Jovens Selenitas - Parte 3

Enquanto os garotos cavavam arduamente um canal até o riacho incandescente há dezenas de metros à frente, as meninas, deitadas em toalhas estendidas sobre a poeira lunar, tomavam banho de estrelas. Na verdade, banho da luz proveniente dos fortes holofotes usados para iluminar o trabalho: sem eles, estariam todos no breu absoluto da noite lunar. Uma fraca luz alaranjada proveniente do distante riacho seria o máximo que conseguiriam.

No final daquele vale profundo, apenas parte do céu era visível. Mas a nitidez das conhecidas estrelas que chegavam por ele era notável. Afinal, meros 50 metros de camada atmosférica proporciavam pouquíssima distorção, uma visão nítida a olho nu nunca antes sonhada por qualquer ser humano.

- Mal posso esperar para ver nosso planeta azul passando por aí!

- Hehehe. - Marcos achou graça do absurdo dito por Marta. - Acho que vai esperar bastante!

- Por quê? Não faltam só uns 4 dias para a lua entrar na fase do quarto minguante ?

- Não te ocorreu que pousamos no lado escuro da lua? Sabe o que isso significa?

- Que aqui é sempre noite ?

Ninguém conseguiu segurar as gargalhadas. Com certeza ela havia cabulado as aulas de astronomia ensinadas no primário!

- Você já deve ter percebido que a cara da lua para nós, na terra, é sempre a mesma, né?

- Lógico que sim! Todo mundo sabe disso!

- Isso quer dizer que existe uma outra metade, que nunca se vira para a Terra.

Um lampejo de raciocínio explodiu na cabeça de Marta. Agora que tudo se tornou claro, ela não conseguia se perdoar de ter feito um comentário tão burro como aquele.

- E é nesta metade que estamos agora, não é?

- Exatamente, Marta!

Normalmente branca ao extremo, Marta ficou cor-de-rosa de vergonha... "É isso que dá falar sem pensar!"

- Mas vai se tornar dia, não é? Em umas 56 horas...

- Como estamos no fundo deste vale, expostos a uma faixa estreita de céu, temos alguns dias a mais de vantagem! Mar precisamos trabalhar rápido na proteção contra o ultravioleta! Precisamos aquecer a atmosfera para ativar logo o conversor de ozônio, que vai criar uma película de proteção em torno das paredes da nossa cúpula atmosférica. Por isso mesmo... vamos deixar de conversa mole e cavar! Já perdemos tempo demais!

--------------------------------------------------------------

Os 30 centímetros finais foram os mais tensos. Como terminar de percorrer aquela fina parede, sem correr o risco de ser queimado pelo magma inscandescente do outro lado? Não precisaram pensar muito na resposta: quando a frágil parede que separava o canal escavado do natural apresentou os primeiros sinais de rachadura, foi pernas para que te quero...

O material fluido começou, em câmera lenta, a ocupar o longo canal escavado pelos garotos até sua cápsula lunar. O esforço fôra recompensado!

- Ah! É questão de tempo, moçada! - animou o capitão Marcos.

O riacho avançava como lesma. Uma lesma de fogo, incrívelmente quente!

-Ah, já posso até tirar este casaquinho! - disse Ana.

Os meninos, aquecidos pelo árduo trabalho, já haviam feito isto há tempos!

- Ótimo! Não vamos mais congelar por erro do cabeção! - Carlos cutucava Pedrinho.

O capitão Marcos advertiu com o olhar, e ele parou.

Próximos à entrada do módulo, Marta e Ana se dirigiram rápidas à ela, avisando logo:

- Rapazes, conversa de menina!! Nem ousem entrarem aqui por enquanto!

Entraram no módulo lunar e lacraram por dentro. Os rapazes, curiosíssimos mas incapazes de fazer qualquer coisa, se concentraram no conversor de ozônio, que poderiam ativar logo que a temperatura atingisse patamares aceitáveis.

--------------------------------------------------------------------

- Então, Ma... - Ana se queixava, hermeticamente isolada dentro da cápsula lunar com a amiga. - Percebeu as provocações? O Carlinhos está morrendo de ciúmes! O que eu faço? Será que ele ainda não se tocou que não é a minha?

Marta baixou os olhos.

- Ah, garoto burro!!

- Você gosta dele, né?

O olhar de Marta respondia tudo. Qualquer resposta seria redundante.

- Por que não fala com ele?

- Ah Ana! Tenho medo!

- Quem sabe assim ele desencana de mim, né?

- Ah, não sei! É difícil!

Ana pensou alguns segundos. Enfim, concluiu:

- É o Marcos, né? Você está indecisa...

- Nada a ver! Viajou!!!

- Vi muito bem aquele beijão que ele te deu!

- Viu demais! Foi beijo de amigo! Acho até que ele já tem namorada...

- Acha? Só acha? Tem certeza?

