Os Cavaleiros do Apocalipse

(Este conto foi publicado pela Andross Editora, licença Copyright, todos os direitos reservados. Você não pode copiar, distribuir, fazer obras derivadas ou uso comercial da obra sem a devida autorização do autor)

“(...) e caiu do céu sobre a terça parte dos rios, e sobre as fontes das águas uma grande estrela, ardendo como tocha. O nome da estrela é Absinto; e a terça parte das águas se tornou em absinto, e muitos dos homens morreram por causa dessas águas, porque se tornaram amargosas." (Apocalipse8:10-1)

O perigo veio do espaço. Na forma de uma esfera vermelha que não ultrapassava os dois metros de diâmetro, minúscula para os padrões espaciais. De um material estranho e desconhecido, parecia não ser dotada de peso. Entrou na atmosfera da Terra com leveza, como se mergulhasse preguiçosamente, desceu, segura, indetectável por qualquer sonda terrestre. Foi pousar na nascente do rio Solimões, no Peru. Quando sua superfície tocou a água do rio, começou a dissolver, tornando-se um líquido vermelho espesso que foi se diluindo conforme se expandia.

“(...) E houve saraiva e fogo de mistura com sangue, e foram atirados à terra. Foi, então, queimada a terça parte da terra, e das árvores, e também toda erva verde." (Apocalipse 8:7)

Em poucos dias tomaria conta de todo o Solimões, fazendo morrer todo o solo à sua volta, tornando-o completamente infértil. Em não mais que uma semana chegou ao encontro com o Rio Negro, na nascente do Amazonas e de lá continuou a seguir a correnteza avermelhando as águas por onde passava e matando a floresta do entorno.

Em um mês e já havia tomado toda a bacia amazônica, todos os seus afluentes e lençóis freáticos, subiu sob a forma de nuvens, precipitou-se como chuva, entrou no ciclo da água.

Pela primeira vez choveu uma chuva vermelha feito sangue que inundou outros rios e se infiltrou no solo, atingindo os lençóis freáticos e chegando à importantes reservas de água como o aquífero Guarani. Estranhamente este material parecia se reproduzir em água doce, quanto mais água tocava, mais se espalhava, tornando a água em um vermelho mórbido, que ao invés de regar e fertilizar o solo o destruía, infectando todos os seres vivos que dele necessitavam. Infiltrou-se nas cadeias alimentares, devastou a fauna e a flora.

Estranhamente apesar de chegar ao oceano através da foz dos rios e das chuvas o composto parecia não afetá-lo. Muitos foram os seres humanos que morreram infectados por aquela água, mas logo, quem pôde fugiu para países do Norte e Ásia onde a seca ainda não havia chegado. Em pouco tempo, um terço das águas do planeta já estavam contaminadas, mas os seres humanos aprenderam a detectar a existência do composto misterioso que ninguém sabia de onde havia vindo. Logo conseguiram perceber que as reservas de água da Europa, Ásia, algumas da África e outras da América do Norte ainda não haviam sido contaminadas.

Fome

"(...) E eu vi, e eis um cavalo preto; e o que estava sentado nele tinha uma balança na mão. E eu ouvi uma voz como que no meio das quatro criaturas viventes dizer: 'Um litro de trigo por um denário, e três litros de cevada por um denário; e não faças dano ao azeite de oliveira e ao vinho.'" (Apocalipse 6:5-6)

Ainda assim era muito pouca água utilizável para consumo e produção de alimentos e uma demanda maior do que nunca, com a seca se alastrando rapidamente e já tendo tomado toda a América Latina, isso provocou mudanças na temperatura do planeta e nas correntes de ar, agravando as catástrofes naturais ao redor de todo o mundo e diminuindo ainda mais o contingente de terra disponível para plantio. A população humana no planeta foi reduzida de sete a três bilhões. Um bilhão morreu pela intoxicação. Três bilhões morreram de sede e fome.

Era lastimável, por todo o globo pessoas voltando ao estado selvagem, destruindo tudo, saqueando todas as reservas, tentando comer pedaços de papel, lascas de madeira, terra, pastando como quadrúpedes e se matando para praticar canibalismo, irmão comendo irmão, pai comendo filho, filho comendo pai. A fome se alastrou e devastou a face do planeta, apenas os que tinham acesso às poucas reservas superprotegidas sobreviveriam aos próximos anos.

