Involução das Espécies - Parte 3
Parte 3 – O Elo Perdido
No fundo daquele poço de 500 metros de profundidade, Georges ainda não conseguia classificar totalmente aquela ossada completa que aos poucos se revelava.
- De cara imaginei ser um velociraptor. Mas com cauda tão curta? E com bico?
- Estudos recentes mostram que o velociraptor tinha bico, e até mesmo escamas modificadas parecidas com penas.
- Tudo bem. Mas e estes membros superiores desenvolvidos? Diria até que são asas regredidas, que perderam sua função, se este não fosse na verdade um possível ancestral das aves...
- Talvez um pterodáctilo que tenha perdido a capacidade de voar?
- Não, as coincidências com o velociraptor são gritantes. É um descendente dele. Mas... e este dedo opositor? Teria a mesma função de nosso polegar?
- Braços longos, extremidades bem desenvolvidas... realmente nunca vi antes umas espécie reptiliana parecida.
- E essa cabeça? Já calculou o volume da caixa craniana disto? Não acho que seria absurdo demais supor que sua função fosse abrigar um cérebro de proporções quase humanas...
- Um dinossauro inteligente...
- Uma ave primitiva inteligente...
- Certo. Algo novo, nem réptil nem ave. Um elo perdido, a espécie intermediária entre répteis antigos e aves modernas. Charles já sabe disso?
- Expliquei meio que por alto no comunicador. Está descendo, a caminho.
Foi um Charles impaciente que todos viram sair do elevador no centro do poço.
- Onde está a criatura? Que é? De quando?
A ossada se apresentava completa no chão. Mais perfeita, impossível!
- Macacos me mordam! O elo perdido entre os dinossauros e as aves!
- Exatamente o que estávamos acabando de comentar, Charles!
- Um velociraptor?
- No começo, achei que sim. Mas tenho certeza agora que é algo bem diferente...
Charles observa o relevo fóssil no chão com mais cuidado.
- Que cabeça enorme é esta? E onde está o resto da cauda? Me disseram que era uma ossada completa...
- E é! A cauda acaba exatamente onde você está vendo. E o cabeção... bom, ainda não sabemos explicar.
Decepcionado? Aliviado? Charles teria sérias dificuldades para explicar seus exatos sentimentos naquele instante. Antes lamentava profundamente o fim dos dinossauros. Agora via uma amostra do que seria sua evolução, se não tivessem perecido: répteis-aves inteligentes! Que espaço haveria no mundo para os pequenos mamíferos da época se a evolução dos dinossauros tivesse prosseguido normalmente? Onde estaríamos agora num mundo dominado por répteis inteligentes, cujo ambiente antártico nos permitia ver uma pequena amostra?
- Algum indício de civilização composta desta espécie?
- Pulamos as eras intermediárias. Mas eu não ficaria surpreso se os encontrássemos...
Charles começou a especular. E se aqueles répteis agora inquestionavelmente inteligentes tivessem tempo de deixar o continente cada vez mais inóspito e se espalhar pela Terra? Como seria diferente nossa história! Corrigindo: nem existiria a NOSSA história! É provável que nossa espécie não encontraria espaço para evoluir.
Huxley chega no elevador seguinte.
- Entendi bem o que você disse? Um elo perdido?
- Uma ave-réptil de encéfalo superdesenvolvido e extremidades das patas dianteiras especializadas em manipulação. Iguais ou até melhores que nossas mãos!
- Impressionante! Não vejo a hora de colocar de uma vez uma data nisso tudo! – e começa abrir um envelope pardo que trazia debaixo dos braços, interrompido por um alerta insistente, de sondas automáticas escavando mais profundamente que aqueles 500 metros do nível pós-Cretácico onde agora se encontravam.
- Encontraram coisa nova, que vale apena ser vista!
- Outros fósseis mais antigos?
Huxley pesquisa em seu computador de bolso.
- Não são... fósseis.
Suspense no ar.
- A sonda classificou como...
Sacode o aparelho, como se isto fosse capaz de corrigir uma possível falha de processamento.
- ... artefatos arqueológicos... – o ar de incredulidade em seu rosto era gritante, chegava a dar pena.
- Humanos? No período Cretáceo?
- Simplesmente “artefatos arqueológicos”. Não diz de que origem. Mesmo porque os algoritmos da sonda foram preparados para reconhecer apenas artefatos arqueológicos humanos, únicos que imaginávamos existir.
- E estes são de quem?
Huxley olhou as ossadas de ave-réptil no chão.
- Impossível! – protestou Charles. – Mesmo porque, se estas criaturas tivessem evoluído e adquirido cultura, isto estaria em camadas geológicas que pulamos para chegar nesta aqui! As sondas escavam o passado! É concebível admitir que estes répteis-aves tenham desenvolvido cultura no cretáceo para depois a perderem, se apresentando agora para nós como este fóssil na nossa frente?
Enérgico, Huxley lê mais uma vez o resultado da datação radioativa. Há uma carta acompanhando o envelope:
“
Caro Dr. Huxley.
Depois de anos de serviços prestados ao senhor e à instituição que representas, só podemos concluir que assumiste a liberdade de nos fazer uma brincadeira de gosto discutível. É a quarta vez que nos envia tais amostras, e novamente reiteramos que nossos resultados são exatos e inquestionáveis. Não nos responsabilizamos por amostras adulteradas, simplesmente tiramos nossas conclusões das informações que recebemos. De forma que, mais uma vez, repetimos o resultado apresentado nos exames anteriores. Estamos prontos a todo momento para apresentarmos quaisquer maiores esclarecimentos que precisarem...”
Huxley ficou mudo por minutos. Enfim, ordenou resoluto:
- Reservem amostras desta camada para datação! E providenciem também a datação das amostras das sondas. Tentem, se possível, me trazer os tais artefatos. Me comuniquem imediatamente assim que chegarem, tudo bem?
Charles via o rosto de Huxley se desmanchando a cada linha lida do novo resultado.
- Desembucha, homem! O que você tem aí de tão extraordinário?
Huxley ainda ficou um tempo com o envelope pardo na mão, incapaz de agir. Enfim falou:
- Lembra disso, Charles? “Quando se eliminam todas as alternativas impossíveis, aquela que sobra, por mais absurda que pareça, deve ser a verdadeira”.
- Sherlock Holmes, meu cientista dedutivo preferido...
- Conan Doyle! Sherlock Holmes nunca existiu, era sua personagem.
Joga o envelope pardo com o resultado da datação no colo de Charles.
- Por favor, leia com carinho! Já não tenho mais como dizer que está errado...