Jovens Selenitas - Parte 1

O segredo compartilhado pelos cinco adolescentes era inviolável!

- Não, Marta! Óbvio que ninguém desconfia de nada!

- Mas... está tudo pronto mesmo? Podemos partir na semana que vem?

- Eu garanto! - reafirmou Pedro. - Ninguém faz ideia de pra que serve aquele poço cilíndrico com paredes de metal no meio do deserto do Saara...

- Mas... Nem desconfiança? - perguntou Ana, também interessada no assunto.

- Relaxa, Aninha! - Carlos tentou tranquilizar. - Por que alguém desconfiaria de um cilindro metálico de 50 metros de profundidade escavado no meio do deserto do Saara? É seguro!

As meninas ainda não estavam convencidas.

- E depois da cápsula ser lançada? Não seremos seguidos?

- Por quem? Polícia espacial? - Marcos tentou ser irônico. - Pela NASA, que mal cuida dos próprios satélites direito? Você sabe que estão décadas atrasados com isso! Mal perceberão o lançamento! Ainda mais no deserto!

Os adolescentes estavam mesmo apreensivos! E, em termos de revolta, aquilo era o máximo que podiam conceber! Voltar para a casa depois da meia noite? Qualquer um fazia isso! Viajar para outra cidade sem conhecimento dos pais? Banal! Pegar um vôo transorbital para o outro lado do mundo sem conhecimento dos pais? Não era transgressão suficiente... Mas planejar um vôo para a Lua, longe do olhar dos pais e, mais ainda, do próprio governo de seu país? Isto era o máximo da rebeldia!! E eles realmente estavam dispostos a levar aquilo adiante...

- Eu tenho muito medo do lançamento. - estravasou Ana. - Lançados como bala de canhão? De onde veio esta idéia?

- Foi minha! - reconheceu Pedrinho. - Li num livro de Julio Verne...

- Mas... Não seremos esmagados na propulsão? - Marta queria tudo bem detalhado!

- Óbvio que não, né Marta! Quando Julio Verne escreveu "Da Terra Á Lua", a quase dois séculos atrás, ainda não existiam os campos anti-inerciais que mandamos instalar na cápsula! Lembra disso?

Sim, era fato! Se os campos anti-inerciais protegiam inclusive os telescópios ópticos ultra-sensíveis mandados para o espaço, como não seriam suficientes para manter o conforto de cinco adolescentes acomodados confortavelmente no chão estofado no interior de uma bala de canhão gigante?

- Nunca testaram isso com gente... - queixou-se Ana.

- Ah, vai desistir logo agora, garota??

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Um silêncio tenebroso fez parte do vôo transorbital Brasil-Saara. Sim, seus pais com certeza sabiam daquela viagem. Todo adolescente daquela era do século 22 fazia tal viagem escondido, não era segredo para ninguém! Só não desconfiavam que o destino final era uma parada numa estação esquecida no meio do deserto.

Os cinco adolescentes sairam do transorbital de mochila nas costas, em direção àquela construção mantida em segredo a anos, algo real sempre mantido oculto na eficiente manta de mundo virtual. Quem seria capaz de imaginar que aquela estação de lançamento era mesmo real? Bom, os quase cem robôs encarregados da construção lá estavam. E como todos sabem, robôs nunca perguntam nada.

- Ah!!! Lá está a cápsula! - Marcos contemplou o resultado de sua mesada economizada durante quase dois anos.

- Onde vamos pousar mesmo? - Ana estava nervosa.

- Num vale profundo do lado escuro da Lua. Já comentamos isso!

Ela estava apreensiva.

- Não seria melhor perto de uma base lunar?

- Está doida!!! Tem idéia de que o que estamos fazendo é completamente proibido???

- Mas...

- É super seguro! - interviu Carlos na conversa. - Existe uma atmosfera tênue no fundo desse vale. Rarefeita, mas respirável! Vamos ter de usar ainda as capas anti-ultravioletas até terminarmos de montar a cúpula, mas nada impossível!

- Como esta atmosfera é mantida?

- Temos geradores gravitacionais na região, lembra? Marta, foi você mesma que nos ajudou a burlar o sistema de segurança da fábrica Graviton, para que eles ignorassem o destino do equipamento! Esqueceu?

- E quanto tempo ficaremos lá? - perguntou Marta.

Pedro explodiu:

- Ah, menininha!!! Se quiser voltar pro papai e pra mamãe, faça isso agora mesmo, por favor!!!

