Labirinto de Formigas - Parte 3
Mirméxia se inteirou sobre a vida daquelas cobaias, sua história, medos, disputas guerras... "Pobres seres! A culpa é da pouca inteligência! Muito sofrimento seria poupado se eles fossem só um pouquinho mais espertos..." Procurou também o que eles entendiam por "morte". Deixar de existir? Dissolver-se a conciência? Não fazia muito sentido para Mirméxia, mas entendeu que a idéia era muito temida pelos humanos.
Percebeu claramente que eles se abalaram por ter usado despojos de um ser dissociado na criação do simulacro antropomorfo. Mas a morfologia era interessante demais, seria uma pena não poder aproveitá-la. Como fazê-lo de uma forma que não agredisse suas cobaias? Pôs-se a pensar...
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Albert era o mais impressionado do grupo.
- Preciso de uns goles, gente!!! Depois dessa, preciso de uns goles!!
- Calma, Albert! Calma!
- Voltar pro laboratório! Tenho uma garrafa lá. Preciso, gente! Preciso!!
Conseguiram convencer o amigo da inutilidade da empreitada.
- Realmente lamentamos ter-lhes causado constrangimento. Estamos trabalhando nisso... - dizia a estátua no centro daquela cavidade circular.
Ninguém, fora Allan, percebeu aquela diferença sutil: "nós"? Mirméxia repetiu o tratamento, não era deslize! Até bem pouco tempo, era sempre "eu", e agora era "nós". Algo estava acontecendo. Evitou comentar, até perceber que poderia comunicar aquilo aos colegas sem que os milhares de "ouvidos" percebessem.
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Visto de fora, o Instituto Mirmecológico não mais existia. Ou melhor, ainda existia, mas debaixo de camadas e mais camadas da terra de um gigantesco formigueiro! Os limites já ultrapassavam em muito aqueles originais do prédio, e naquele amanhecer ninguém se atrevia a entrar naquela montanha de terra para tentar entender o que acontecia dentro daqueles túneis e canais entrelaçados...
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Um exército de sombras antropomorfas começou a ser produzido dentro daquele gigantesco labirinto. Mirméxia tinha as melhores intenções ao fazer isto! Havia se afeiçoado às cobaias, realmente gostava delas! Queria ajudá-las de alguma forma.
Não precisava mais usar ossos. O que os interessava, na verdade, eram as formas. Não precisavam mais ser estruturas de cálcio. Uma réplica dura de terra com saliva era suficiente! Precisava ser uma surpresa, e Mirméxia foi construindo aquele gigantesco exército antropomorfo com ossos de terra às escondidas, sem nada revelar às cobaias.
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- Ele se foi, há horas não fala nada! Vamos sair daqui, pessoal!
Continuaram por uma passagem na parede oposta da cavidade central, seguindo com o algoritmo de "manter a parede escolhida". Caminharam horas. Determinado momento, perceberam que o próprio teto era formado de um arco de terra. Foi Pierre quem primeiro se atreveu a dar a terrível notícia:
- Caros colegas, acredito que a tempos deixamos os limites do Instituto. O labirinto que tentamos atravessar no momento está na parte de fora dele...
- Não pode ser! - se espantou Carl. - Como pode ter crescido tanto?
- Crescimento exponencial, Carl! - esclareceu Allan. - A velocidade disto pode ser espantosa!
Por mais uma ou duras horas continuaram percorrendo os túneis labirínticos, até sentirem que se aproximavam de uma sala maior, uma outra cavidade daquela megaconstrução. Bom, eles já estavam se acostumando com visões pavorosas, e nem se surpreenderam tanto ao ver aqueles vários esqueletos em pé nas paredes daquele salão de terra. Parecia abandonado, pois estranhamente não havia formiga alguma trabalhando nele. Foi só ao entrar que perceperam existir,além daquelas caveiras coladas às paredes, pilhas organizadas no centro do salão com crânios, costelas, fêmures, omoplatas, etc...
