A Verdadeira Máquina do Tempo - parte 7

- Tenho grandes novidades -disse enquanto, abraçado a ela, subiam a escada.

-Tenho certeza que sim. Já aprendi a reconhecer em você o entusiasmo das suas descobertas. Quero ouvir tudo detalhadamente, mas não sem, antes, preparar o café do jeito que gosta; mas, que tal um bom sono, primeiro?

-Não, não; estou ótimo. Acho que descansei o suficiente.

No banho, era todo expectativa. Seus pensamentos giravam em torno de cada palavra e cada gesto da criatura. Não via o momento de descer novamente ao laboratório e dar prosseguimento aos testes e pesquisas. Ao lado da xícara de café à mesa da cozinha com Janet, apostilava os detalhes da aparição, da conversa e dos feitos inacreditáveis do humanoide. A mulher, submergida pela narrativa, deixava-se levar pelo entusiasmo de Peter e incentivava-o a continuar, pedindo pormenores do ocorrido. Deixou claro para ela a dificuldade de provar ao mundo científico que é possível viajar-se através do tempo ou visitar outras dimensões do espaço-tempo sem que seja preciso utilizar uma máquina do tempo. Explicou que a máquina que vinha há anos vislumbrando é o próprio tecido do espaço-tempo e para viajar no tempo ela deve ser rearranjada adequadamente; o modelo da máquina seria apenas teórico; seguindo este raciocínio bastaria curvar o tecido do espaço-tempo de forma adequada, fazendo-o fechar e formar um “loop”, onde o presente se encontraria com o passado.

- Ou seja - continuou Peter - se criasse uma máquina do tempo - uma área com uma dobra no espaço que permita que as linhas do tempo se cruzem - isso poderia permitir que as futuras gerações voltassem para visitar o nosso tempo.

-E nós, poderíamos voltar ao passado? - perguntou Janet, repleta de curiosidade.

-Não, porque nossos antepassados não poderiam criar essa infraestrutura para nós.

Aproveitou aquela manhã para descansar, mas nem bem começara a tarde e lá ele já estava, as voltas com seus cálculos e suas porções. Tão concentrado esteve entre fórmulas, gráficos e equações que só foi perceber de fato a alteração processada pelo humanoide quando a noite já se anunciava. Andou ao longo da mesa, manipulando tubos de ensaio e estudando alguns rótulos, quando algo lhe chamou a atenção: a coloração e quantidade do que havia disposto nos balões não toava com o que via a sua frente. Assim, dirigiu-se à mesa de trabalho e vasculhou suas gavetas. Encontrado o bloco com as anotações do que havia feito em detalhes, sentou-se e passou a estudá-las. Fez e refez todas as equações, encontrando sempre os mesmos resultados. Levantou-se, dirigindo-se novamente à mesa; ali, investigou todos os produtos que utilizara nas experiências, examinou seus rótulos, leu várias vezes as instruções e precauções contra possíveis falhas: nada além daquilo que já conhecia.

Tendo feito todas essas verificações, chegou Peter a uma conclusão acertada: as porções foram alteradas. Ligou este fato às últimas palavras da criatura, sentindo, com este pensamento, um calafrio percorrer-lhe a espinha. Em seguida a esta desconfiança e com a expectativa em alta, passou a recolher, dos três balões, as amostras de que precisava para adquirir a convicção de seus pensamentos, até ali totalmente perturbadores. Sentou-se à mesa de trabalho com as amostras, munido de suas anotações. As horas que se seguiram trouxeram o início da noite e esta, ao chegar, viu Peter ainda envolto em seus cálculos. Ao final de esforços mentais abstrusos, próprios de seres inabaláveis, e Peter era um desses seres, um sorriso iluminou-lhe a face. Os dentes, que com pouca frequência, deixavam-se notar, desta feita lastraram-se no frasco transparente que tinha em mãos, à frente dos olhos petrificados pela alegria imprevista. Ergueu-se, atoleimado, dirigindo-se ao pé da escada.