E então a esperança. Pesquisadores ricos de barriga cheia que assistiam a confusão nas reservas superseguras pareciam ter descoberto algo. O porquê do composto não ter chegado ao mar. O sal o destruía, parecia óbvio agora.

Por todo o mundo começou a se investir em programas de desalinização da água marinha que agora era comprovadamente segura. Em pouco tempo, mais da metade da costa do continente euro-afro-asiático estava repleto de coletores de água marinha.

Foi feito um esforço mundial de todos os governos em crise dos países assolados em conjunto para salgar toda a bacia amazônica, com isso, mesmo que as terras permanecessem pouco férteis devido à grande quantidade de sal se livrariam do composto estranho, tornando-se novamente propensas à agricultura. Trilhões e trilhões do já sem valor dólar foram gastos num último esforço. A catástrofe foi amenizada a um nível em que ao menos haveria uma reserva segura para os próximos 20 anos, que atenderia a um quinto da já tão reduzida população global.

Pesquisas em massa foram feitas em engenharia genética, possibilitando a criação de plantas de valor nutritivo mais alto, mais resistentes à alta salinidade do solo, e em técnicas de cultivo de alta tecnologia que possibilitavam a máxima colheita com o menor gasto de água possível. Se investiu em soluções para as mais diversas catástrofes naturais, o salgamento da bacia amazônica e o uso de mais terras para plantio ajudou também a diminuir essas catástrofes e em certos lugares do planeta foram criadas câmaras subterrâneas resistentes a qualquer catástrofe.

O mundo se dividia em suas classes de pessoas: os famintos que se matavam para saciar seus desejos mais primitivos e os menos famintos que detinham o acesso às reservar e pesquisavam formas de ampliá-las. Logo todos os famintos se extinguiram, a taxa de mortalidade se igualou à de natalidade quando a espécie humana atingiu cerca de 500 milhões de habitantes. Pelo tanto que haviam passado, mesmo que isto fosse um exagero, se poderia dizer que a espécie havia sobrevivido e se adaptado ao novo hábitat.

A espécie humana agora dependia do mar e da água que ele oferecia.

Peste

"(...) E uma como que grande montanha ardendo em chamas foi atirada ao mar, cuja terça parte se tornou em sangue e morreu a terça parte da criação que tinha vida, existente no mar, e foi destruída a terça parte das embarcações." (Apocalipse 8:8-9)

Uma segunda esfera desceu dos céus e se precipitou sobre os mares, tingindo as águas de vermelho. O composto dessa segunda esfera parecia ser indiferente ao sal, se reproduzindo mesmo em águas marinhas, em pouco tempo, se infiltrou em todos os sistemas de filtragem humana, ao passar por eles, a água perdia a cor avermelhada, aparentando estar pura para consumo.

"(...) Olhei, e eis um cavalo branco; e o que estava montado nele tinha um arco; e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vencendo, e para vencer.” (Apocalipse 6:2)

Muitos beberam desta água, ao que parecia a filtragem da água salina minimizava os efeitos do composto que ao invés de matar ao primeiro gole, fazia as pessoas terem toda sorte de sintomas conhecidos, náuseas e diarréia severa e sua pele queimava de febre, atingindo 50º celsius. Não duravam mais que uma noite, mas a morte era lenta e dolorosa, pior que todas as dores já experimentadas, pior até que a morte pela fome.

Guerra

"(...) E saiu outro cavalo, um cavalo cor de fogo; e ao que estava montado nele foi dado que tirasse a paz da terra, de modo que os homens se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada."(Apocalipse 6:4)

Então de repente todos que sobraram se viram sem poder contar mais com a água salina e lutaram pelas últimas reservas de água doce que havia sobrado do primeiro evento. O confronto eclodiu nas últimas cidades do mundo, a população humana no começo da guerra era de apenas alguns milhões, em apenas 10 anos, decaiu para 500 mil.

Morte

"(...) E olhei, e eis um cavalo descorado, e o que estava montado nele chamava-se Morte; e o hades seguia com ele; e foi-lhe dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matar com a espada, e com a fome, e com a peste, e com as feras da terra." (Apocalipse 6:8)

E foi quando a última gota de água de esgotou, a última reserva de alimento foi consumida e o último assassinato humano cometido. O crepúsculo chegou para todo o planeta, o fim havia se firmado, conforme o profetizado. O que viria a seguir eram apenas trevas.

Gabriel Valeriolete
Enviado por Gabriel Valeriolete em 26/02/2012
Reeditado em 31/05/2017
Código do texto: T3521638
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.