Jovens Selenitas - Parte 4

As crianças (podemos chamá-las assim, apesar delas não gostarem nem um pouco do tratamento) aguardavam ansiosas a chegada do Sol. Na verdade, ele acabara de subir a linha do horizonte lunar. Mas eles estavam no fundo de um vale, e não existia ao redor atmosfera alguma capaz de dispersar esta luz recebida pelo satélite. Até o Sol finalmente cruzar no céu aquela beirada de vale acima de suas cabeças, eles continuariam no breu absoluto. O dia lunar não era composto de um céu azul-anil coroado por um brilhante sol amarelado, e sim de um céu negro pontinhado de estrelas, com um enorme disco branco, tendendo ao amarelo, muito mais intenso que elas mostrando quem mandava naquele pedaço de cosmos.

A vital película de ozônio em torno doa cúpula ficava cada vez mais concentrada. Felizmente ela se concentrava em torno da cúpula do habitat, pois misturada à atmosfera interior seria extremamente venenosa! Marta adormecia numa pequena barraca fora do módulo lunar. Nas primeiras picadas, achou estar sonhando. Mas depois ficou clara sua origem:

- Caramba!! Essas muriçocas estão me comendo viva!!

Tirou um spray de inseticida de dentro de sua mochila, mas foi impedida pelo capitão antes de pressionar o dispositivo.

- Êpa! Está doida? Quer destruir dias de trabalho em segundos ?

Ela solta ao chão a lata de spray. Marcos a pega.

- Como pensei: CFC!!! Onde você comprou isso? Tem gente que não aprende nunca mesmo, hein!!!

A garota se estapeava como se estivesse possuída.

- Ah, mas alguém dê um jeito nisso aqui! Por favor!

Hora de mais uma convocação geral! Muriçocas lunares? Alguém devia uma explicação muito boa!

- Pessoal, a Marta aqui veio me reclamar de estar sendo atacada por muriçocas. A tempo a impedi de lançar na nossa microatmosfera alguns metros cúbicos de CFC que destruiriam a película de ozônio que estamos acumulando a dias! A pergunta é simples e direta: QUEM TROUXE AS MURIÇOCAS ?

Devagar, e torcendo para não ser percebido (mesmo sabendo ser impossível), Carlos ergue o dedo indicador.

- Capitão! Peço permissão para esganar o cabeçudo!!! - berra Pedro.

- Ninguém esgana ninguém aqui, OK? Carlos, se explique!

Ele engoliu em seco.

- Devo ter fechado mal. Quando vi, a lata estava aberta... Trouxe umas formigas também...

- Ah não!!! Deixa eu dar só um soquinho nele, capitão! Por favor!!! - Pedrinho estava quase incontrolável.

- Se segure aí! Ninguém agride ninguém aqui dentro! Carlos, as formigas também fugiram?

- Não, capitão! Elas estão bem presas no terrário.

- E por que fez isso sem nos avisar?

- Foi um acidente! Abriu sem querer! Lógico que eu consultaria todos antes de começar a experiência!

- E a experiência era... ?

- ...testar como algumas espécies da Terra se adaptariam num ambiente lunar.

- Imperdoável, Carlos! Deveríamos saber a priori.

Marta tenta ser mais prática.

- E como vamos nos livrar delas, hein! Não sei de vocês, mas elas estão me comendo!! Devem gostar mais do meu sangue do que do de vocês...

- Uma fogueira sempre ajuda... - propôe Carlos.

- Ah, que idéia de gênio! - ironiza Pedro. - Quantos metros cúbicos de oxigênio você acha que temos aqui dentro pra gastar queimando lenha? Mais ainda: você está vendo alguma lenha crescendo aqui em volta, cabeçudo??

Acha que isto é um acampamento de escoteiros? ALÔ!!! Terra chamando!!! Você está na Lua!!! Na Lua, entendeu??