Marta lamentou seu vacilo. Por que se mostrava tão fraca? Tentou consertar isso:

- Então vamos logo! Que estamos esperando aqui?

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Apenas robôs cuidavam daquela base de lançamentos improvisada. Humanos fariam muitas perguntas. Robôs, como disse antes, não perguntam: simplesmente FAZEM! Aquela cápsula de 5 metros de raio lembrava mesmo uma bala de revólver! E o tubo totalmente enterrado nas areias do deserto dentro da qual ela seria projetada lembrava um cano de espingarda. Os adolecentes entraram pela pequena portinhola projetado por eles próprios, e se acomodaram do estofado de 10 metros de diâmetro do fundo da cápsula. Como ninguém ainda tinha pensado nisso? Ou já tinham, e ninguém sabia?

- Pessoal, lá vamos nós!

- Caramba, é tão fácil fazer essa viagem hoje em dia! Será que ninguém mesmo pensou em fazer o que estamos fazendo agora?

- Hehe, a NASA gastando milhões em seus ônibus espaciais pré-históricos, e nós comandando a construção disto tudo pela internet, gastando apenas nossas mesadas, e sem ninguém desconfiar do que fazemos... Parece piada, né?

- Bom, vamos descer! Marcos, você é o capitão! A ordem é sua!

Ana apertou a mão de Pedrinho, deitada no chão acolchoado. Ela estava com muito medo! Não era hora de esconder seus sentimentos!

- Computador, campos anti-inerciais ativados?

- 100% operacionais, caro ADMIN!

- Cargas explosivas no fundo do lançador?

- Positivo, ADMIN!

- Quanto tempo até a janela orbital?

- 3 minutos e 23 segundos. Iniciar contagem regresiva?

Marcos pensou um pouco.

- Não! Dispenso esta porcaria! Só nos avise 10 segundos antes para tomarmos nossas posições. Põe uma musiquinha enquanto isso!

O computador começou a tocar a pré-histórica Space Oddity do David Bowie. Boa trilha sonora para a ocasião! A cápsula começou a baixar para o fundo do cilindro de lançamento.

- 20 segundos, ADMIN! Devo iniciar a contagem regresiva?

Marcos olhou cada tripulante. Todos concordaram com o olhar. Por que quebrar a velha tradição?

- Prossiga, computador!

O zumbido característico do campo anti-inercial ficou bem distinto neste momento.

- 10... 9... 8... 7... 6... 5... 4...

Ana aperta a mão de Pedro com mais força. Ela chega a estalar!!!

- 3... 2... 1... Lançando!!!

Na verdade, quando o computador terminou de pronunciar o "ando" eles já estavam a quase 11 quilômetros de altura, acelerados pela explosão à velocidade de 11 km/s em questão de milissegundos. Obviamente, graças ao campo anti-inercial, ninguém sentiu a aceleração, e até a garrafinha de água que Carlos deixou ao seu lado ficou intacta. O que realmente importava era que a base da cápsula resistisse ao impacto, o que ela fez impecavelmente! Os cinco adolescentes estavam a caminho do satélite natural do planeta Terra.

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Marta foi a primeira a falar após o lançamento. Estava ofegante, asfixiada.

- Ah!!! Não consigo respirar!!! Afff... affff..... afff.. Façam algo!

- Para de frescura, Marta! Não tem nada errado com o ar daqui!

- Sério, gente! Estou sufocando! Estou até sentindo cheiro de vácuo!!!

- Alguém quer dizer pra esta menina parar de falar besteira? - Marcos perdeu apaciência. - Computador, analizar perda atmosférica no interior da cápsula até o momento.

- Pressão normal, ADMIN! Cápsula hermeticamente isolada! Nenhuma perda detectável até o momento!

- Satisfeita, Marta??

Ela não estava.

- C02!!! Está alto!! O reciclador atmosférico não está funcionando!

- Computador, analizar nível de acidez do ambiente!

- Dentro dos níveis toleráveis, ADMIN! Reciclagem de CO2 perfeitamente operacional.

- E então, Marta? Mais alguma reclamação?

Carlos não conseguiu segurar a piada, vendo toda aquela confusão.

- Desculpa gente, fui eu! Não deu para segurar!

Todos riram... menos Marta.

- Não estou sentindo a ponta dos meus dedos!

Marcos chegou ao seu limite! Ordenou enfim:

- Computador, desligar campo anti-inercial! Não vamos precisar dele por enquanto, é bom economizar energia.

