Lembro-me como se fosse hoje. Lembro-me exatamente quando eles chegaram. O céu ficou vermelho, mais vermelho que o normal, e eles desceram em naves imensas. Eram dezenas, milhares delas. Todas brancas, todas iluminadas. A gente achou aquilo tudo tão bonito, não poderia ser algo ruim.
     As crianças brincavam no campo junto das criadoras, a gente procurava animais para assar e nossos maridos estavam procurando frutos para que pudéssemos misturar no tempero da comida. Era um dia especial, estaríamos completando doze ciclos de nossa colônia. Nossos antepassados construíram tudo sobre um terreno infértil, e nós prosseguimos, cuidando, criando e reproduzindo sobre o chão agora fértil. Éramos felizes e cheios de sonhos.
     Foi então que a luz dominou à tarde. Todos olharam para o céu maravilhados, pois nunca haviam visto algo do tipo. Foram descendo ao nosso redor. Pareciam com a gente, e com certeza respiravam nosso ar sem que este os envenenasse. Aproximamos-nos, estávamos curiosos. Eles sorriam, pareciam simpáticos, pareciam apenas querer conhecer nosso mundo seja de onde eles tivessem vindo. Mas o problema estava para começar.
     Os que pareciam líderes nos pediam para mostrar as nossas fontes aquáticas. Pareciam muito interessados nas nossas reservas. Logo estabeleceram uma espécie de cabana próxima ao reservatório mais usado por nós. Tão bonito... Uma água tão límpida e fresca. Diziam estudá-la. Mas era mentira! Quando fomos tentar pegar alguns baldes, eles impediram. Nos impediram de usufruir de nossa fonte alegando estar impura, e que ficaríamos doentes caso bebêssemos dela.
     Algum tempo depois, bem depois, a fonte já não existia mais. Era um enorme território seco e sem vida. As vegetações próximas se tornaram amareladas até que secaram e morreram. Aquela região se tornou feia e assustadora. Nem mesmo as crianças queriam correr por lá.
     Mais deles foram chegando e colocando sentinelas em volta das nossas reservas. Tornamos-nos prisioneiros de nossas próprias casas. Eles controlavam tudo, e já não eram tão simpáticos. Eram agressivos, se tornaram os donos da água. Agiam com violência contra os nossos que insistissem em buscar mais baldes do que os exigidos por eles. Cinco baldes para cada família. Somente cinco pequenos baldes que mal davam para eu e meus dois filhos nos banharmos. Tempos negros se aproximavam.
     Lendas surgiam sobre eles. Que eram demônios. Que eram soldados perdidos de outras terras. Que haviam destruído o próprio planeta, e que agora procuravam fontes renováveis em planetas com atmosfera parecidas. E essa última hipótese era a mais real. Era a mais aceita. Nós também estávamos tratando nosso planeta com desprezo fazia alguns anos. A gente não ligava para nossas árvores, e com nossas águas abundantes fazíamos festas de desperdícios. Jamais imaginaríamos que ela um dia nos seria tirada, que ela um dia acabaria. Jamais imaginaríamos que ela faria tanta falta. Logo os tempos da água entraram para a história como um tempo de saudade que poderia não voltar mais.
     Certo dia, um de nossos homens, conseguiu entrar em uma das bases deles e voltou com alguns mapas e imagens do que parecia ser o planeta deles. Realmente parecia com o nosso. Construções bem desenvolvidas e enormes, diversos mares, pessoas se banhando neles. E em outras fotos, tudo seco. Tudo abandonado... Alguns deles estavam sem cabelos, desidratados, secos, olhos fundos. Pareciam estar passando sede. Sobre cada foto, uma espécie de símbolo, bandeira... Algo que havíamos tirado de nossa nação há ciclos, devido as diferenças. Não conseguimos viver com líder por muito tempo. Foi uma época de brigas e mortes entre nós, e abolimos qualquer espécie de poder abusivo. Nossos líderes escolhidos eram com o simples propósito de guiar, não mandar ou impor. Até que eles chegaram.
     Foi hoje que algumas naves foram embora. Depois de secar mais cinco fontes, os soldados das zonas cinza, conforme eles denominavam as áreas secas, alçaram vôo e se foram, deixando alguns. De uma das naves caiu um mapa. Parecia que ninguém havia visto, porém eu vi. Caiu no meio do matagal, longe de uma das fontes, logo longe dos invasores. Corri até lá junto de meu filho. Era uma foto, tirada do planeta deles. Enorme. E pelo que pude ver, repleto de água, assim como o nosso. O engraçado era o nome do planeta. Não condizia com o que víamos em nossas mãos. Era enorme e azul... Mas seu nome, apesar de toda aquela água, era Planeta Terra. De lá eles haviam vindo. De um planeta azul que eles deviam ter destruído com aquela ganância que chegaram em nosso planeta. Levaram nossa água dentro daquelas naves brancas. E com uma bandeira colorida.
     Debaixo da foto do planeta havia as seguintes inscrições:






     Não sei o que significava, mas devia se tratar dos que estavam nas naves. NASA e ONU, seja lá o que quer que signifique, eles tinham o poder ali. E nós até hoje esperamos que saiam como chegaram. De uma hora para outra, mas deixando nosso planeta para nós. Pois estamos profundamente arrependidos de não termos cuidado dele antes.
     Que esta mensagem chegue à outras civilizações do imenso céu, e que elas nos ajudem, antes que esses destruidores e secadores de água cheguem até seus planetas e acabem com a paz que um dia reinou num tempo em que usávamos a água para o que quiséssemos. No tempo em que a água era nossa. E nós jamais imaginaríamos que um dia pudesse de nós ser tirada, ou que um dia fosse se escassear. 
    
Ajude-nos.
 



             FIM
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 18/04/2011
Reeditado em 01/01/2012
Código do texto: T2917193
Classificação de conteúdo: seguro
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