Labirinto de Formigas - PARTE 2

- Ai ai ai, tudo mesmos isso... Por quê? Por quê??!! - Allan estava incontrolado.

- Fique perto, Allan! Vai acabar se perdendo!

- Eu odeio labirintos! ODEIO!!! Por que isto tinha que acontecer logo comigo??

Pierre e Albert agarram Allan até que ele se acalmasse, temendo que acabasse perdido naquela confusão de túneis e bifurcações.

- Como eles construíram tudo isto aqui em tão pouco tempo, Pierre? Não deve fazer nem umas 4 ou 5 horas que acabamos de entrar por aqui, em direção a nossos laboratórios...

- Elas se especializaram rápido, se adaptaram. E uma vez tendo encontrado a saída dos terrários, nada mais podia conter sua multiplicação exponencial.

- Mas que tipo de coisa é esta? Você disse algo a respeito de sermos cobaias, não é? Cobaias de quem?

- Tudo o que sei é que passamos meses treinando as várias colônias em nossos labirintos. Acho que elas foram aprendendo, se organizando... ficando inteligentes.

- Bah!! Formigas inteligentes? - Maxwell continuava nervoso. Olha uma trilha de cerca de uma dúzia delas no chão, e as pisoteia sem piedade. - Olha aqui o que eu faço com essa inteligência toda!!

- Maxwell, eu evitaria fazer este tipo de coisa agora, na situação em que estamos.

Maxwell levanta uma das formigas pisoteadas do chão, que ainda agonizava.

- Inteligência onde, hein? Cadê a inteligência neste bichinho fedido aqui, cheirando ácido fórmico? - mas solta a formiga com um palavrão, depois de levar uma bela mordida.

- Calminha aí, Maxwell. Não sabemos ainda com o que estamos lidando, e acho mais prudente por enquanto tratar esses insetos com respeito. - conclui Albert.

- Respeito... respeito... Assim que encontrar uma boa barra de ferro, vou botar abaixo esta porcaria toda!

- Tá, mas enquanto não a encontra, nos ajude a pensar uma forma mais inteligente de sairmos daqui, tudo bem?

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Formigueiro percebeu que poderia ter dificuldades com aquela cobaia que era reconhecida pelas demais pela sequência de fonemas /m/a/k/ss/u/e/u/. Aquela dúzia de células braçais danificadas significavam absolutamente nada, mas infelizmente ele precisaria se defender se a ameaça de danificar as paredes do experimento se concretizasse. Formigueiro esperava que isto não fosse necessário, pois inutilizar uma das cobaias não estava dentro de seus planos.

Pôs-se a observar, visual, auditiva e olfativamente. Já havia testado as cobaias individualmente. Queria agora entender como interagiam aquelas células de processamento enormes na solução de um problema proposto.

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- Está bem claro que, como somos poucos, não poderemos usar nenhum algoritmo do gênero dos "algoritmos de inundação" para sairmos daqui. - concluiu Allan, mais calmo e conformado com a situação.

- O pátio era grande, mas nem tanto. - completa Carl. - O labirinto não deve ser maior que ele.

- Se for um labirinto bidimensional isto é fato. E parece ser o caso, para nossa sorte. Outra questão é a seguinte: será que ele tem mesmo uma saída?

Pierre sugere:

- Se o objetivo deles é nos testar, certamente tem. Que sentido faria submeter cobaias a resolver um problema insolúvel?

- Ótima observação, Pierre! Suponhamos então que o labirinto é bidimensional e tem uma saída. Que estratégia usaremos então para encontrá-la?

- Caminhar ao acaso e marcar o caminho com alguma coisa, fazendo o papel de feromônios? Como as próprias formigas fazem?

- Péssima idéia! Isto só funciona bem para as formigas porque a quantidade dos buscadores de saída é enorme! Além disso, não teríamos como simular uma característica importante dos feromônios que é se evaporar com o tempo, caso não sejam reforçados. É o que faz as trilhas até os becos sem saída sumirem, enquanto os caminhos promissores, mais percorridos, são reforçados. Não, nós não temos nem a quantidade nem os marcadores adequados para imitarmos o algoritmo usado pelas formigas.

Maxwell ouvia impaciente aquela conversa de doidos, esperando apenas encontrar algo que pudesse usar para abrir à força seu próprio caminho.

