DISTROPIA - Capítulo 6

Fiquei um tempão encucado com aquela conversa doida com Laura. Eu a conhecia? Lembrando aquele rosto bonito, realmente queria agora que sim! Mas a conversa com ela não me pareceu nem um pouco coerente. Onde havia errado? “Preciso treinar mais essa língua esquisita”, e ligo a TV num programa de entrevista, para tentar entender um pouco mais sua estrutura. Mas que azar! Parecia já estar no fim! Continuei assim mesmo...

- Hehe, concordo! Essa sim é língua de índio!

Entrevista doida!! Do que ele estava falando ?

- Fora que é muito mais fácil fazer rimas. O idioma é praticamente monossilábico!

- De fato... - e o entrevistador começa a cantarolar: - "Do you like samba? I like too, and if you love the samba, I love you..." Concordo! É bem esquisito mesmo!

- Faz parte do estilo. As pessoas ESPERAM ouvir Heavy Metal em inglês. É sua língua oficial! Pense comigo agora ao contrário: não seria muito esquisito ouvir um samba cantado em inglês? Conosco acontece algo bem parecido.

O entrevistado parece parar para pensar...

- Lógico! Mas poucas. A maior parte é em inglês...

- Isto é mentira! Temos algumas composições em português sim!

- Mas por que vocês só compõe em inglês ?

Aquela entrevista ficava cada vez mais estranha! Que conversa de doidos era aquela? Percebi que simplesmente entender frases de trás para a frente não bastava. Ainda faltava alguma coisa....

- Primeiramente no Jethro Tull, sem sombra de dúvida! No começo ninguém acreditou ser possível fazer Heavy Metal sem instrumentos elétricos, usando apenas instrumentos de sopro e bateria. Provamos que estavam errados! Tire agora o vocal cheio de maneirismo do Ian Anderson e coloque o gutural rasgado do Lemmy, Motörhead... Isto dá uma idéia do som que produzimos.

- Bom, vamos continuar... Quais são suas influências ? Em quem se inspiraram ?

Sim, eu reconhecia aquela banda! Cova Rasa? Vala Comum? Acho que era alguma coisa neste estilo. Não entendo por que de repente banda e entrevistador começam a gargalhar do nada, mas continuo vendo a entrevista.

- Ué... Somos músicos, somos populares, e somos brasileiros! Portanto o que a gente faz é MPB.

Vejo que o vocalista Davidson Nogueira esboçou um sorriso meio cínico. De quê ele ria ?

- MPB??? - o entrevistador estava espantado!

- Quando chegamos ao top da MPB, nosso empresário nos alertou que o nome original não tinha um apelo comercial muito forte.

- E por que mudaram de nome ?

- Com certeza! A gente quis fazer uma brincadeira com a banda Sepultura, que nos inspirou muito para criarmos nosso estilo musical. Pouca gente sabe, mas Cova Rasa não é o nome original da banda. Em nossos primeiros ensaios na garagem do Tico tínhamos decidido pelo nome Vala Comum...

- Bom, então devem estar acostumados. Não se importariam de responder mais uma vez...

- É... talvez um pouquinho mais.

- Vocês já devem ter respondido isto um milhão de vezes, né?

- Hehehe! Ganhei a aposta! Eu apostei aqui com nosso baterista que esta seria a primeira pergunta da entrevista.

- Muito boa tarde, nação metal!!! Como prometido, aqui estamos com uma entrevista exclusiva com a banda Cova Rasa! Como não podia deixar se ser, nossa primeira pergunta é: de onde vem esse nome da banda ?

Anotei frase por frase, e nada fazia sentido. Nem faço idéia do que me levou a pegar no telefone, mas dele logo ouvi uma voz suave:

- Tchau!

Como assim? Que começa uma conversa com “tchau”? Estaria conversando com uma italiana ?

- Alô? É a Laura? - logo reconheci a voz.

- César!! Tudo bem? Você que me deu, oras bolas! Adorei aquela nossa conversa! Posso passar aí no seu prédio para a gente se ver de novo?

- De novo??? Como assim? Como você tem meu telefone ?

- Adoraria escrever algo usando aquela sua idéia sobre a qual conversamos anteontem. Me autoriza a usá-la? Óbvio que antes de publicar eu te levo uma cópia para revisar...

- Quê? Conversa? Do que você está falando?

- Genial sua idéia, César! Me inspirou pelo menos uma dúzia de contos diferentes, explorando estes aspectos de um tempo correndo ao contrário... De onde foi que você tirou isso? Ah, e não tente se fazer de bobo! Não tem mais graça!

- Mas sobre o que você está falando, Laura?

- Alô? César? Queria discutir contigo alguns pontos daquela sua idéia maluca! Pretendo escrever um conto de ficção científica sobre o assunto!

- Alô??

Devolvo o fone no gancho assim que percebo que ele fica mudo. Imediatamente a campainha toca, e atendo:

- Alô? Alô? - mudo, nenhuma resposta.

Resolvo voltar às minhas anotações da entrevista. Como colocar um sentido naquilo? Li, reli... De repente, o velho conselho me veio à cabeça: “leia ao contrário!!!” Como mágica, a entrevista começou a fazer todo o sentido! Sou de novo interrompido pela campainha do telefone.

- Alô? - sem resposta. Mas após um clique invertido, ouço uma voz.

- Irazés? Isto é uma gravação, não responda ainda! Pelo jeito esta sua idéia funcionou: discar de novo assim que terminasse a conversa, para que você fosse avisado sobre a necessidade de atender ao telefone! Acredito que você deve já estar bem familiarizado com português reverso! Eu ainda não. Por isso, logo no fim desta gravação, te espero falar alguma coisa no seu sentido natural: estarei gravando, de forma que poderei inverter o áudio sem problemas. Responda após o beep! Que acha de conversarmos aqui no meu consultório? É no 121 da Praça Ramos. Estou te esperando... - BEEEP!

- Dr. Karnot!! Não vejo a hora de te conhecer, apesar de estar certo agora que você me conhece a bastante tempo. O mundo à minha volta está bem doido mesmo! Estou em tratamento? Há algum problema comigo? Pode me esperar! Estarei aí amanhã com certeza!

Cai a ligação.

- Nesse mundo doido, este psiquiatra parece ser o que melhor entende minha situação... Óbvio que vou aparecer lá no consultório dele amanhã!