que aconteceria se pudéssemos incluir o bater de asas da borboleta em nossa previsão? Bem, se tivéssemos levado isto em consideração, certamente também teríamos previsto o tufão! Pensando assim, não existiriam eventos caóticos. Uma experiência só pareceria caótica como um aviso de que esquecemos de levar em conta variáveis de entrada importantes para ele, por mais insignificantes que elas pudessem parecer a princípio.

Os números primos sempre me fascinaram, por ser um exemplo de sequência "caótica" gerada por uma regra de formação extremamente simples e previsível. Baseia-se na simples repartição de um grupo maior de "coisas" em grupos menores com quantidades idênticas delas. Por exemplo, posso dividir doze maçãs em duas porções de seis, três porções de quatro e quatro porções de três. Algum engraçadinho poderia argumentar que eu sempre posso dividir uma única maçã em quantos grupos eu quisesse, bastaria ter uma faca em mãos... Bom, vamos tentar evitar esses piadistas e ignorar o que são estas "coisas", e nos preocuparmos apenas com sua quantidade. Trataremos aqui de unidades de coisas que não podem ser divididas individualmente, estou discutindo aqui somente as quantidades inteiras, tudo bem ?

Bom, tomemos novamente o fio da meada, e passemos a denominar esta repartição de divisões. Existem duas divisões, que vamos chamar de óbvias, que podem ser efetuadas sobre qualquer quantidade imaginável: dividir por um (ou seja, não fazer nada) e dividir pela própria quantidade de coisas existentes no grupo, sendo que cada porção desta repartição será formada de uma única unidade. Todos os números admitem estas divisões óbvias, é fácil se convencer disto com poucos exemplos. Na verdade, é tão evidente que normalmente nos convencemos disto sem precisar de exemplo nenhum mesmo. Porém existem alguns números especiais que só admitem as divisões óbvias, e nenhuma outra mais: os Números Primos!

Vamos tentar enumerar estes números especiais. Comecemos pelo começo: o Um. Ele não se enquadra aqui, só dá para dividi-lo por ele mesmo! Por favor, segurem aquela piadinha da faca: digamos que não é uma maçã, e sim uma pedra de diamante de extrema dureza incapaz de ser repartida até mesmo pela mais afiada das espadas de samurai! Alguém pode argumentar que ele é divisível por um e por ele mesmo, portanto é primo. Só que este "ele mesmo" é o próprio Um. Vamos então melhorar nossa definição de primos para evitar este tipo de aborrecimento: primo é o número que só admite duas divisões distintas, que vamos continuar chamando de óbvias.

Vejamos agora o Dois: possui as divisões óbvias, por um e por dois, e mais nenhuma outra. Isto até que era de se esperar: o um é o primeiro inteiro, não se pode dividir um grupo por uma quantidade maior que a presente no grupo (dividir 5 em 10 grupos, por exemplo), e nenhum outro inteiro existe entre o um e o dois. Temos então o primeiro número primo de nossa sequência: 2.

E o Três? Tem as divisões óbvias, um e três. Que inteiro existe entre eles, que são possíveis divisores? Apenas o Dois. Consigo repartir três coisas igualmente em dois grupos? Não, então 3 também é primo.

O Quatro têm os divisores óbvios. Vamos pular esta verificação daqui em diante, já está claro que todos os números os têm. Entre um e quatro temos o dois e o três. Posso dividir quatro coisas em dois grupos iguais? Sim, dois grupos de dois elementos cada um. Poderia checar se dá para dividi-lo por três também, mas isto é desnecessário: o fato de possuir outra divisão além das óbvias já o caracteriza como não-primo.

Cinco não pode ser dividido nem por 2, nem por 3 nem por 4, então também é primo. Continuando com este raciocínio, obtemos a sequência de números seguinte: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31... Logo vamos nos perguntar qual é o padrão desta sequência. Bem, a princípio são todos ímpares, exceto o 2. Tirando os ímpares, só nos resta os números pares. Existiria algum outro número par primo, além do 2? Não, pela própria definição de número par: são pares aquelas quantidades que podem ser "pareadas", portanto além de 1 e ele mesmo eles podem pelo menos também ser divisíveis por 2. o que os descaracteriza como primos. O dois só escapa porque esta divisão por "ele mesmo" é a divisão por dois também. Não são divisões distintas, mas a mesma divisão. Lembram quando precisamos melhorar a definição por causa do Um? Para o Dois também vale, só que neste caso para incluí-lo entre os primos, e não o oposto.

Um impulso precipitado poderia nos levar a concluir que todos os ímpares são primos. Mas basta observar um buraco que existe logo no início de nossa sequência para abandonarmos esta "idéia brilhante": o 9 é ímpar, mas pode ser dividido em três grupos iguais de três elementos cada. Então, mesmo sendo ímpar, não é primo...

Que regra governa então esta sequência numérica? Matemáticos fizeram esta pergunta durante séculos. Mas qualquer tentativa de analisar esta sequência sempre levou à fatal conclusão: ela se comporta exatamente como qualquer outra sequência caótica comum, como se existisse um dado de infinitas faces lançado infinitas vezes, e cada face obtida classificasse então o número obtido como primo. Mas mesmo este dado infinito parece estranho: por que nunca cai numa face par, além do 2? Nunca num múltiplo de 3, exceto o 3. Nunca um múltiplo de 5, exceto o próprio 5? Sim, este dado gigante é bem estranho mesmo... Mas o fato é que não parece haver padrão nenhum na distribuição destes números, apesar da regra que os define ser bem clara e precisa: é primo o número que admite apenas as divisões óbvias, que é a divisão por um e por ele mesmo. Como pode tal definição gerar algo que nos parece caos?