- Outra característica interessante de se conhecer é se existem ciclos neste labirinto, caminhos que nos levariam a andar "em círculos" sem parar. Talvez a idéia de usar algum marcador seja interessante sim, mas para evitar este tipo de armadilha, e não para simular o comportamento das formigas.

- Apoiado! Podemos procuram alguma tinta por aqui (lembro que o pátio estava em reforma) e marcarmos as paredes de tempos em tempos para termos certeza de que não estamos sempre voltando ao mesmo lugar.

- Nós também apoiamos a idéia! - concordam Will, Carl e Albert em uníssono.

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Apesar da troca de informações bem ineficiente, definitivamente as cobaias eram capazes de cooperar entre si na busca de soluções para um problema. Formigueiro só não compreendia ainda o que eram aqueles fonemas /f/o/r/m/i/g/a/s/ que eles emitiam tão insistentemente. Mas sentia que era algum tipo de referência a ele próprio, ou parte dele. Será que era assim que eles denominavam aquelas paredes de terra?

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Andaram alguns minutos a esmo pelos corredores. Podiam mesmo estar caminhando em círculos, mas sem pontos de referência perceptíveis seriam incapazes de descobri-lo. Mas felizmente encontraram uma lata de tinta, e poderiam agora marcar de tempos em tempos sua localização para evitar esta armadilha desagradável.

- E se, a cada bifurcação, escolhêssemos sempre a da esquerda, por exemplo?

- Não funciona. Que fazemos ao encontrar um corredor sem saída? Voltamos ao entroncamento e escolhemos de novo o da esquerda?

- Óbvio que não! Escolhemos o outro que não foi seguido ainda!

- E se tivermos percorrido dezenas de entroncamentos antes de chegar a este último, como saberemos dos anteriores quais já foram tentados pela esquerda?

Albert tirou um caderninho do bolso:

- Podemos numerar as bifurcações, e eu vou anotando aqui quais direções já foram seguidas.

- As anotações não caberão aí. Além disso, se realmente cairmos num ciclo, você vai precisar anotar infinitas folhas sem nunca sairmos do mesmo caminho... - reclamava Maxwell, pessimista.

- Lógico que não! O objetivo de marcar a parede com tinta não é exatamente detectarmos quando tivermos entrado em tais ciclos?

- Albert, a idéia é boa, mas inviável. - esclarece Allan. - Esta é exatamente uma variação seqüencial do "algoritmo de inundação", cujo motivo de não funcionar em tempo hábil eu já expliquei: existem poucos de nós aqui para paralelizar o processo de busca...

- Proponha um então!

- Estou quase me lembrando de um. Me dêem mais tempo, tudo bem?

É nesse instante que todos percebem Maxwell, ensandecido, desferindo golpes de machadinha nas paredes daquele labirinto. Tão intensa era sua raiva que mal percebe aquela medonha massa de formigas subindo pelas suas pernas e seus braços.

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Formigueiro tentou resistir, mas aquela agressão era bem mais séria e ele não teve outra opção a não ser se defender! Os danos naquela parede estavam prejudicando a experiência, e, além disso, os golpes doíam!!! Cortadeiras de várias espécies envolveram todo o corpo da cobaia e começaram a picar aquela película elástica externa, esperando que isto parasse com a agressão. Um líquido pegajoso começou a brotar de toda a superfície da cobaia. A viu caindo, definitivamente inutilizada. Uma pena, perda lastimável, mas foi necessário. Porém achou logo um proveito para aquilo! Pensou: "não queria perder esta cobaia, mas visto que foi inevitável, é uma excelente oportunidade para eu começar uma autópsia desta criatura tão estranha". E foi assim que Formigueiro começou a retiras e estudar os músculos, os vasos sanguíneos, entrou pela traquéia para aprender um pouco mais sobre aquele aparato produtor de fonemas, subiu pelo nariz até chegar ao cérebro... Sim, havia muito o que aprender sobre a anatomia daquela criatura!

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Incrédulos, os companheiros presenciaram aterrorizados o velho Maxwell sendo pouco a pouco reduzido a ossos, único órgão resistente o bastante para não ceder às mandíbulas das centenas de milhares de formigas cortadeiras sobre seu corpo. Tremiam dos pés à cabeça, e ninguém de atreveu a reclamar os restos mortais do amigo. Continuaram percorrendo o labirinto, procurando sair logo daquele inferno.