- Feito, ADMIN!

Antes presos ao chão por uma gravidade fictícia (lembrança do campo anti-inercial, que os havia congelado naquela situação particular), agora os cinco adolescentes sentiam a sensação de imponderabilidade de estarem flutuando sem peso dentro da cápsula. Marta se sentiu enjoada, mas achou que estaria abusando demais da boa vontade do capitão se resolvesse reclamar disso também.

- Uau!!! Eu sou um corpo celeste!!! - rodopiando em torno do próprio eixo no centro gravitacional da cápsula, Carlos era o mais eufórico! Será que ele tinha respirado oxigênio demais?

- Para com isso! Você vai passar mal!

De fato, ele precisou segurar, na verdade engolir de volta uma bela golfada para não fazer feio! Ninguém acharia legal uma bolota de vômito flutuando no interior da cápsula, de forma que ele se obrigou a se submeter ao nojento sacrifício...

Com o passar do tempo, todo mundo se acostumou com aquela idéia de sair flutuando pelo interior da cápsula. Que sensação indescritível de liberdade! Nos vôos transorbitais os passageiros eram sempre instruídos a se prenderem firmemente nos seus bancos com cinto de segurança quando o avião atingia esta gravidade zero. Nem imaginavam o que estavam perdendo!

- E quando chegarmos lá? O que tem pronto?

- Uma pequena base modular simples! Nós vamos ter de expandir nós mesmos!

- Minha mesada acabou!!

- Relaxa!! Quando nossos pais souberem que estamos lá, eles vão ajudar!

- O meu vai me matar!!!

- É... depois dele conseguir um vôo para a Lua, hehehe!

Ana estava apreensiva.

- Nosso transcomunicador vai funcionar lá? Estaremos do lado escuro, lembra??

- Temos o satélite retransmissor daquele lado! Vamos conseguir nos comunicar com nossos pais...

- O satélite é de uso exclusivo da NASA! Tem chave de criptografia!

- Ah, grande coisa!! - riu Carlos. - Quem tem password crakers, vai à Roma!!

Ana olhava para ele sem acreditar.

- Ah, garota! Você nem imagina a quantidade de senhas ridículas que os astronautas costumam cadastrar! Tipo "1234", "qwerty", "9999", esse tipo de coisa...

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Após 3 dias animados da mais pura liberdade, a cápsula começou a orbitar a Lua. Era uma fase crítica! Com cerca de 1 segundo de delay (tempo longo demais nas atuais circunstâncias!) eles não podiam mais contar com a super-nuvem computacional na Terra, mas apenas com o computador de bordo. Bom, Marcos acreditava que um minicomputador com processador de 10 TeraHertz seria suficiente para calcular um pouso seguro, né? A pouco mais de um século atrás conseguiram fazer isto com um computador de capacidade equivalente à de uma calculadora de bolso! O que os impedia de repetir isto agora, usando um computador cerca de 1 bilhão de vezes mais potente?

- Cara, se foi você que programou o pouso, estou com medo sim! - Carlos quis provocar Pedro, com ciúmes de Ana, sem dúvida!

- Ah, tá brincando??? Acha que eu não consigo simular a Mecânica Newtoniana num computador?

- Mecânica Newtoniana??!!! - sim, Carlos realmente estava procurando um motivo para arranjar encrenca! - Então não levou a Relatividade de Einstein em conta nos seus cálculos???

- Viajando a 11 quilômetros por segundo?? Carola, acho que você respirou oxigênio puro demais!! Não está mais falando coisa com coisa! - e aperta mais as mãos de Ana, trazendo-a para perto para provocar mesmo!

- Então, vamos parar com essa palhaçada! - o capitão Marcos percebe que é hora de intervir naquela disputa infantil. - A coisa aqui é séria agora! Se errarmos, espatifamos na poeira lunar! Todo mundo atento agora!

Pedro se dirige ao terminal sensível ao toque e cvlica o ícone de seu programa:

- Pronto, começou! Não sei vocês, mas eu estou tranquilo! Tenho certeza que programei certo o pouso!

Os pequenos retrofogetes nas laterais da cápsula iniciaram o giro de 180 graus. Sobre o pólo sul lunar naquele exato momento, os tripulantes puderam observar pelo visor central, no topo cônico da cápsula, seu velho planeta azul. A cápsula continuou orbitando a Lua. Em marcha ré? Bom, no espaço estas noções todas são relativas... Digamos que sim!