- Feromônios! - lembrou-se Aninha. - Temos um sintetizador de hormônios de insetos aqui, né? Só precisamos descobrir de que espécie são estas muriçocas, e configurar o equipamento. Podemos colocar o sintetizador na beira do laguinho de magma, e fazer uma armadilha para elas!

- Temos algum biólogo aqui? - perguntou o capitão.

Silêncio geral. De repente surge Marta com suas idéias brilhantes.

- Agora que conectamos um dos transcomunicadores, podemos tentar acessar a Super-Nuvem Computacional da Terra, não é? É uma consulta simples, o delay não vai atrapalhar muito.

- Certo... Então tratem logo de apanhar uma destas muriçocas para colocarmos no bio-scanner!!!

Marta dá um sonoro tapa na própria coxa.

- Tá aqui, Capitão! Espero não ter danificado demais o espécime...

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A resposta veio. Lenta como o esperado, dado o enorme delay existente para que uma onda eletromagnética pudesse fazer, a 300 mil quilômetros por segundo, a viagem da lua à terra, e vice-versa. Mas conseguiram uma definição exata da espécie escaneada, podiam preparar sua armadilha de feromônios.

Poucos minutos depois, quando já estava quase pronta a armadilha, o transcomunicador tocou:

- Marta? Filhinha?

- Oi mãe! Que bom ouvir tua voz de novo...

- Marta, é... como vou te contar isso?

- Fala logo, mãe!

- Então... Uns caras da NASA bateram hoje aqui na porta de casa! Parece que houve um acesso não autorizado através de um satélite secreto, rastrearam o IP alfanumérico do transcomunicador, e chegaram no seu número, com endereço cadastrado aqui em casa. O que você e seus amigos andam aprontando, filha?

Ela ouve um murmúrio, pessoas aparentemente discutindo em inglês.

"Pedir ela liberar rastredor de roter, Senhora." - ouve-se claramente ao fundo. - "Para nós avaliar delay real."

- Martinha, você ouviu?

- Quem está aí, mãe?

- Uns caras da NASA. Filha, você sabe fazer isso que estão pedindo?

Carlos toma o transcomunuicador das mãos de Marta.

- Deixa comigo, eu sei o que eles querem! Uma prova de que estamos onde afirmamos estar!

Carlos encosta o transcomunicador em seu ouvido.

- Oi, Dona Lia!

- Carlinhos? Você também está metido nessa bagunça? Sua mãe está preocupadíssima!!!

- Dona Lia, diz pra esses caras da NASA que sei o que eles querem, e já estou configurando o aparelho!

Carlos insere códigos incompreensíveis no transcomunicador. Passam-se cerca de 2 ou 3 minutos de silêncio mortal...

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O técnico da NASA não podia acreditar nas informações que piscavam em seu visor! Não bastasse a recente humilhação dos poderosos Estados Unidos da América serem obrigados a aceitar a condição de simples estados da grande Republica Latino-Brasileira das Três Américas, agora precisavam engolir que cinco adolescentes brasileiros haviam conseguido, com o valor ganho com suas próprias mesadas, feito que a quase uns duzentos anos eles gastavam sempre algumas centenas de milhões de dólares por viagem. A NASA, último orgulho da antiga potência norte-americana, acavava de ser pisoteada por simples adolescentes brasileiros! Mas não dava para questionar os números.

- Senhora, delay de transmissão ser claro: eles estar onde afirmam estar!

- Na Lua?

- Eles são mesmo muito... - o técnico, não muito familiarizado com o português, arrisca: - ... sabões!

Sabões, sabões... o que ele queria dizer com isso? Outro técnico, a mais tempo no Brasil, tenta consertar!

- Não ser SABÕES, seu burro!!! Ser SABUDOS!!!

- SABUDOS??? - o pai de Marta intervém. - Acho que vocês querem dizer SABIDOS, né? Ou espertos, inteligentes...

- Isto mesmo, senhor! "Inteligentes", isto eu querer dizer...

O pai ainda estava incrédulo.

- Me provem! Como vocês podem afirmar isto?