- Óbvio que sim! Um menino bonito daquele... Ah, é só o que faltava! Aquele deus grego interessado nesse tribufu aqui...

Ana percebeu que aquilo não levaria a nada. Era conversa inútil. Voltou então a um problema que era também dela:

- E o Carlinhos? Que acha dele?

Marta vacilou. Fazia bastante tempo que lançava olhares para o garoto, sem nunca ser correspondida. O garoto parecia obcecado pela sua amiga Ana!

- Tá brincando, né? Ele nem olha pra mim!

- Não perguntei dele! Perguntei de VOCÊ!! Que acha dele?

Marta precisou pensar. Nem ela sabia direito!

- Quer que eu ajude? Que fale com ele? - na verdade, mais do que estar sendo autruísta, Ana pensava mesmo era em acabar com um problema dela própria, tirar o menino do seu pé!

- Não, eu mesma... Ah, quando sentir que é a hora, eu falo!

Um temporário silêncio permaneceu um tempo dentro do módulo.

- E o Pedro? - cutucou Marta. - Gosta mesmo de você, ou só está provocando o amigo?

- Ah, gosta sim! Estamos nos entendendo bem!

- Sei...

- Sabe o quê???

Marta pensou numa forma de dizer aquilo sem ferir a amiga...

- E se... sei lá, Aninha!. E se o Pedrinho só está com você para provocar o amigo? Uma disputa infantil entre os rapazes?

- Está brincando, é? O Pedro nunca faria isso...

Ana pensou um pouco...

- Você está é com medo de falar com o Carlos. Se abre logo, garota!!!

----------------------------------------------------------------

O cheiro característico do ozônio já impregnava o ár quando as garotas apareceram de dentro do módulo. Felizmente o gás se dispersava rápido, se agrupando numa película concentrada em torno da cápsula proporcionada pelo campo gravitacional artificial. Do contrário, seria extremamente tóxico!

- Está funcionando! Em poucas horas teremos uma considerável película de ozônio à nossa volta, nos protegendo da pior parte do espectro solar!

- Que vocês estavam conversando lá dentro, hein? - quis saber Pedro.

Ana dá uma cotovelada em Marta, e murmura: - Fala agora!!!

Marta pensa, olha para Carlinhos... Toma coragem!

- Carlinhos?

O garoto fica surpreso.

- Sim Marta?

- Vamos...

Um clima estranho fica no ar. Não! Era injusto ser forçada a uma decisão tão importante de forma tão abrupta!

- Vamos tomar um sorvete?

Era incontrolável! Todos começam a rir da sugestão absurda!!

-----------------------------------------------------------

Carlos estava bobo. Ele sempre achou Marta uma garota linda! Tão linda que nunca passou pela sua cabeça que ela quisesse alguma coisa com ele. Mas que conversa doida de "sorvete" era aquela? Até parou de pensar na disputa infantil dele e Pedro com a Aninha.

- Ô Carlos! Tá viajando??? - Marcos precisou intervir. - Trás logo esse conversor de ozônio aqui!

Marcos não era capitão daquela tripulação à toa! Fazia tempo que ele percebia tudo, as trocas de olhares, Carlos morrendo de ciúmes de Pedro, Ana fugindo de Carlos, Marta insistindo desesperada para chamar a atenção do garoto... Isto tudo era o esperado de um bom capítão! Até mesmo as insinuações da Marta ele percebeu. Quase chegou a comentar isto com sua namorada, mas concluiu que isto só causaria ciúmes desnecessários. Até mesmo aquele beijão que deu em Marta foi pensado, uma maneira de fazer o Calinhos se ligar logo e desencadar da Ana. Parece que não tinha funcionado muito bem...

- Larga isso, Carlos! Não está vendo a Martinha embananada lá com o computador? Vai dar uma mão para ela, que eu e o Pedro resolvemos aqui esse pepino!

Carlos se afastou. Olhou para Aninha, meio indeciso ainda, como que pedindo permissão de alguma forma... Não obteve retorno algum... Como ele se sentia infeliz! Por que a garota não gostava dele? Enfim, decidiu: "Ah é!!! Você vai ver então!!!" E apertou os passos em direção à Marta, atrapalhada com os inúmeros tablets de controle do módulo lunar.

-----------------------------------------------------------------------

- Esse ozônio todo... - quis saber Pedro. - Não vai impregnar nossa microatmosfera ?

- Relaxa! Ele vai fugir, se agrupar numa pelicula inclusive fora do campo gravitacional do gerador! Só vai envolver a cápsula, na fraca gravidade lunar, por tensão superficial!

- E será suficiente para nos proteger do sol ?

- Estará concentrada! Espero que sim...

- Espera???

Como capitão, Marcos notou que o vacilo foi imperdoável. Tentou corrigir.

- Simulei o micro-habitat várias vezes! Estou certo de que vai funcionar...

--------------------------------------------------------------------

- Carlinhos, quero falar com minha mãe! Cadê o satélite?