O vale alvo ficava pouco antes do equador lunar. No momento em breu completo, oposto ao Sol.

- Que frio!! Não vamos congelar lá?

- Você lembra o maior motivo de escolhermos o fundo daquele vale?

Sim, ativiade vulcânica! Na Lua? Quem diria!! Como ninguém havia percebido?

- Aquele rio de lava vai nos manter aquecidos por mais uns 10 dias, até a Lua se tornar Lua Nova e nos voltarmos novamente para o Sol. É bastante tempo para construírmos a cúpula de proteção contra as radiações!

- O satélite vai continuar lá?

- Lógico! Ele é geoestacionário...

Todos encararam Marcos após ouvir tal besteira.

- Tá, foi um lapso, gente! Só modo de dizer!

- Qual o certo então?

Marcos pensou...

- Ah, sei lá! Lunoestacionário? Selenoestacionário? Que importa? O importante para a gente é que ele fica aparentemente estacionário no céu lunar, orbitando a lua a cada 28 dias, mesmo tempo que ela leva para completar uma rotação em torno do próprio eixo...

- Ele é dinâmico, não é? Quer dizer, não poderia ser "lunoestacionário" naquela órbita? Precisa sempre desacelerar para manter a posição.

- Bom, nem quero saber! Isso já é problema da NASA! Pra nós, ele sempre vai estar lá onde esperamos!

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Os foguetes da base da cápsula desaceleraram o corpo até ele ficar estático num ponto, e começar a cair.

- Não vamos precisar mesmo dos foguetes laterais, né Pedro? Ele vai mesmo virar para baixo, na direção do centro de gravidade da cápsula!

- Relaxa, capitão!!! Programei tudo certinho! Simulei um milhão de vezes isso!

De fato a cápsula com formato de bala de revólver virou sozinha para baixo ao estacionar em sua órbita. Os retrofoguetes principais, em sua base, foram desligados.

- Estamos caindo!

- Forma de dizer! Estávamos caindo em órbita também, a única diferença é que caíamos numa direção tal que nunca conseguiríamos atingir o chão, paralelos ao solo.

- Tá, mas agora caímos verticalmente! Quando esses foguetes vão voltar a funcionar?

- Na hora certa, capitão! Confia no meu programa, ok?

A cápsula acelerava com a gravidade lunar. O chão ficava cada vez mais próximo!

- Em 3... 2... 1... já!

Retrofoguetes disparados. A sensação de imponderabilidade desapareceu, e Marta torceu o tornozelo no chão da cápsula.

- Computador, reativar campo anti-inercial!

O campo anti-inercial nem foi necessário, pois pouso foi bem tranquilo! Capacete? Roupa espacial? Desnecessário, havia um limitado campo gravitacional lá fora segurando uma micro-atmosfera, fornecido pela boa fabricante Graviton.

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Carlos abriu a porta da cápsula atropelando todo mundo! Queria ser o primeiro a pisar o solo do fundo daquele vale! Desceu as escadas da cápsula com pressa, e correu sobre o solo lunar berrando na microatmosfera de fora:

- Este é um pequeno passo para o homem, mas um...

Afobado, tropeça numa pedra, caindo de cara na poeira lunar. Todos começam a rir! Pedro arrisca uma provocação:

- ...mas um grande tropeço para o Carlos! Hahahaha!!

O jovem astronauta se põe em pé indignado, limpando a poeira lunar em seu rosto.

- Por que não consigo dar aqueles saltos gigantescos aqui, hein? Daqueles que eu via na época dos filmes 2d?

- Tem o gerador gravitacional, esqueceu? Num raio de 50 metros, a gravidade aqui é de 9,8 m/s^2 que já estamos acostumados! Para manter uma atmosfera respirável, entende?

- Ah, que saco! Que graçaa tem chegar na lua sem poder dar aqueles pulos gigantes?

- Vai ter que se acostumar! Não trouxemos trajes espaciais...

- Belo astronauta sou eu! Ao invés de traje espacial com capacete, estou vestindo uma camiseta preta com estampa holográfica do Black Sabbath. Caraca, acho que meu tataravô ouvia isso!!!

- Hehehe!! Pra mim até o seu tataravô já achava isto velho pra cacete!!

Carlos ficou emburrado.

- Eu gosto, tá!!! Que problema tem gostar de música clássica??

- Hehe! Clássica? Pra mim, isso é música medieval!

- Ah, cala a boca!