Prisão sem Paredes

Era uma construção abandonada. Nina se escondia ali dentro, abaixada, tentando espiar sorrateiramente por uma das janelas quebradas. O lugar cheirava a carvão queimado, mas aquilo já havia se tornado extremamente comum na Cidade. Os prédios e casas assumiam uma cor cada vez mais negra devido à poluição. A modernização cada vez mais transformava aquele lugar em um inferno, e não havia nada que parasse esse avanço.

Tal como a poluição, as tropas inimigas marchavam em um ritmo assustador. Não havia um soldado que não pisasse no solo no momento exato, não havia um combatente que não caminhasse juntamente ao pelotão. Como numa orquestra, todos tocavam as solas de seus sapatos nas calçadas desgastadas da Cidade no mesmo momento, produzindo quase uma sinfonia, uma sinfonia de morte.

O coração de Nina batia descompassado. Ela segurava a arma, mas o objeto quase lhe escapava das mãos. Estava desesperada. A área fora abandonada, e ela parecia ser a única sobrevivente que falasse a sua língua – a língua local –, o que não era muito reconfortante. Os soldados passavam, um por um, apoiando os seus rifles nos ombros. A mulher estava à beira de um ataque de nervos, e o suor que lhe escorria pela face não a deixava mentir.

Quando o último dos soldados daquele pelotão passou em sua frente, ela suspirou de alívio. Estava salva. Poderia procurar uma saída, tentar achar alguém que falasse a sua língua para se refugiar em algum lugar seguro – algum lugar limpo e seguro. Sentiu-se observada, porém. Tentou se acalmar, respirando lentamente, mas a sensação continuava. Suas mãos estavam negras devido à fuligem, e segurar a arma se tornava mais difícil.

Um grito pôde ser ouvido à distância. Nina gemeu. Levantou-se lentamente e caminhou para o portão (ou pelo menos, o que ainda restava dele). Ninguém a observava; pelo menos, ninguém que ela pudesse ver. O silêncio mortal que reinava naquela parte da Cidade lhe dava arrepios. O local nunca fora daquele jeito antes. Os sinais de que o mundo estava acabando saltavam-lhe à mente, e Nina estava à beira do desespero.

A lua estava invisível, escondida em algum lugar atrás das nuvens negras que dominavam o céu. Até aquele grande astro se escondera da destruição iminente. Nina estava sufocando aos poucos, desejando que a lua aparecesse para que ela não mais se sentisse presa, para que não mais se sentisse sozinha. Não adiantava.

A mulher continuou caminhando, apoiando-se nas paredes quando possível. A chuva começava a cair. A sua alma ia sendo lavada juntamente ao seu corpo; todas as cinzas que tinham grudado em sua pele antes não mais lhe pertenciam. Nada mais lhe pertencia na Cidade, tudo fora tomado pelas tropas cruéis do inimigo. Ela não sabia o motivo pelo qual continuava a lutar.

Largando a arma, deixou a chuva molhar o seu corpo. Não havia nenhuma casa à sua volta onde pudesse bater na porta e receber uma xícara de café quente. Se seus maiores temores realmente tivessem se concretizado, não havia uma casa na Cidade onde ela fosse acolhida dessa maneira. Nem ela, nem mais ninguém.

Ouviu as tropas se aproximarem novamente. Seu corpo estava paralisado. Nina estava completamente aterrorizada. Só o que lhe restava eram aquela arma e suas lembranças do lugar quando ainda era pacífico. Portanto, concentrou-se somente em recuperar o objeto que deixara cair no chão e correr, o mais rápido que pudesse. Os soldados se aproximavam, ministrando juntos uma orquestra que anunciaria a morte de mais uma pessoa.

Nina sorriu, ao menos, quando a lua finalmente apareceu para confortá-la.