- Ai ai, estamos perdidos! Eles atacaram de novo, e parece que agora foi bastante gente! - Will tremia como vara verde.
Mas albert foi mais corajoso. Se aproximou de uma pilha de crânios, pegou um deles, cutucou com o dedo. Enfim concluiu:
- Não são ossos de verdade, gente! São bem duros, com certeza! Mas, definitivamente, são feitos de terra!
- Apenas réplicas de ossos?
- Exatamente, Pierre!
Era inexplicável a finalidade daquilo. Aqueles ossos terrosos emergindo das paredes, enfileirados, lembravam bem uma linha de produção! Mas de quê?
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Meia dúzia de seres de forma humana, ossos de terra recobertos de formigas, adentraram aquela sala.
- Esperamos que agora estejamos mais apresentáveis a vocês.
Ninguém pensou em criticar. Pierre, o porta-voz oficial, foi quem respondeu:
- Também nos desculpamos. Reconhecemos vossa intenção em nos agradar.
Aquela mudança de pronome de tratamento não passou despercebida para Allan, que a muito continha suas conclusões. Teria Pierre também percebido a mudança? Decidiu esperar um pouco mais.
- Estamos agora formando um imenso exército de formas antropomorfas. Decidimos, assim que possível, contactar vossas autoridades e assumirmos a custódia sobre suas vidas.
- Como assim? Por quê?
- Pesquisamos sobre vocês. Gostamos de vocês! Queremos protegê-los!
Todos imaginaram quantos milhares daqueles robôs biológicos, formado por réplicas ósseas recoberta de formigas, estavam agora sendo criados naquele exato instante. Uma pergunta não saía de suas cabeças, que os cinco proferiram quase que uníssonos:
- Nos proteger de quem?
- Queremos protegê-los de vocês próprios!
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Ninguém acreditou quando começaram a surgir aquelas figuras medonhas, enfileirados, marchando para fora do hiperformigueiro no qual tinha se transformado as redondezas do antigo Instituto Mirmecológico. Zumbis? Caveiras recobertas de camadas de formigas? Que significava aquilo tudo? Que experiência doida era aquela que os cientistas estavam aprontando agora?
Mas os "soldados" de formiga não conseguiam chegar longe. Na primeira meia dúzia de passos, todos sem excessão caíam e alimentavam ainda mais aquelas pilhas de ossos... de terra? Tudo aquilo era surreal demais, incompreensível! A multidão em volta se dividia entre correr de medo e permanecer observando, curiosos. A maioria se decidia pela última alternativa...
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Alan chamou Pierre para um canto e cochichou baixo, o quanto ele considerava suficiente para que não houvesse possibilidade de Mirméxia ouvir a conversa.
- Você também percebeu a diferença, Pierre? Nos pronomes?
- Sim, faz algum tempo. Ele não se refere mais a si mesmo como "eu", mas como "nós". Sabe o que significa?
- Tenho uma teoria. Acho que ele cresceu demais, está se dividindo.
- Como assim?
- Está grande demais para manter uma consciência coesa única! Precisou se separar em algumas consciências separadas que, embora intimamente conectadas, são separadas. Ao invés de "Mirméxia", acho que ele virou "Mirméxias""...
- Ah Allan! Plural do plural? Que absurdo.. Mas deixa pra lá! Entendi o que você quis dizer. Podemos tiram alguma vantagem disso?
- Estou pensando... Talvez sim!
- Continue pensando! Me avise se chegar a alguma conclusão.
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Mirméxias haviam cometido um erro de planejamento. Expandir e agregar células de processamento ao sistema aumenta a inteligência até certo ponto, mas existe um limite! Existe uma "barreira de consciência", uma divisão delimitando até que ponto a consciência individualizada consegue se manter coesa. Sabem por que não somos gigantes? Quanto maior a estrutura, mais tempo a informação leva para se propagar a seus extremos.