- Lembrei de um algoritmo! - diz Allan.

- Então diz logo! Não vejo a hora de sair daqui...

- É um algoritmo de força bruta, mas se existir mesmo uma saída e não tivermos o azar de escolher de cara um caminho cíclico, vai nos levar com certeza ao final.

- E qual é?

Allan olha para as paredes daquele corredor atual, e pergunta:

- Parede da direita ou parede da esquerda?

- Diz logo qual a idéia, Allan!!

- É escolher uma das paredes e segui-la, onde quer que ela nos leve! Se encontrarmos um beco sem saída, vamos até o fim, seguimos a parte fechada, e continuamos pela parede oposta. Se existir uma saída daqui e não tivermos logo de cara o azar de escolher uma parede que nos leve a um ciclo, vamos acabar saindo!

- Bom, estamos marcando o caminho com tinta exatamente para descobrirmos se estamos ou não percorrendo um ciclo, não é? Se acabarmos descobrindo que tivemos este azar, basta escolher outra parede e continuar aplicando seu método!

- Não tinha pensado nisso...

Após aqueles breves minutos de terror, a esperança enfim voltou a brilhar no rosto dos cientistas restantes.

- Que estamos esperando então? Vambora!!!

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Formigueiro reconheceu que de fato havia subestimado o baixo QI daquelas criaturas. A idéia que ele acabara de decodificar naqueles fonemas captados pelos sensores auditivos era realmente brilhante! Nem ele pensaria numa solução tão boa utilizando tão poucas células de processamento. Começou a se interessar mais pelas cobaias, desejou estabelecer algum tipo de contato maior com eles. Mas como? A recente autópsia, embora trágica, poderia lhe indicar os meios. Entre outras coisas, ele poderia perguntar o que significava aquele odor característico de adrenalina que as cobaias emitiam sem parar, praticamente aos berros do seu ponto de vista, acostumado a se comunicar e expressar idéias pelo eficiente meio químico.

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- Está dando certo?

- Acho que sim. Percebeu que até agora não caímos em ciclos? O ente, inteligência, ou o que quer que seja, provavelmente não os colocou neste labirinto. O caminho que liga a entrada à saída deve ser único, sem ciclos internos criando alternativas mais longas.

- Então que ninguém perca esta parede, certo? Continuem com as mãos encostadas nela e... sempre em frente, pessoal!

Olharam para cima, o teto do pátio. Sim, as paredes chegavam até ele! Uma solução "pulando os muros" era impossível, eles eram forçados a percorrer aquele labirinto sem trapaça alguma mesmo! O que os preocupou, olhando para o teto translúcido acima, era que começava a escurecer!

- Sei que a pergunta pode ser totalmente besta mas... por algum acaso, ninguém aqui trouxe uma lanterna não?

- Não.

- É que vai escurecer daqui a pouco. Cadê esta saída, que não aparece logo?

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Formigueiro compreendeu muito bem a queixa de Will. Escuridão, ausência de luz, células ópticas sem função... Sim, seria ruim para ele também! Mas haviam inúmeras luminárias no teto, que ele sabia muito bem como ativar. Foi neste exato instante, em meio à penumbra, que fêz-se a luz!!

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- Não sabia que as luzes do pátio acendiam automaticamente!

- E não acendem, caro Carl.

- Isso quer dizer então que...

- Isso mesmo! Além de nos ver, acho que Ele, quem quer que seja, também pode nos ouvir.

- E entender o que dizemos?

- As luzes estão acessas, não estão?

- Mas afinal, Pierre, quem é este "Ele" que você tanto fala?

Pensa um pouco. Enfim, consegue dar forma à explicação que buscava faz bastante tempo.

- Senhores, como vocês acham que funcionam nossos cérebros?

- Ora, um aglomerado de neurônios se comunicando...

- Não um aglomerado qualquer. Uma estrutura bem definida, não é? Diferenciados, com funções bem estabelecidas.

- E as formigas com isso?

- Imagine que cada formiga seja um neurônio.

- Ah não! Não me venha com estas idéias malucas!