- Senhor, todo pacote de mensagem receber um contador de tempo, um indicador de quando ele ser transmitido! O normal ser delay de transmissão irrisório perto de delay de roteamento. Isto ser um algoritmo processado, mais lento que o tempo de passar sinal de um roteador para outro numa linha de fibra ótica. Mas quando pacote sair da terra... leva tempo para pacote chegar em retransmissor da Lua. O contador não muda na transmissão! Daí sabemos com certeza atrazo ser mesmo de transmissão! Demora mesmo um segundo e pouco para pacote chegar até transcomunicador de sua filha, mais o mesmo tempo para voltar. Ela estar mesmo a 380 mil quilômetros daqui! Único corpo sólido que estar nessa distãncia ser... a Lua!

Lia, a mãe de Marta, desmaia no sofá da sala...

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- São os gringos mesmo que estão do outro lado da linha??

- Controle-se, Pedro! Eles estão tentando ajudar!

- Ah capitão!!! Deixa eu falar com eles, por favor!! Rapidinho!!

- Que você vai falar com eles?

- Nada demais... Só queria gritar: "Chupa gringo!!!"

Marcos era o líder, cabeça mais racional da turma. Lógico que ele não permitiria isso...

- Tudo que realmente NÃO PRECISAMOS agora é criar um incidente diplomático...

Carlos tomou a palavra.

- Então... eles pingaram nosso transcomunicador...

- Ahãn!!! MEU transcomunicador! - corrigiu Marta.

- Certo. Pingaram o transcomunicador da Marta, e viram que o delay obtido era mesmo o tempo necessário para as ondas eletromagnéticas percorrerem a distância Terra-Lua. Eles têm agora uma prova de que realmente estamos aqui.

- E agora?

- Bom, agora esperem para ficar famosos! Para serem adicionados por todo mundo no EarthBook!

- É sério?

- Pode apostar! Já vejo a notícia em todas as redes sociais: "Jovens Brasileiros burlam a FAB(Força Aeroespacial Brasileira) e pousam na Lua." Vamos ficar famosos! Se é que já não estamos...

- E virão nos buscar?

Marcos pensou.

- Isso deve demorar um pouco. Estamos milhares de quilômetros longe de qualquer colônia lunar...

- E até lá?

- Continuamos com nossos planos originais. Temos provisões e energia nuclear suficiente para meses! Além disso, o rio de magma que escavamos vai nos fornecer energia de graça por bastante tempo!

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Ana foi a primeira a extravasar uma queixa que todos já queriam fazer, inclusive o capitão.

- Argh!!!! Não aguento mais comer estas barrinhas de proteína aromatizada!!! Ninguém aqui trouxe comida de verdade não???

Ela perguntou já sabendo da resposta. Comida "de verdade", que ela reclamava, era comida naturalmente hidratada. E água é pesada demais! Para sobreviver tanto tempo naquele ambiente inóspito, precisavam abrir mão deste "luxo". A prncípio um argumento totalmente racional, na prática ele não parecia mais tão bom assim...

- Veja o lado bom! - provocou Carlos, sempre querendo criar polêmica. - Você já está com uma cinturinha de violão, Aninha!

- Ah, cala a boca! - e joga um tablete de proteínas na testa do garoto.

- Não dá para plantar nada aqui?

- Ô se dá!!! Temos uma poeira lunar riquíssima aqui, né? Cheio de sílica, irradiada a milhões de anos com ultravioleta solar e raios cósmicos, com zero porcento de umidade... Hehe, aqui se plantando tudo dá!!!

Ana estava furiosa.

- E porque você não teve a brilhante idéia de trazer minhocas também, grande gênio? Para trabalhar a poeira, produzir humus... Não! Trouxe muriçocas e formigas! Brilhante!!!

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Lia estava quase em colapso! Os técnicos da NASA não saiam mais de sua casa.

- Se a Senhora convercer eles a contar como chegar lá...

- Ai ai ai... minha filhinha inocente, na Lua!!! Com todos aqueles marcianos tarados querendo atacá-la!