-Janet! Janet! Desça aqui; depressa - seus gritos, partindo do mais profundo de suas entranhas, ressoaram por toda a casa. A mulher não tardou a surgir no patamar; com ares de espanto, descorada, trajes em desalinho e secando as mãos em um avental de cozinha.

-Venha! Não perca tempo. -As mãos agitavam-se no vazio, sinalizando para a esposa. Ela desceu a passos trôpegos, apoiando-se ao corrimão. Já ao lado de Peter, resfolegava a olhos vistos. Ele puxou-a pelas mãos, conduzindo-a junto aos balões que regurgitavam, ejetando vapores.

-Consegui o que buscava. Não eu, exatamente, mas a criatura.

-O que conseguiu, afinal?

-Ele fez com que dessem certo as experiências. De alguma maneira alterou as fórmulas; já sei como conseguir matéria com densidade negativa. Em outras palavras, a máquina do tempo tornou-se realidade.

E passou a tecer uma série de explicações do que consistiria a tal máquina. Levado pelo entusiasmo e transporte do momento, utilizava, vez ou outra, termos científicos conhecidos em seu meio, apenas. Janet ouvia-o em silêncio, com um sorriso nos lábios e brilho nos olhos. Não se importava com a própria ignorância, pois, acima disto estava a felicidade de Peter. A bem da verdade, nem mesmo Peter tinha, naquele momento, inteira convicção dos próximos passos a serem dados em relação à construção da máquina do tempo. Porém, a confiança nunca lhe abandonava. Lembrava-se perfeitamente da solicitação do humanoide no sentido de visitá-lo em viagem astral; faria isto naquela mesma noite. A ansiedade e a euforia não lhe permitiriam adiar o ensejo de adquirir as informações de que tanto precisava.

-Só espero que não vire mais uma noite trabalhando; isto me deixa preocupada - alertou-lhe Janet, após dar-lhe um beijo e começar a subir as escadas.

-Prometo que não me demoro. É apenas o tempo de assentar as fórmulas. Será esta noite de grande importância para o passo que pretendo dar. A comunicação já está programada; prepare, por favor o quarto, querida. Janet desapareceu no topo da escada e ele voltou para sua mesa de trabalho.

Assim que se sentou, ouviu um ruído estranho, uma espécie de estalo vindo de algum canto do laboratório que ele não conseguiu identificar; em seguida, o mesmo silêncio de sempre. Esquecido do fato, Peter já se concentrava, por completo, ensimesmado naquilo que vinha fazendo. Foi quando um estouro, um pouco mais forte que o primeiro fez-se ouvir, desta vez assustando-o, fazendo-o levantar da cadeira. Fagulhas começaram a se evadir dos balões, transformando-se em seguida em línguas de fogo amarelo esverdeadas. Um a um quebraram-se os recipientes, fazendo com que todo o conteúdo, agora chamejante e afogueado, se espalhasse ao longo da extensão da mesa, transformando tudo em fumaça e chamas. Aquela parte do laboratório parecia a imagem do próprio inferno. Um calor intenso e insuportável passou a dominar todo o ambiente. Peter não sabia o que fazer. Por momentos contemplou, incrédulo, o que estava ocorrendo. O rosto banhado em suor e o olhar perdido em desespero, como em estado de choque. Teve ímpetos, dominado pela afoiteza, de partir para cima do foco e sugá-lo como vira fazer a criatura. Quando o fogo começou a surgir nos outros cantos e ele pressentiu que ficaria encurralado, o instinto de sobrevivência, comum nesses casos, superou sua ousadia e ele disparou escada a cima aos gritos, a procura de Janet.

Esbaforido, estancou no patamar ao dar com Janet que vinha também de correr, apavorada. Ela tossia e dava para perceber que toda a casa começava a se envolver em fumaça. Seu desespero aumentou ao ver o estado do laboratório.

-Santo Deus, o que é isto?

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 31/07/2011
Reeditado em 31/07/2011
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