- Olhe em volta, meu caro! Algo não inteligente seria capaz de erguer este labirinto?

Allan vem em defesa do amigo:

- Faz sentido, Pierre! Isolados, nossos neurônios também não são tão inteligentes assim. Só quando processam em conjunto, um conectado ao outro, é que começa a surgir comportamento inteligente!

- Vejam bem que nossos neurônios são imutáveis. Nem se reproduzem mais, nem mudam de função, de estrutura dentro do sistema nervoso. No máximo surgem memórias em nossas sinapses na forma de registros químicos.

- Mas as formigas não são células. São organismos completos, com seus próprios cérebros, próprios olhos, pernas, etc... Tá aí: os neurônios não têm pernas, não saem do lugar!

- E acha que isto é desvantagem para as formigas? Eu já penso o contrário de você. Se inertes eles fazem o que fazem, sem nunca poderem se deslocar dentro do cérebro, imagine se pudéssemos deslocá-los para onde quiséssemos, desenvolver novas estruturas cerebrais de acordo com nossa vontade, para resolver problemas recém aprendidos. Imaginou aonde chegaria nossa inteligência se isto fosse possível?

- Mas não é.

- Para nós não. Para uma colônia de formigas, sim!

- Você está dizendo que...

- As formigas em nossa volta são os neurônios, músculos e células sensitivas de um Formigueiro incrivelmente inteligente.

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Formigueiro se empenhou muito em construir aquela réplica humana em terra. Uma estátua imóvel, sem dúvida nenhuma, mas ele sentia que o fato de existir uma réplica antropomórfica na frente deles facilitaria a comunicação com as cobaias. Estava quase terminando a réplica funcional do aparelho fonador. Uma vez que a estátua de terra não poderia sair do lugar, Formigueiro precisava atraí-los até lá. Começou a estudar que símbolos gráficos poderia formar para atraí-los.

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Por ser totalmente inusitado, eles demoraram para entender o que viam. Uma fileira de formigas negras no chão? Agrupadas como? Depois de alguns minutos, ficou tão claro que só um imbecil não perceberia: elas formavam a figura de uma seta, apontando o caminho a ser seguido. Começaram novamente a liberar aquele odor de adrenalina que tanto intrigava Formigueiro, mas decidiram arriscar: seguiram as setas formadas no chão pelas formigas!

- E se for uma armadilha?

- Essas formigas aqui não se alimentam de carne. - tranqüilizou Pierre. - Me certifiquei disso quando escolhi as espécies.

- Mas você viu o que aconteceu ao pobre Maxwell, não viu?

- Acredito que só se defenderam. A intenção não foi se alimentar.

- O que elas querem conosco então?

- Como vou saber? Além disso... temos algo a perder? Vamos lá!

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Formigueiro se orgulhou de sua réplica, mas achou que ainda poderia fazer melhor. Era só uma idéia, por enquanto. No momento, esta estátua humana bastava! Após estudar a cobaia dissecada, viu a necessidade de um fole interno capaz de sobrar ar que fazia vibrar pregas musculares no meio da traquéia. Aquele longo tubo começando na boca da estátua ligado ao fole interno formado de folhas coladas com saliva cumpriria bem esta função. Algumas células de pernas suficientemente elásticas agrupadas para simular as pregas vocais seriam capazes de imitar razoavelmente os fonemas vocálicos, mas Formigueiro ainda precisava de estruturas na saída da “traquéia” para modular estas vogais nas consoantes que também faziam parte daquela língua primitiva: lábios, uma língua, talvez uma abertura secundária simulando o nariz, capaz de anasalar os fonemas... Não seria perfeito, mas Formigueiro achou que seria capaz de estabelecer um diálogo inteligível.

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À medida que se aproximavam da ala central do labirinto, de formato circular, ficava cada vez mais forte o cheiro acre do ácido fórmico!

- Percebem que as paredes ficam cada vez mais curvadas? Não tinha pensado nesta possibilidade.

- Que possibilidade?

- Deste ser um labirinto circular, com paredes formando círculos concêntricos.

- Estávamos muito longe antes, a curvatura não era perceptível.

- Sim, de fato. Mas este conhecimento a priori poderia nos sugerir algoritmos mais eficientes de busca.

- Quais?