- Senhora, não existir marcianos na Lua!!! Ficar tranquila! Eles não existir nem mesmo em Marte!!!

Ela não sabia o que pensar! Na verdade, ela nunca tinha se interessado muito por astronomia na escola! Quando ainda criança soube da notícia das primeiras bases lunares permanentes sendo contruídas, mas tudo o que se passava em sua cabeça era de que eram colônias humanas construídas num lugar extremamente inóspito e inatingível, algo parecido com as cúpulas abissais oceânicas! Nunca lhe passou pela cabeça a existência de vácuo cósmico separando estas distâncias. Ela nem tinha uma idéia clara do que seria "vácuo"! Na verdade, Lia nem mesmo sabia ao certo o que fazia a tal de NASA, cujos representantes de repente apareceram na porta de sua casa. Para ela, não passavam de funcionários zangados da companhia de transtelefonia.

- Espero que não tenham machucado ninguém.

- Não, senhora! Eles são mesmo SABIDOS demais! - o gringo estava radiante em poder usar a palavra recém-aprendida! - Lançaram de um ponto inabitado do Saara, um dos menos monitorados pelos satélites mundiais! E mais ainda, lançaram no momento certo! Sem satélites importantes sobre o local naquela hora! Muito SABIDOS esses meninos...

- Êpa!!! MENINAS também!! Esqueceu da minha filha??? E da amiga dela ??? - o orgulhoso pai da Aninha, também presente, interviu já incapaz de se segurar e expressar a adimiração pelo grande feito!

De fato a conquista espacial caminhava há décadas com passos de lesma. Não por falta de tecnologia. Mas por segurança excessiva!!! O risco envolvido tinha sempre que ser de zero porcento! Meia dúzia de bases lunares existiam agora em pleno século XXII, e só agora um protótipo robótico estava a caminho de Marte para fundar as bases de uma remota colônia Marciana prevista para daqui a 4, ou talvez a 5 décadas... Sim, tudo corria lento demais! Os 5 adolescentes não tiveram paciência para esperar... eles simplesmente FORAM!!!

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- Gostaria de falar com o resposável pela missão! - falou um coordenador geral da NASA, claramente bem mais familiarizado com o português do que seus dois técnicos subordinados.

Um segundo e poucos depois, todos olharam para Marcos.

- Aí, capitão! É com você mesmo!

Ele levou o transcomunicador ao ouvido. Nunca antes havia se sentido tão importante!

- Capitão Marcos falando!

- Capitão de onde?

- Capitão da Força Juvenil Brasileira de Exploração do Cosmos... - Marcos diz, orgulhoso.

- Certo, Capitão Marcos. - o coordenador acha melhor não questionar a patente. - Devem saber que já são mundialmente famosos, não é?

- Sim, recebemos as informações diariamente.

- Através de nosso satélite hackeado... Bom, mas isto não vem ao caso. Estamos dispostos a perdoar este ato ilegal, se vocês...

Pedro, sem que o capitão perceba, toma seu transcomunicador.

- Escuta aqui, gringo! Só temos que responder ao que decidir o Tribunal de Justiça Brasileiro. Vocês não apitam mais nada aqui...

Marcos retomou rápido o transcomunicador, tentando consertar.

- Como devo te chamar?

- Jason! Simon Jason!

- Certo, Sr. Jason! Ignore este comentário do meu... recruta! Ele está um pouco alterado!

- OK, capitão Marcos! Ignorado! Diga-nos então o que queremos saber, para nós resgatarmos vocês: de onde partiram? Quais as coordenadas exatas ?

Marcos pensou um pouco.

- Vocês sabem EXATAMENTE onde estamos?

- Só sabemos que estão no lado escuro da Lua. Nada mais.

- Ótimo! - e desliga o transcomunicador.

A tripulação olha para ele atônita.

- Por que você fez isso ?

- Eles não sabem onde estamos. Isso é uma vantagem nossa ainda! Não podemos desperdiçar!

* CONTINUA *