O Algorítmo da Involução - Parte 3
O Algoritmo da Involução - parte 3
O contato de Herbert com o conselheiro-mor se deu algumas horas mais tarde. Conforme o programado, as fragilidades deveriam ser reportadas imediatamente. Principalmente havendo indicativo das fraquezas mais primitivas. A semente plantada começava a germinar.
A noite quase insone foi invadida por sonhos de um tempo passado. A mistura de pacotes causava a confusão típica dos assaltos noturnos, dos pesadelos mais perturbadores. Sudorese e descompasso de batimentos alimentados por visões de uma época inalcançável atormentaram a madrugada de um homem confuso. As imagens de sua esposa se misturavam a formas e sons desconhecidos. Adam acordou sobressaltado.
Naquela manhã Herbert não estava lá. A refeição foi servida no alojamento por um robô de apoio, ainda cedo. Adam não tinha fome, tinha saudades. Os fragmentos de memória que surgiram nos sonhos o faziam reviver o passado. Ele não conseguia definir em sua mente o momento da separação. Via o rosto de Jéssica, via as lágrimas nos olhos dela, mas não sabia o que tinha acontecido. Um bip antecedeu o aparecimento de imagens no telão afastando Adam de seus pensamentos. A seqüência de cenas e fotografias intensificou seu sentimento. Vídeos e fotos de sua mulher eram apresentados juntamente com uma trilha musical que o fazia voltar no tempo. Adam começou a questionar sua nova existência. Não tinha mais certeza de querer estar ali. Sentia-se amputado. Um ser parcial, nada mais.
Quando a apresentação multimídia terminou, Herbert entrou no alojamento.
Adam permaneceu quieto, era evidente o estado perturbado em que se encontrava.
-Quer conversar, companheiro? – Perguntou Herbert, em tom ameno.
-O que vocês estão tentando fazer? De onde tiraram estas imagens? Qual o objetivo com esta tortura?
-Queremos deixá-lo pronto. As imagens estão na memória do computador do Banco de Cepas Genéticas.
-Então, não é armazenado somente o material genético, mas outros materiais relacionados à pessoa doadora?
-Exato, Adam. Inclusive o conteúdo da memória. De onde você acha que vieram suas lembranças? São três arquivos diferentes: material genético, conteúdo cerebral e documentário digital.
-Mas para que tudo isto? Perpetuar as pessoas? Vocês têm o poder da vida eterna!
-Não é bem assim. Você é a prova de que podemos trazer alguém de volta a vida. Mas você vai envelhecer e morrer, como todo mundo. Claro que poderemos repetir e repetir indefinidamente, mas isto não é o mesmo que uma vida eterna.
-Está mais parecido com uma reencarnação. – Disse Adam, sem entusiasmo.
-Literalmente. Só que, diferentemente do que argumentavam algumas doutrinas antigas, no mesmo corpo, ou quase isto.
Adam ficou remoendo aquelas palavras. Muito do que ele acreditava que existia em seu tempo, estava virado de cabeça para baixo. Mas ele se sentia muito cansado, e só. Percebia a oportunidade oferecida, mas não tinha certeza de querer continuar com aquilo
-Sinto-me solitário, Herbert. Acho que não quero estar aqui.
-Você não tem que ficar só.
-Você não compreende, é apenas uma máquina fria. Não se ofenda, por favor, mas você não é humano, não tem capacidade de saber o que eu estou sentindo. Eu não quero conviver com aquelas pessoas estranhas que vi no nosso passeio, quero minha antiga vida.
-Explique melhor.
-Não quero viver sem Jéssica. Ela era linda, muito mais jovem do que eu! Aliás, não sei o que ela viu em mim e até achava que nosso relacionamento não ia durar. Mas não foi o que aconteceu. Vivemos um amor intenso, profundo e... duradouro. Não me lembro de muitas coisas. Não consigo recordar de algum momento que indique separação, mas isto agora não importa. Ela já morreu há séculos. Nada pode mudar isto!
-Não é bem assim, meu amigo.
Aquelas últimas palavras de Herbert fizeram o coração de Adam dar um pulo. Sua respiração se acelerou, gotas de suor surgiram em sua testa.
-Vocês têm amostras genéticas dela? – Perguntou, com grande expectativa.
Herbert ficou olhando para Adam com uma atenção diferenciada. Ele estava analisando detalhadamente o semblante do homem aflito que tinha na sua frente. Algo incomum, segundo seu banco de dados.
-Não, Adam, não temos o material genético de Jéssica.
Adam deu um grande suspiro, decepcionado com o que ouviu. A esperança se esvaiu rapidamente e ele voltou a sentir o mesmo desprezo por sua nova realidade, como sentira instantes atrás.
-Mas você está aqui para trazer Jéssica, Adam. – Disse Herbert, impassível.
-Como assim? O que você está dizendo? – Perguntou, aflito.
-Esta é a sua missão. Você foi recriado para um trabalho específico, mas ele não será possível sem Jéssica. O computador bioquântico do Centro de Pesquisas indicou claramente o problema impeditivo do projeto Regen. Segundo ele, de nada adiantaria recriá-lo sem a parte faltante. Porém, o Conselho Superior entende que cabe a você contornar este entrave. Acho que se baseiam em lendas antigas, contudo, a ordem foi dada.
-A parte faltante seria Jéssica? Se for isto, seu computador acertou em alguma coisa. Sem ela, parece que me falta um pedaço.
Alguns instantes de silêncio indicavam que Herbert estava processando as palavras de Adam.
-Vejo que a necessidade original está preservada, meu caro. Traga-a de volta.
-Mas ela está morta!
-Você também estava. – Retrucou Herbert.
-Mas existia material genético armazenado. Se não há material dela, fica impossível.
-Caberá a você cuidar disso. Só você pode fazer este trabalho, Adam. Relatividade, Espaço-Tempo, Teoria Quântica dos Anéis, Encadeamento, Emaranhamento, Não-localidade, enfim, você tem o conhecimento, a tecnologia, a oportunidade e a vontade. Faça!
Fim da parte 3 - Continua...