O Outro Lado da Solidão - parte 6

De tão alto e rancoroso, meu grito ecoou pelos ares e atravessou as muralhas da mansão pelo outro lado e desapareceu no meio das árvores de um bosque próximo. Nesse momento e, que me perdoem os meus sentidos descontrolados, vi (ou achei que vi) ou revi, ao voltar o olhar para baixo, a sua imagem na fotografia, mantendo o sarcasmo, responder:

– Por que me chama? Já não pode falar comigo. Eu e você somos a mesma pessoa. O mesmo Cesário, a mesma ficção. Ah! Ah! Ah! Ah!

Sem forças para nada mais, caí sobre a grama e ali fiquei, prostrado. Não sei por quanto tempo. Quando o vento frio da noite lançou sobre o meu corpo impiedosa refrega, levantei-me e fui cair dentro da casa no primeiro leito que encontrei. Despertado pelos primeiros raios de sol da minha primeira manhã de total solidão, impus-me, como primeiro objetivo, maduro e racional, controlar meu estado de espírito sob qualquer circunstância. Saí mais uma vez às ruas. Quis nutrir o organismo do melhor que encontrasse. Precisava estar bem alimentado para enfrentar um dia totalmente insólito em minha vida.

Sentei-me à mesa de uma lanchonete, tendo à frente um café da manhã recheado dos meus sabores prediletos. Preparei, ao meu gosto e maneira, o suco de morangos, o café, os ovos e comi-os com os pães, os biscoitos e a geléia que tirei de cima de uma prateleira. O dia começava bem para quem possuía, como eu, todo o tempo e, que ironia, todo o dinheiro do mundo. Senti que algo estava me faltando, olhei em derredor sobre as mesas vazias a procura de um jornal. Como imaginei, não encontrei nenhum. Tomei mais um gole de café ainda quente e saí; precisava localizar uma livraria. - “Será que já estaria aberta tão cedo?” - Pensei, para ver se mantinha o bom humor.

Tendo cruzado o segundo quarteirão, atravessei para a outra calçada e vi ao longe, após cruzar um sinal luminoso, uma galeria quase no começo da rua. Caminhei um pouco mais e entrei por ela. No meio de várias lojinhas enfileiradas, lá estava uma, repleta de prateleiras abarrotadas com livros. Senti-me em meu elemento ao pisar no recinto. Podia, se quisesse, gastar o dia debruçado sobre eles, os amigos e suas mensagens. Poderia escrever, exercitar minha rotina; acabei ficando por um bom rasgo de horas. Rabisquei linhas cujo teor e o objetivo não podiam ser outro senão passar à posteridade os registros da minha experiência. Todavia, ao ler o que redigira, senti a redundância nas palavras, peguei-me reescrevendo a mesma história, o mesmo texto, impregnado da solidão de Cesário, da minha solidão. Para não acicatar ainda mais a turbação do meu espírito, larguei papel e caneta. Com sonoro movimento, esta caiu por cima daquele e a mesa, ambos caíram sobre o chão de cerâmica avermelhado.

Levantei-me, procurando na leitura outra forma de distração. Havia de tudo, de fato conheci um período de paz que há muito não desfrutava. A fome fez nova ronda. Empreendi um passeio calmo e vagaroso até encontrar um restaurante. Avistei o que me pareceu ser um dos especialistas nas massas que nos empanturram sem dó nem piedade. Enfiei-me. Ao sair, pesado e satisfeito, comecei a descobrir um dom que não sabia ser possuidor. A necessidade fez-me cozinheiro, dos tais que, pelo menos até ali, adora os próprios pratos. Por enquanto, neste pormenor, não sentia a falta de Thomas.

Não tive outra opção, naquele resto de tarde, senão caminhar. Caminhei muito. Voltar aos livros já não me apetecia; minha concentração não resistiria muito tempo. Tinha necessidade do ar puro, do céu e do sol. De tanto vaguear, já não sabia onde estava, aliás, nunca soube do próprio paradeiro. Sentei-me no banco de uma praça. Senti que por perto havia o mar. Enquanto, olhando em derredor, via os prédios, as ruas desertas, as lojas abertas, comparava a minha situação à daquela cidade. Estávamos sós, vivos e esquecidos. Duas garças-azuis pousaram no alto de um cedro de flores brancas e tronco avermelhado. Meu olhar viajou por cima das travessas de um playground construído no centro da pracinha e instalaram-se sobre as aves. Elas logo alçaram vôo, tomando uma direção que acompanhei atentamente. Saí andando e peguei o sentido de uma alameda sombreada e aconchegante. Bares, restaurantes, cinemas e casas noturnas ladeavam-na. Segui por uma das calçadas, como se algum perigo houvesse em andar no meio da rua e, olhando ao fundo, vi o que já contava ver: o mar, com toda a sua imponência ali surgia, ágil e dominante. Não fiz mais do que contemplá-lo até entrar a noite

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 24/03/2011
Reeditado em 24/03/2011
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