- Calma! Vamos sintonizá-lo!!!

Carlos tentava configurar o transcomunicador de Marta. Várias vezes cruzou com o olhar terno da garota. Caramba, como nunca havia percebido? Estaria tão obcecado assim pela Aninha, que agora (isto só agora estava claro) parecia tê-lo ignorado o tempo todo? E de repente, do mais nem menos, aquela garota escultural parecia estar lhe dando bola, sem mais nem menos? Sim, ele estava bem confuso mesmo! Na verdade, apavorado! Era areia demais pro seu caminhãozinho...

- Então, deve ser... - ele pressionava os ícones do transcomunicador de Marta, - Ah, não acredito!! "98765"??? Esta é a grande senha? Hehe, aí está, Marta!!! Comunicação gratuita para a Terra, e para qualquer outro futuro lugar do universo que você quiser. É só escolher, hehehe!!

Marta teclou o código alfanumérico de sua casa. Ouviu:

- Marta?? Filhinha, é você!!! Onde está??? Quer nos matar!! - sua mãe era sempre dramática assim!

- Na lua...

Após cerca de 2 segundos e poucos de delay (1 e pouco para ir, mais um e pouco para voltar), ouve a resposta:

- QUÊ!!!!!

Ouve um murmúrio, a mãe conversando com o pai.

- Filha, a gente sabe que você pegou o transorbital com seus amigos. Isso não é segredo! Diz onde no Saara que você está que vamos te buscar agora!!! Quatro dias sumida, filha??? Quer nos matar do coração?

- Pai, Mãe! Eu estou na Lua!!!

Outro murmúrio incompreensível ouvido, após dois segundos e um pouco de delay...

- Não estamos bravos, Martinha! Pode falar! Você usou... - a mãe pondera antes de falar. - ... drogas virtuais? E-Coke, Virtual Opium... Não vamos ficar bravos, filha!

- Não, mãe!!! Estou na Lua mesmo!

Pouco mais de dois segundos depois, ela ouve a ligação ser cancelada.

- Eles não acreditaram!!

- E você esperava alguma coisa diferente disso?

De qualquer forma, Carlinhos era um gênio! Invadindo o satélite da NASA? Quase agarrou o garoto, mas não sentiu que ainda era o momento de se declarar desta forma...

------------------------------------------------------------------------

- Reunião geral!!! - Marcos disparou o beep portátil, algo que já planejava fazer a muito tempo! - Para discutirmos nossa situação até o momento!

Sentou-se no alto do módulo lunar.

- Enfim, cometemos um erro...

- O Pedro cometeu um erro! - Carlos não podia perder a oportunidade de provocar.

- Continuando, NÓS - e enfatizou o pronome - cometemos um erro, e conseguimos contorná-lo muito bem!

Marta estava do seu lado? Tentava se aproximar dele cada vez mais? Carlos desistiu da provocação.

- Deu trabalho arrastar o gerador gravitacional, mas agora o riacho de lava está dentro de nosso campo gravitacional de 50 metros, e conseguimos escavar um canal até próximo de nossa cápsula e módulo lunar, também ambos dentro do campo gravitacional. Com o gerador de ozônio ligado, temos ainda uns 2 dois dias e meio até o sol aparecer no horizonte. Normalmente o tempo seria insuficiente para produzir uma boa película protetora de ozônio. Mas, estando no fundo de um vale lunar, o sol vai demorar um pouco mais para nos atingir, de tal forma que o tempo perdido foi, digamos assim, compensado! Está tudo correndo, fora os pequenos ajustes, dentro do plano original!

A pequena tripulação respirou aliviada. Marcos perguntou:

- Já estabelecemos contato com a Terra?

Marta se levantou.

- O Carlinhos me ajudou a ligar para meus pais!

- E?...

- Eles não acreditaram! Até perguntaram se eu havia tomado E-Drugs!!!

Marcos ficou bem preocupado! Precisavam com urgência elaborar uma prova comprovando que eles estavam mesmo onde afirmavam estar!

- Marta, tente ligar de novo mais tarde! Quem mais trouxe transcomunicador?

Ana e Pedro se manifestam.

- Carlos, pode configurá-los?

- O da Ana, sim...

Aquela criancice estava passando dos limites! Mais uma vez, como membro mais velho da turma, Marcos tenta impor sua autoridade:

- E o de Pedro também!!! Precisamos agora do máximo de contato possível!

- Como vamos voltar? - perguntou Ana.

- Ah, mal chegamos e você já está pensando em voltar?

Percebendo que o capitão fugia da resposta, Marta também quis saber:

- É, como vamos voltar?

Também Pedro e Carlos olharam para Marcos, percebendo a gravidade da situação.

- Ah gente! ainda não pensei nisso!!

Marta e Ana entram voando para o módulo lunar, mais uma vez, se trancando lá dentro. Embora herméticamente fechado, os garotos ouvem claramente Ana berrando:

- Eu quero minha mãe!!!!