CELSIUS
À tarde apesar de extremamente quente era ali entre uma sombra e outra das montanhas, ligeiramente agradável, mas o silêncio, aquele silencio era perturbador para Jeremy, que encostado no seu Alfa Big 2057, pela terceira vez levava a mão no bolso pegava o isqueiro e acendia um cigarro, que num canto de sua boca, dividia espaço com um e outro gole de cerveja...
O chapéu levemente caído para a esquerda escondia os olhos vermelhos de dias e dias na longa via sacra pelos bordéis que rodeavam o cânion.
Por certo dormiria um pouco na sombra daquele penhasco, pensou uma, duas vezes, e antes que pudesse abrir mais uma garrafa de cerveja, se viu deitado no assento, e o ultimo som que ouviu foi da garrafa caindo na lata suja do chão de seu carro, adormeceu profundamente...
Uma, duas, três horas se passaram, veio o crepúsculo, a noite caiu, depois a madrugada, e exatamente às onze horas do dia seguinte, os raios do sol, acordaram o solitário giramundo...
Esfregou os olhos, certificou-se de onde estava, apalpou a bolsa que carregava, destampou com a boca a ultima garrafa de cerveja quente, sorveu, e no gesto corriqueiro de por a mão no bolso da camisa para pegar o cigarro... O seu olfato limpo de tantas horas sem fumar, sentiu o cheiro de queimado...
Seus olhos esbugalharam, o choque que percorreu sua espinha o pôs de pé ao lado do carro... Ao longe não via nuvens, não era azul o céu, as cores revezavam-se na atmosfera como rajadas sobrenaturais vindas do inferno, pois o sufocante calor fez Jeremy, olhar em volta e correr para uma sombra aos pés de um penhasco...
Sentou-se, e para colocar seus sentidos no lugar, sorveu mais um gole da cerveja quente, e quando o bafo quente do vento trouxe novamente aquele cheiro ocre não teve mais dúvidas... Sentira aquilo há três anos quando capotou na 66, e viu sua namorada morrer carbonizada...Era inconfundível o cheiro de carne humana queimada, mas de onde viria aquilo...? O deserto ao redor era extenso, mas livre de obstáculos, que pudessem impedir de vir de qualquer direção aquele odor tenebroso e fatal.
Em conjecturas, esperou chegar à tarde, pois o vento vindo da cidade lhe colocava algumas dúvidas na cabeça... Quem sabe um incêndio gigantesco ou um assassinato em massa, não poderia arriscar uma incursão a luz do dia.
O crepúsculo vermelho a sua frente anunciava à hora de partir, as longas sombras entre os cânions, foram ficando para trás, e à medida que se aproximava da cidade, elevava-se o terreno a sua frente, e embora o sol se pondo, notou o calor aumentando, e o odor fétido, variando entre o de carne humana queimada e o de corpos em decomposição... Pela primeira vez sentiu medo, e o silencio, foi quebrado quando ouviu o ranger de algo se quebrando embaixo do carro, parou...
Não havia mais como continuar com o carro, desceu e começou a caminhar, olhos fixos na colina adiante, atrás dela já se podia ver a cidade. Ao aproximar-se, primeiro viu um clarão imenso, depois já com a visão panorâmica, não teve dúvidas, era um imenso incêndio, consumindo a cidade, dali até ela seriam 700 metros.
Jeremy enxugou o suor da testa, e logo adiante, na penumbra da noite avistou os primeiros corpos carbonizados, braços esticados como a pedir socorro, mas a quem?
O cenário repetia-se e repetia-se, e ele se perguntava como estas pessoas, caminharam até aqui? Estão longe da cidade.
Já era noite alta quando Jeremy, depois de percorrer a cidade todas entre as chamas se deu por vencido, naquele inferno não existia mais ninguém vivo, e apesar de ter observado antes a aurora boreal que se formara, naquele momento, sequer erguia os olhos do chão, procurando sinais de vida...
E neste cansaço psicológico e físico, Jeremy aquecido pelo fogo do incêndio, na madrugada fria adormeceu... Vencido, afinal.
Nos primeiros clarões da manhã, ele despertou, e a medida que recobrava a consciência da noite de sono profundo, ia vendo e revendo a tragédia, agora podia ver que pessoas estavam mortas nas estradas ao longe, outras pareciam ter tido a iniciativa de tentar escapar correndo e morreram...Queimadas...?
E a sombra causada pela fumaça não deixou Jeremy notar que as horas avançavam no dia, e que o sol, subia mais no horizonte, e quando o calor do incêndio foi o bastante insuportável para Jeremy permanecer ali, ele tentou voltar para onde estava seu carro... E só então ele entendeu porque aquelas pessoas haviam morrido tão longe da cidade... Naquele ano de 2057 as tempestades solares devastaram 2/3 da vida na terra.