O Outro Lado da Solidão - final

Senti que não era o mesmo do dia anterior quando despertei com o sol em meu rosto sobre a areia quente da praia. A depressão atacara-me novamente. Levantei, lavei meu rosto e pés na água salgada e fui procurar um café. Não tinha fome, por isso, nada comi. Comecei a sentir os sintomas avassaladores do tédio repugnante. Não carece narrar o que fiz naquele dia e nos outros que se seguiram. Tudo não passou de vazias repetições, da mesma habitual pasmaceira. Uma tarde, lá pelo quinto ou sexto dia da minha montanha de sensações diversas e já quase incontroláveis, peguei-me sentado na areia de frente para o mar, o qual estava calmo e receptivo; na mente as lembranças de um mundo real em que eu era feliz. Pensei na agonia de Cesário, protagonista do meu romance. Um incontido sentimento de medo invadiu-me ao repassar as cenas de sua morte. Suicidara-se no mar, afogando-se. Então seria este também o meu fim? Não me restava outra sorte, já que devo ter fracassado no que ele queria.

Ato contínuo, como aceitando resignado o desenlace, pus-me de pé e, do jeito que estava, calção branco e sem camisa, andei ao mar. Continuei conformado a caminhada para a morte, com a água pela cintura. Mas, estranho como todo o resto, a morte não acontecia. As águas já não me alcançavam e, por mais que me afastasse da praia, elas mantinham-se à mesma altura, negando-se a encobrir-me o corpo. Fui muito longe, sem resultado. O mar não me aceitava; não para a morte talvez. Então pensei, já de volta à areia, que em suas ondas poderia encontrar outras terras, ter uma chance. Quem sabe ver pessoas, viver enfim, uma vida de liberdade que não transige com a solidão.

Foi o que fiz. Levei semanas a preparar minha nau. Recorri às ferramentas, aos bosques e às matas, aos tecidos e às lonas, enfim, a tudo que precisei e não tive dificuldades de encontrar. Supri-me ao máximo permitido pela embarcação. Não esquecendo de algo agora importante, o dinheiro. Fui ao banco e aceitei sua oferta. Satisfeito, fiz-me à vela. Relutei com as vagas e os enjôos e ao fim de três dias alcancei, de madrugada, uma ilha. Não era bem o que queria mas sua beleza e exuberância acolheram-me e eu fui ficando. Ao fim da manhã andei por ela, mas, de vida humana, nem um sinal. Porém, nos aproximados oito quilômetros quadrados de sua área, poderia existir alguém, animais, que fossem. Pensando neles, retornei e preparei minha cabana e, antes de dormir, acendi uma fogueira. No dia seguinte concluí, ao vasculhar de ponta a ponta a ilha, que estava sozinho ali também. Ao retornar, constatei, desolado, que uma tempestade deixara destroçado o meu barco. Ao ver seus restos espalhados na areia e na água não resisti: chorei pela primeira vez.

Tudo o que contei até agora teve como objetivo colocar diante do leitor os fatos que me ocorreram, os quais funcionaram não mais do que como preparadores da minha alma para fazê-la conviver com a solidão. E aprendi, exercitei e saí-me melhor do que eu próprio esperava. Aquela ilha foi o meu lar por dois anos e cinco meses. A necessidade de adaptação foi de tal maneira satisfeita que só fazia, a cada dia, aumentar a minha felicidade. Quando consegui deixar o local, criei obras literárias cuja repercussão deixou-me milionário. Nos últimos dias na ilha, comecei a sentir que tudo poderia voltar à normalidade; que Cesário dera-se por satisfeito e resolveria recompensar-me. Eis como aconteceu.

Uma manhã acordei e ao sair da cabana para um banho de mar, um susto quase me fez cair para trás. À minha frente, a não mais de cem metros além da praia, pairava um cargueiro que pareceu-me encalhado. Desceram pelo tombadilho e entraram em uma canoa um senhor alto, barbudo, com uniforme de capitão e um marinheiro. Remaram até a praia e vieram ter comigo. Cumprimentaram-me e disseram precisar de água potável para a tripulação. Confesso que quase choro de alegria ao ver e falar com pessoas. Cheguei a beijá-los. Agradecido, levei-os até um arroio próximo. Enquanto enchiam suas caçambas, contei-lhes minha história. Não sei se acreditaram ou se tiveram-me como louco; nem isso me importou naquele momento. O fato é que não conheciam a tal cidade mas aceitaram, depois que levantassem âncora, levar-me até ela. No dia seguinte, ao raiar do sol, aportava eu na mesma praia que deixara há tanto tempo. Pouca coisa havia mudado, mas, o que mais me impressionou e me alegrou o espírito foi a enorme quantidade de gente; pessoas comuns como eu, a compartilhar com outras os seus momentos e veículos engarrafando o trânsito. Imediatamente corri e, não ligando aos olhares, cheguei a tal casa. Como imaginei, não havia ninguém. À beira da piscina, troquei de roupa, vestindo apressado as peças, as mesmas que vieram comigo do outro lado, e me lancei à água. Como esperava, a passagem ali estava. Enfiei-me por ela e subi. Ao emergir, saí do lago e calcei os chinelos. Em dado momento, levantei-me e, ao olhar para trás, Thomas vinha chegando.

– Que tal o passeio Sr. Gerônimo? Telefone para o senhor.

Já ia respondê-lo, mas logo fechei a boca. Para que entrar em detalhes? Apenas agradeci e acrescentei: – Estou pronto para minhas novas obras, Thomas. Diferente de todas até aqui. - Deixando para trás seu sorriso simpático, entrei e fui até o aparelho. Na linha, um de meus editores, com o pedido de um novo trabalho. Após o acordo, desliguei e, satisfeito, peguei na caneta que, agora, corria fluentemente.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 05/04/2011
Reeditado em 05/04/2011
Código do texto: T2891053
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