Involução das Espécies - Final
Final – Os Fósseis Futuros
Absurdo completo! Fósseis do futuro? Até a sua ideia de Terra Oca era mais plausível, pensou Charles. Mas havia uma grande diferença sim. Aceitar o absurdo da terra oca implicava em aceitar inúmeros absurdos menores, lhe dando sustentação. Violações da física gravitacional, pois era indispensável que existisse uma gravidade puxando os seres para a parede oca. Violações na cinética dos gases: como preencher o colossal interior oco com uma atmosfera de pressão constante? Violações geológicas: como negar o interior de magma líquido, que explicava tão bem tantos fenômenos geológicos? E violações filosóficas: que faria um planeta se desenvolver num corpo de geometria tão complicada, comparada com a simplicidade de um esferoide em rotação?
A ideia de fósseis do futuro era bem melhor! Bastava a aceitação de um único grande absurdo (inclusive provado numericamente por análise de amostras), e todo o resto se explicava automaticamente num passe de mágica! Seres distintos convergindo para a mesma espécie? Não, só chegaram a esta conclusão porque partiram da premissa falsa de que aqueles fósseis novos também eram do passado. Mas considerando agora que eram descendentes das espécies atuais, e não seus ancestrais, tudo ficava claro! O lobo-dente-de-sabre era o lobo atual que evoluiu adquirindo caninos maiores. O elefante-do-mar era o elefante moderno voltando para as águas. Habitat inundado, talvez? A tromba, pouco hidrodinâmica, naturalmente reduziria com o tempo. E quanto ao morcego bípede?
- Novidades surpreendentes desta espécie, Charles! O que imaginávamos serem as patas são as asas modificadas. As garras é que são as antigas patas! Achávamos que os ossos da primeira espécie haviam sofrido deslocamento, mas a anatomia é consistente nos outros fósseis encontrados.
- Ele anda apoiado sobre as asas?
- Asas modificadas. Bem musculosas para sustentar o corpo, que agora chega a uns 80 centímetros.
- E as garras...
- Continuam sendo os membros inferiores. Não perderam a função que já possuíam na espécie alada moderna.
- Quanto mais descemos, mais avançamos no futuro... Como pode ser isto, Huxley?
O amigo expressa um “sei lá” com os ombros.
- Vamos almoçar? Ainda tem coisas mais bizarras ainda que preciso te mostrar. Sobre o que ainda vai acontecer no futuro...
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Os detalhes das gravuras era impressionante. O texto perfeitamente regular, embora seus estranhos caracteres não estivessem registrados em nenhum alfabeto humano conhecido. E seria aquilo um alfabeto mesmo? Ou algo que nem somos capazes de imaginar?
- Isto parece ser escrito em várias espirais na folha. A propósito, é papel?
- Ainda não descobrimos do que se trata...
- De que época?
- 50 milhões de anos.
Charles fica mudo. Só consegue comentar:
- Está incrivelmente conservado!
- Caro Charles, a rigor isto ainda nem existe!! Como se deterioraria?
- Estes 50 milhões que você diz...
- Estão no futuro!
Charles esboça um leve sorriso.
- Fico feliz em saber que nossa espécie ainda estará no planeta daqui a tanto tempo, ainda produzindo cultura.
- E quem te disse que estes pergaminhos foram produzidos por mãos humanas?
Charles aproxima uma das folhas hexagonais até a altura de seus olhos.
- Por que hexágonos, e não retângulos.
- É a forma geométrica mais econômica ao se subdividir folhas maiores. As abelhas conhecem instintivamente a economia de material deste formato.
Charles arregala os olhos:
- Não vai me dizer que isto foi produzido por abelhas inteligentes?
- Relaxa, Charles. Não chega a tanto. Mas minha hipótese é tão surpreendente quanto esta.
Observa novamente a folha. Aparentemente a escrita não acontecia da direita para a esquerda, ou o contrário, ou de cima para baixo. Tudo indicava começar num ponto central escolhido e se desenvolvendo em torno dele na forma de espirais arquimedeanas. Eram várias destas espirais preenchendo a folha, intercaladas por gravuras detalhadas. Charles logo reconheceu a criatura numa das figuras vestida num manto multicolorido.
- É um daqueles “velociraptors cabeçudos”?!
- Os autores deste texto, acredito eu!
- Mas evoluíram do quê? Os dinossauros foram todos extintos no final do Cretáceo!
- Convergência evolutiva. Neste caso, eu chamaria até de uma “involução”.
- Como assim?
- As aves são descententes de espécies de dinossauros sobreviventes da grande extinção, concorda?
- Isto hoje está provado!
- Certo. Imagine então ser possível, ao encontrar um “beco sem saída” evolutivo, voltar alguns passos e continuar depois numa direção diferente da original.
- Isto é absurdo...
- Escavar fósseis futuros também não é?
O argumento de Huxley era irrefutável.
- Pois bem: imagine as aves atuais regredindo na escala evolutiva, até assumirem novamente uma morfologia reptiliana, meio ave meio réptil.
- O “velociraptor” que encontramos.
- Imagine agora que tal “velociraptor” não encontre bloqueio algum para continuar evoluindo livremente.
- Mas nós, de alguma forma, não influenciaríamos esta...
- Calma! Guarde esta ideia! Eu chego lá.
Charles dirige o olhar para outra gravura. Dois répteis enormes, aparentemente num animado diálogo, estão cercados de criaturas bípedes bastante curvadas, quase encostando seus longos braços no solo.
- A nova espécie evolui sem obstáculos, começa a desenvolver inteligência, cultura, cria sociedades, hierarquias de poder.
- Sim. Exatamente a evolução que seria seguida pelos antigos velociraptors, se não fossem extintos.
- As aves “involuiram”. Ele teve aqui uma segunda chance de seguir uma trilha evolutiva alternativa.
Fazia todo o sentido. Ainda mais agora que Charles observava um mapa cartográfico na folha representando o planeta e sua configuração continental exatamente como se prevê que estejam daqui a 50 milhões de anos.
- E vestígios tecnológicos humanos? Foram encontrados?
Huxley balança a cabeça para a direita e para a esquerda, negando.
- Bom, provavelmente já teremos nos espalhado pelo espaço nesta era, e tenhamos abandonado de vez o planeta terra. Por isso esta espécie descendente das aves não encontraram barreiras para sua evolução.
Olha mais atentamente a figura dos bípedes curvados em meio às aves-répteis. Muitos estão carregando cargas. Alguns fazendo macaquices para uma platéia de veloricaptor que pareciam, do seu jeito, gargalhar. Outros tinham coleiras, como animais de estimação.
- E esses macaquinhos aqui nesta figura? De que espécie são?
Huxley baixa os olhos com tristeza. Como dizer aquilo ao amigo? Bom, da maneira curta e grossa, que sempre é a melhor.
- Charles, meu amigo Charles... Estes macaquinhos aí somos nós!!
*** FIM ***