- Deixa pra lá! Depois explico... Vamos ver onde estas formigas estão nos levando!

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Foi complicado fazer aquela réplica respirar! Formigueiro decidiu enfim copiar o mecanismo aprendido na autópsia, e colocou abaixo do fole de folhas uma superfície de atuadores elásticos extremamente compacta, funcionando como um diafragma dentro da estátua.

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- Mas que cheiro horrível!!!

- Cheiro de formiga, hehehe!! - brincou Allan, mas apenas para disfarçar o nervosismo generalizado. - Agüenta! Não acho boa idéia comentar sobre o odor de nosso anfitrião logo no primeiro contato.

- Chhhhegem!! Chhhhhegem! "SSSSejum" bem vvvindossss...

- Quem disse isso?

A voz definitivamente não era humana!

- Esssste odor de ade-re... aderenalini. Vosssêsss por que emitem??

Pierre tomou a dianteira.

- Por que estamos nos borrando de medo, é por isso!

- Que ssserrr este fonema: "/b/o/rr/ã/d/o/"? Naum comprrrreeendo.

Pierre pensa em esclarecer: "estamos nos cagando de medo do que vamos encontrar aí dentro!", mas acha melhor ser mais polido.

- Temos muito medo que você nos machuque, como fez com Maxwell. - evitou falar em "morte", por não ter certeza de que Formigueiro compreenderia tal conceito.

- Falassss do /m/a/k/ss/u/e/u/... comprrrreendo. Lamento pressizzzar inutilizzzar, massss ele me feria, me deffendi. Entrem, entrem!!

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Formigueiro não se continha de excitação! Tudo bem que aqueles serem nem fossem tão inteligentes assim, mas... eram uma inteligência dentro de uma espécie diferente da dele! Isto realmente era excitante, estabelecer tal tipo de contato! Ele fez o seu melhor para que aquele encontro fosse agradável, inclusive tentando criar uma cópia em terra de seus interlocutores para que eles se sentissem mais à vontade, conversando de igual para igual.

Muitas dúvidas ainda ficaram depois daquela autópsia. Aqueles seres de quatro patas eram células de processamento? Ou eram entidades complexas? Formigueiro picou inúmeras vezes os tecidos daquela cobaia, sem nunca chegar à unidade básica. Será que a criatura toda era a unidade básica? Mas, grande daquele jeito, como conseguiam se replicar a uma velocidade aceitável? Formigueiro concluiu que suas unidades básicas deveriam ser bem pequenas, menores do que as mandíbulas de suas cortadeiras eram capazes de separar. Mas unidades tão pequenas assim não deveriam ter a mesma complexidade de suas células articuladas de seis pernas. Muitas dúvidas existiam. Talvez o melhor mesmo para saná-las fosse o contato direto, que estava prestes a acontecer.

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Guiados pela trilha de formigas em forma de setas, chegaram enfim ao salão circular no centro daquele labirinto circular. Tom,aram a precaução de marcar o caminho com a tinta, obviamente. Se é que voltariam...

Estavam preparados para quase tudo, exceto para aquilo que de fato presenciaram: uma coluna de terra de forma evidentemente antropomorfa coberta por uma rede de formigas de todas as cores e tamanhos. Num bulbo superior, a cabeça da figura, se viam no lugar dos olhos os dois discos compactos de formigas que eles já estavam acostumados. Dois orifícios no centro da "face" eram as narinas. Esperavam um orifício maior na parte inferior, onde estaria a boca. Ele de fato existia, mas à sua frente formigas de pernas elásticas se aglomeravam, formando duas pregas que faziam o papel de lábios.

- "Naum" tenham medo. Lamento muito precisarrr dissociar /m/a/k/ss/u/e/u/, mas ele me agredia. "Naum" precissssarei reagggirrr, se vosssês "naum" atacarem.

- Por que nos trouxe aqui?

- Como reprrressentante de vinte porcento da biomassssa animalll do planeta, pretendo essstabelecerrr com vosssês um acorrrdo de convivência pacífffica. Além disssso, gossstei de vosssês! Me impressssionei em verrr como conssseguem fazzzer tanto com "taum" pouca inteligggência!!

- O quê? Como você define "pouca inteligência" ?

