O guardião da Câmara Secreta

Pelos corredores escuros os dois vultos se esgueiram guiados pela chama do archote. Descem os degraus das escadas com cautela enquanto o neófito admira-se com a decoração das paredes, onde, penduradas, estão obras de grandes pintores renascentistas como Sandro Boticheli, Rafael e até afrescos de Donatelo. O neófito não deixa de soltar uma exclamação ao aproximar sua tocha de um quadro que parece ser de Leonardo da Vinci. Próspero, como um guia eficiente, leva o neófito até uma câmara onde acende os archotes das paredes com sua chama. O neófito, então, vê diante de si o que parece ser uma biblioteca com poucos livros. Ao pegar um dos livros em suas mãos, tem sua atenção despertada para os caracteres, a textura, e ainda pelas gravuras estampadas em suas páginas. Tenta esboçar uma admiração, mas é logo interrompido por Próspero, o guardião da biblioteca secreta.

***

Luiz Fernando e Moacyr encontram-se sentados em um banco no vasto parque verdejante conversando animadamente sobre assuntos diversos.

- Pois eu acho que essa coisa de viagem no tempo é coisa de ficção cientifica, jamais seria possível no mundo real. – retruca o bonachão Luiz Fernando, deixando à mostra suas bochechas coradas.

- Ficção cientifica? Isso me lembra um romance de Isaac Asimov, em que um homem comum viaja no tempo indo parar cem mil anos no futuro. – retruca Moacyr coçando sua barba rala.

- Sim, eu também li; 827 - Era Galáctica, se não me engano. O autor, esse russo, americano, judeu, Isaac Asimov, não oferece nenhuma explicação para a incrível viagem no tempo de seu personagem. E o futuro que ele narra é incrivelmente parecido com o nosso presente.

- É, eu sei, desde os tempos de H.G. Wells e seu romance A Máquina do Tempo, muitos outros escritores já descreveram em suas páginas as viagens no tempo. Mas foi Einstein quem tornou popular, pelo menos teoricamente, a idéia de viagem no tempo. Para Einstein tudo no universo está num estado transitório de matéria ou de energia, e qualquer matéria que acelere a um ponto próximo da luz, se converte em energia. Isso sem falar no incrível efeito de dilatação do tempo. Mesmo que um astronauta conseguisse viajar na velocidade da luz, o tempo passaria mais lentamente para ele do que para o resto do universo. Se ele resolvesse dar uma voltinha fora do sistema solar até, digamos, a estrela mais próxima, distante 4,3 anos luz... viajando sempre na velocidade da luz, para ele seriam apenas quatro anos de viagem, mas quando voltasse para casa, teriam se passado bilhões de anos. Mas e se, de acordo com teorias modernas, existissem os famosos buracos de minhoca no espaço?

- Buracos de minhoca? – Pergunta Luiz Fernando segurando seus óculos. – O que é isso?

Moacyr faz uma pausa para organizar suas idéias enquanto olha para a fonte esguichando água logo adiante.

- Digamos que o espaço tenha apenas duas dimensões, e seja plano como uma folha de papel, se tivermos dois pontos distantes um do outro, cada qual numa extremidade dessa folha... Qual seria a menor distância entre esses dois pontos?

- Ora, uma linha reta. – responde Luiz Fernando sorrindo.

- Mas e se nós dobrarmos essa folha de papel de maneira que um ponto incida sobre o outro? Através desse efeito de dobra teríamos anulado totalmente a distância que separa um ponto do outro.

- Hum, entendo. E esse túnel, essa dobra, seria o tal do buraco de minhoca.

O outro concorda com um aceno de cabeça, enquanto Luiz Fernando repara no cabelo ruivo e ralo e na postura ereta de Moacyr ao sentar-se, lembrando-lhe um auto-retrato de Van Gogh.

- Mas talvez tenha ainda um outro meio de se viajar no tempo. – continua Luiz Fernando. – Com a mente.

- Ih, não me venha com essa conversa de poder da mente, isso parece coisa de livro de auto-ajuda.

Ignorando os protestos de Moacyr, e ajeitando os óculos, Luiz Fernando prossegue:

- Você deve ter assistido a um filme antigo chamado: Em Algum Lugar do Passado. Com o ator Cristopher Reeve.

- O ator que interpretou o Superman? É, acho que devo ter assistido na TV. – mente Moacyr.

- Bem, no filme, o personagem de Cristopher Reeve viaja no tempo até a década de vinte do século vinte, para viver um grande amor. E como ele viaja no tempo? – Luiz Fernando faz uma pausa dramática, estudando a reação de seu amigo. – Ele usa o poder da mente, concentra-se e pronto, lá está ele nos anos vinte paquerando uma atriz que se tornou sua obsessão na vida.