Havia também o problema da memória: para que uma consciência emergente se mantenha, ajuda bastante ela ser capaz de lembrar que "existia" pouco tempo atrás também! Era indispensável ela poder se lembrar que "já existiu" antes, acessar rapidamente suas memórias.
As cobaias, apesar da inteligência limitada, tinham uma enorme vantagem quanto a este aspecto: por registrar suas memórias em sua própria estrutura de células nervosas na forma de sinapses, eram capazes de carregá-las para onde fossem. Ele não podia fazer isso. Grande parte de sua memória mais valiosa estava registrada quimicamente nas paredes dos terrários e labirintos em vidro e acrílico dos laboratórios. E naquele formigueiro hipertrofiado já ficava complicado acessar as informações registradas neste núcleo. O delay era muito grande! Além disso, a terra era um meio bem menos eficiente para armazenar memórias mais complexas na forma de feromônios. Porosa, os odores se mesclavam, as memórias ficavam embaçadas e difusas. Ele não tinha a vantagem da memória portátil das cobaias. Ele? Ele quem? Era estranho, mas não conseguia mais lembrar o próprio nome...
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- Precisamos voltar aos laboratórios! Mirméxia se expande. Tenho certeza que já estamos fora do instituto a bastante tempo!
- Como assim?
- Estamos na parte "de fora", numa continuação de galerias estendida para além dos limites das paredes originais.
- E como voltamos?
- Temos esta parede que não paramos de marcar com tinta, não é? Vamos voltar, tomar o entido contrário.
- Mirméxia não vai nos barrar a entrada? Não encontraremos portas fechadas, como antes?
- Tenho um palpite... Acredito que não!
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O exército estava a postos fora do gigantesco formigueiro. Ao ficar claro que aquelas medonhas sombras não poderiam reagir, resolveram iniciar a invasão.
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- Fechem bem estes terrários! Hermeticamente agora!
Pierre distribuiu tubos de silicone a todos, empenhados na nova tarefa. Enfim não encontraram obstáculos: voltaram pelo caminho de onde vieram, e encontraram as portas escancaradas!
- Qual a idéia?
- Meu palpite é de que a parte mais importante das memórias de Mirméxia estão gravadas quimicamente nestas paredes de vidro e acrílico dos terrários e labirintos. Se impedirmos seu acesso, talvez sua consciência se vá.
Sentiram-se cometendo um crime fazendo aquilo, como se fosse uma forma de assassinato... mas era necessário! Além disso, haviam perdido o colega Maxwell! Por mais vergonhoso que pudesse parecer este sentimento, havia sim uma pontinha de vingança naquilo tudo, além do próprio instinto humano de auto-preservação.
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A consciência pouco a pouco de dissolvia, se diluía naquele enorme formigueiro. Em minutos se tornaram formigueiros desconexos, sem unidade. Livres da coordenação da onipresente consciência anterior, a pressão evolutiva falou mais alto, e as diferentes espécies de formigas que antes cooperavam agora começavam a lutar. As especializações também passaram a ser desnecessárias: células de processamento e sensoriais pararam de ser produzidas, dando lugar ao velho esquema de soldados, operárias e reprodutores. Mirméxia retornava ao Limbo, as várias espécies de formigas em torno do instituto voltavam às velhas estruturas desenvolvidas ao longo da última centena de milhões de anos.
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Livres da onipresença de Mirméxia foi fácil encontrar a saída daquele labirinto. Algumas centenas de soldados também já os procurava a algum tempo, possibilitando aplicar "algoritmos de inundação" na procura do caminho até a saída. Levaram para fora os restos mortais de Maxwell, para um sepultamento digno. Derrubaram as paredes labirínticas daquele gigantesco formigueiro com certo pesar no peito. Reorganizaram o instituto. Não mais fariam experiências com formigas: já possuiam material de estudo suficiente, e preferiam não correr riscos até compreenderem exatamente o que havia acontecido.
Com o passar dos meses, o Instituto Mirmecológico foi pouco a pouco cedendo lugar ao novo Instituto de Bio-Computação.
( continua...)