Ouvindo e observando como os fonemas eram pronunciados, Formigueiro aprendia e se aperfeiçoava. Começava a corrigir os erros mais grosseiros, como sua tendência a exagerar nas consoantes sibiladas.

- Noções básicass de lógica, por exemplo. Vocês até concluem correto ao se esforçarem, mas demoram. E tem esta adrenalina, por exemplo, que costuma estaragar tudo. Como chhhhamam mesmo? Medo?

- Um sentimento irracional!

- Não consigo compreendê-lo.

- Quando Maxwell te atacava. Você temeu pela existência?

Formigueiro reviveu aquela situação. Ainda estava memorizada quimicamente em forma de feromônios nas paredes do labirinto. Medo? Aquela reação foi medo?

- Doía, me fazia sofrer... reagi! Queria fazer este sentimento parar.

- Por quê?

- Era... qual é messssmo o termo que vocês usam? RUIM, acho que é isso!

Carl chamou Pierre para o canto, e cochichou em seu ouvido:

- Será que você ainda não notou que estamos conversando com uma estátua?

- Carl, para com isso! Não vê o quanto ele se esforçou para nos parecer o menos repugnante possível? Quis até se apresentar como uma réplica nossa!

- Para mim, o tiro saiu pela culatra. Isto é a coisa mais estranha pela qual já passei na vida, e com toda certeza pela qual vou passar pelo resto da vida. Bom, isto se conseguirmos sair vivos daqui.

- Relaxa! De formiga eu entendo!

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Recoberta e reorganizada a estrutura calcária na configuração original, a sombra tentou se levantar. Não era fácil conseguir equilíbrio. Caiu várias vezes, mas era persistente: estava determinada a resolver mais aquele problema físico, o do equilíbrio dinâmico!

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Formigueiro observava confuso aquelas cinco figuras à sua frente. Embora pouco inteligentes, eram entidades individualizadas. Por que não tentavam se agrupar, formar uma entidade única com a inteligência somada? Aquelas criaturas, para Formigueiro, eram uma gigantesca incógnita! Para ele, agregar consciências era o caminho natural, a única atitude verdadeiramente lógica! Somar inteligências, memórias e aprendizado estava sempre acima da preservação de individualidade! Para que separar aquilo que era muito mais produtivo somado?

- Por quê vocês não se agrupam?

- Oras, nos agrupamos sim! Vivemos em sociedade!

- Mas me parecem heterogêneos! Não têm as mesmas vontades, não seguem todos a mesma direção... Não é lógico. Não seria mais fácil todos concordarem? Cooperarem para atingir o mesmo objetivo?

- Isto é Utopia.

- Não compreendo este termo. Por favor, me definam a seqüência fonética /u/t/o/p/i/a/...

Os cientistas se entreolhavam. Não era possível que estavam debatendo filosoficamente com... formigas! Apenas Allan e Pierre pareciam fascinados com aquilo tudo.

- Como devemos chamá-lo?

- Chamar-me?

- Sim, um nome! Uma representação vocal de sua individualidade! Qual seria?

Formigueiro nunca havia pensado nisto. Uma representação fonética de sua individualidade? Isto parecia importante! Merecia maior reflexão. Consultou registros de línguas antigas daqueles seres, e finalmente elaborou um conjunto de fonemas que lhe agradava:

- Podem me chamar de Mirméxia!

- Certo, Sr. Mirméxia. Ou senhora Mirméxia?

- Para mim é indiferente! Uma minúscula parte de minhas células possuem diferenciação sexual. Me chamem apenas de Mirméxia, aquele que é formado de vários mirméx...

- Certo, Mirméxia. - Pierre havia assumido de vez o papel de porta-voz daquela pequena representação humana. - Pode nos mostrar como sair daqui?

- Posso.

Esperaram por vários minutos esperançosos. Mas, percebendo enfim que nada acontecia, Pierre repetiu:

- Mirméxia, pode nos mostrar como sair daqui?

- Posso, com certeza!

- Então... por que não nos mostra?

- A experiência ainda não acabou!

- Mas você disse que pode nos mostrar como sair!

- De fato eu posso sim. Mas não disse que VOU mostrar.

Albert chega para Pierre, falando baixo:

- Pierre, vamos acabar logo com isso! Vamos destruir esta estátua!