- Ele apenas se concentrou?

- Exatamente. Ele deitou-se numa cama no quarto de hotel em que sua atriz havia morado no passado, limpou sua mente de todos os pensamentos e pronto, lá estava ele de volta no tempo.

Os dois ficam pensativos por algum tempo, como se o assunto houvesse morrido, então, Moacyr, olhando o relógio em seu pulso distraidamente, retoma a palavra.

- E se eu me concentrar nesse momento, será que eu viajaria no tempo também? – fala ao amigo soltando um sorriso de deboche.

- Ora deixe disso, era só um filme. Não vamos colocar em dúvida os incríveis poderes da mente, mas eu li alguma coisa na revista Brasil Ciência, de que usamos somente dez por cento de nossa capacidade mental, e que se usássemos toda a capacidade de nosso cérebro conseguiríamos realizar verdadeiros prodígios.

- Por que você não tenta concentrar-se em viajar para uma época qualquer de sua preferência. – argumenta Moacyr decidido a levar a brincadeira mais longe.

- Ora não me venha com fanfarrices, só disse que eu li que era possível, não disse que acreditava.

- Por que não tentamos os dois? Fechamos os olhos e concentramo-nos em algum lugar no passado. Tudo o que temos a perder é tempo e mais nada.

- Tudo bem seu chato, mas apenas alguns minutos, vai ser um exercício relaxante mesmo.

Os dois amigos de longa data fecham os olhos por alguns minutos escutando apenas a água jorrando da fonte e os pássaros a cantarem entre o arvoredo. Depois de cinco minutos em que os dois sentem sua mente mais leve, eles abrem os olhos e encaram um ao outro entre risadas. Então Luiz Fernando se ergue do banco e, terminando a conversa, aperta a mão de Moacyr com firmeza.

- Tenho que ir agora, meu bom amigo. Outro dia continuamos nossa discussão sobre a perda de tempo de ficar sentado conversando bobagens.

- Então... até meu amigo. Nos reunimos no mesmo horário amanhã para uma partidinha de xadrez no meu apartamento.

Luiz Fernando concorda com Moacyr com um aceno de cabeça, e os dois saem andando em direções opostas, dirigindo-se para suas casas. Enquanto Luiz Fernando caminha vai lembrando-se dos artigos que leu na revista Brasil Ciência, e sente uma súbita vontade de ler alguma coisa de Isaac Asimov em sua pequena biblioteca na sala de estar. Ele chega em casa, abre a porta e ouve sua esposa cantarolando uma valsa enquanto toma banho, mas qual sua surpresa quando olha para o canto da sala e não vê a estante cheia de livros e revistas que deveria estar ali. Desesperado, ele procura pela casa inteira por seus livros, indaga sua esposa e filhos, mas ninguém sabe o que aconteceu com todas as obras que estavam guardadas sempre no mesmo espaço por tantos anos.

***

- William, meu caro. – fala Próspero para o neófito. – Você passou por muitas provações como discípulo até que tivéssemos certeza absoluta de que poderia entrar para o circulo interno. Agora lembre-se, o que você está vendo aqui deve ser mantido no mais absoluto sigilo. Você pode e deve usar com sabedoria os conhecimentos destes livros para o bem da humanidade, mas sem nunca expô-los ao publico ou citar suas fontes.

- Sim, mestre – concorda William girando a cabeça para ver todas as obras ali guardadas sabe-se lá há quanto tempo. – Me diga mestre... – continua o neófito pegando um livro nas mãos e apreciando a textura das páginas. – que língua é esta em que estão escritos os livros e quem foi que os escreveu?

Próspero sorri para o seu jovem pupilo e alisa com a mão sua longa barba grisalha.

- Não sabemos de onde vieram os livros, devem ter sido obra do supremo arquiteto do universo, mas a língua é semelhante a dos lusos, por isso você teve que aprender, assim como eu e todos os outros guardiões, a falar e ler a língua lusitana, assim como o fundador desta ordem.

E, olhando ao redor, William fica extasiado com os títulos e os autores de nomes diversos, e pega um livro em especial com poucas páginas e uma gravura muito realista na capa. Lendo o titulo pergunta ao mestre:

- Brasil... O que é Brasil mestre?

E Próspero, ainda alisando sua longa barba e sorrindo, acrescenta:

- É o país do futuro, meu caro William.

...Fim...

E uma rosa, por qualquer outro nome que tivesse...

Não manteria o mesmo perfume?

Romeu e Julieta - W. Shakespeare

Paulo Salgueiro
Enviado por Paulo Salgueiro em 12/11/2011
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