- Está louco? Quer acabar como o pobre Maxwell? Além disso, esta estátua não é Mirméxia, mas apenas uma interface dele conosco! Destruí-la de nada vai adiantar, exceto, lógico, irritá-lo um pouco mais. Algo que, depois do que vi, realmente não quero mesmo!

- Mas...

- Calma! Calma! Já notei que, apesar de incrivelmente inteligente, ele é estritamente lógico! Disse que “posso” mostrar, mas não que “vou” mostrar? Isto é lógica pura, “a+b=c”. Vou conversar com Allan, talvez possamos tirar vantagem disso!

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Aquela interface estática parecia limitada demais. As cobaias achavam que não, mas Formigueiro, recentemente autodenominado Mirméxia, percebia com clareza aqueles fonemas emitidos da boca para o ouvido, numa tentativa inútil de evitar sua propagação em forma de ondas de pressão. Óbvio que ele percebia o clima de conspiração, mas raciocinou que tudo aquilo era justificável por aquele sentimento adrenalínico que eles denominavam... (como mesmo?)... medo?

Mirméxia tentou continuar aquela conversa, apenas para que tivesse tempo de dar forma a uma interface, um representante seu mais elaborado, mais parecido com suas cobaias. Enfim, estava concluído!

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A sombra finalmente conseguira ficar em pé! O que lhe faltava eram sensores de posição semelhantes ao labirinto dentro do ouvido humano. Formigas sensitivas penduradas de ponta cabeça no orifício auricular daquela estrutura eram substitutas perfeitas! Enfim pôde aprender a compensar o deslocamento do centro de massa do corpo, e desta forma se manter ereto. Precisava agora aprender a andar...

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A figura que surgiu numa das portas daquele salão central circular era digno dos piores filmes de terror que qualquer um deles já havia assistido. Lembram dos ossos de Maxwell que haviam deixado para trás com medo de represálias? Mirméxia decidiu usá-los como base para um novo representante, mais interativo,com suas cobaias. Formigas de uma espécie bastante forçuda reuniram as juntas ósseas recentemente separadas. Aquelas já famosas formigas elásticas, antes simulando os papéis de boca, língua e cordas vocais na cópia humana estática, se replicaram e faziam agora o papel de músculos daquele esqueleto reaproveitado. Uma rede densa, processadora de informações, era a nova pele do antigo esqueleto de Maxwell. Nas órbitas oculares da caveira, adivinhem o que havia? Isso mesmo, os dois discos de formigas observadoras oculares! Dentro da anteriormente oca caixa craniana (o cérebro já havia sido extraído a muito tempo a fim de que Mirméxia tentasse estudar sua estrutura!) uma rede de células processadoras tentavam fazer com que o conjunto tivesse certa autonomia na tarefa de representação da entidade principal. O ser medonho, que também possuía um aparato emissor de fonemas, começou a falar:

- Começo a ter uma idéia do que vocês sentem como seres individualizados, mas isto não me traz uma sensação muito boa.

Era indescritível o pânico de todos vendo o antigo colega "ressuscitado", mas na forma de um autômato controlado por formigas.

- MIRMÉXIA!! - foi Pierre o primeiro que teve coragem de se manifestar. - Isto nos é repugnante!!!

Pela primeira vez em sua recente existência plenamente consciente, Mirméxia sentiu o desapontamento. Ele se esforçou tanto para agradar! Que reação inesperada era aquela?

- Me explique! Não entendo o que fiz de tão horrível...

- Está usando restos de nosso amigo morto!

- Restos? Morte? Não compreendo! Me pareceu uma excelente matéria prima, adequada ao que pretendia criar!

- É desrespeitoso! Não se faz isto que você acaba de fazer.

- Definitivamente, não compreendo vocês!! - Foram as últimas palavras daquele zumbi medonho.

As formigas começaram a abandonar o esqueleto, e rapidamente só restaram os ossos de Maxwell numa pilha, sobre o chão, na entrada daquela sala central. As formigas voltaram a assumir seus postos na estátua central, antes desocupada. Meditou sobre o que acabara de presenciar. Consultou registros magnéticos e ópticos dos laboratórios, tentando entender um pouco mais suas cobaias. Começava a gostar delas!

(paciência!!! ainda não acabou...)