Incrédulo

O laboratório é um enorme galpão, tão grande que uma névoa embaça a visão de suas extremidades. O ar é pesado e tem cheiro de assepsia. As paredes são recobertas com chumbo e há uma fina película oca, cheia de H2O2, água pesada, para barrar emissões de raios x ou partículas de alta energia.

Quando o acelerador finalmente fixou as emissões de grávitons no menor comprimento possível, de Planck, a máquina emitiu um bipe.

Os grávitons foram polarizados, os neutrinos, antineutrinos, elétrons, anti-elétrons, pósitrons, anti-pósitrons, todas as formas e partes da matéria foram emparelhadas. As até agora absolutas leis da conservação da energia e a da entropia universal estavam sendo quebradas, uma a uma.

A equação da velocidade e inércia, e seu conseqüente refinamento, E=MC2, estava se verificando.

Dentro do galpão um horizonte de eventos distorce a luz ao redor da bolha. Seus efeitos destroçariam qualquer coisa num raio de três metros. Meu corpo está formigando.

Simultaneamente a tudo isso meus pensamentos se perdem nas glórias advindas dessa descoberta. Chamarei ela assim: Singularidade auto-controlada não-colapsável de Donnavan.

Mesmo sabendo que ainda precisava trabalhar muito a parte “autocontrolada” e “não-colapsável”.

_Matriz! _ falo ao computador. _ Iniciar processo de escaneamento.

“STARTING NEXT DIMENSIONAL AREAS SCANNING.”

“TARGET LOCKED. CAPTURE?"

Eu respiro. Quero um cigarro. Tenho alguns no bolso do sobretudo na bancada, mas o capacete não me deixaria fumar. Respiro.

_ Capture! – digo finalmente.

“STARTING CAPTURE OF NON-TANGIBLE ENTITY.”

Raios de energia brilham eclodindo da bolha. E, num movimento rápido, estilhaçam o teto do galpão quando ascendem em direção ao céu.

Faz dois dias que o raio se mantêm subindo da Terra em direção ao espaço, mas felizmente, ele só pode ser visto na luz ultravioleta.

Há 18 horas a entidade foi localizada e capturada em algum ponto do Universo. Está sendo arrastada para cá pelas ondas gravitacionais. Chegará a qualquer minuto.

O raio retorna à bolha e nela se entrevê uma figura humana. Ela grita de dor e bate nas paredes internas da bolha, que resistirá, por enquanto, mas não foi planejada para este tipo de pressão.

Vejo que a figura aprisionada possui asas. É exatamente o que eu esperava encontrar.

A criatura tenta conversar comigo. Diz coisas ininteligiveis. O computador grava suas palavras e as armazena num banco de dados especulativo. Em certo momento o computador me avisa.

“Complete speculative database of Unknown language”.

“Loading translator. Loading voice emulator”.

Eu me aproximo da bolha. Já posso ser capaz de entendê-lo.

_ Ah... dor... como dói... _ o computador traduz em tempo real a criatura.

_ Deveria se acostumar com a dor, anjo. Nós a sentimos desde o primeiro momento em que nascemos.

_Quem é você¿ O que quer¿ _ o anjo está assustado, recua dentro da bolha. _ Por favor, faça parar essa dor!

_ Cala a boca !!! _ eu grito, dentro do capacete está sufocante. _ Onde está a sua dignidade agora, anjo¿ Cadê aquela atitude superior que esperamos ver em criaturas elevadas¿

_Do quê está falando¿ ... Por favor, faça parar a dor...

Eu desligo o raio gravitacional. A temperatura dentro da bolha deve baixar.

_ Você e todos os da sua espécie, são uma lástima. Não sentem fome. Não sentem medo. Não sentem desejo nem qualquer outra coisa. No entanto, se sentiram nos direito de nos ditar regras de comportamento incabíveis. “Não roubarás”¿ Como assim, não roubarás¿ Você já sentiu fome, anjo¿

_ Nos planos de meu pai...

_ Cala a boca e me responde! _ irado, injeto uma onda remanescente de plasma na bolha, o anjo grita e se contorce. _ Responde!

_ Não!... Tudo bem... Você está certo. Nunca senti medo ou desejo. Nunca senti fome, assim, nunca entendi o porquê que vocês homens mentem, roubam, ou matam. Não sei a real implicância de tudo isso.

_ Eu já sabia disso. Menosprezo essa superioridade arrogante com que ditaram essas regras de comportamento.

_ Não é simples assim, Marcus. Nos planos do senhor está escrito que...

_ Chega! Chega!!! Eu te trouxe aqui por um só motivo. Esse plano que você diz... Quero saber que plano é esse. Quero saber tudo que há para saber. Saber o porquê disso tudo.

_ Não posso, Marcus. Nunca seria perdoado.

_ Tenho aqui umas coisinhas que podem te persuadir a colaborar.

Aperto um botão. A bolha é inundada com plasma. O anjo abre as asas, elas são enormes, e forçam as paredes da bolha que começa a trincar e estalar. Debruço-me sobre o computador. Digito vários comandos a fim de restabelecer a harmonia. Mas não dá certo. Das rachaduras feixes de plasma e energia escapam e esburacam as paredes do laboratório. Um esguicho de gás a altíssima temperatura abre uma cratera no chão e o derrete rapidamente.

O anjo, com as mãos, força uma fissura. A energia radioativa começa a vazar, e luzes de emergência tingem o laboratório de vermelho. Uma cápsula de emergência se abre no piso. Entro nela e sou ejetado dali numa velocidade altíssima pelo subsolo.

A cápsula me deixa a vários quilômetros, numa estação de trem abandonada. Tiro a roupa, provavelmente contaminada. No horizonte vejo um enorme cogumelo atômico subindo ao céu.

Caminho na estrada deserta em direção á cidade. Fazia tempo que não andava a pé. Está um calor escaldante e estou suando em bicas. Vejo vários helicópteros e aviões do governo irem em direção a explosão.

Duas horas depois chego num posto de gasolina onde há apenas um velho e uma criança. Ambos estão vidrados na televisão. Mas ao contrário do que pensava, não estão vendo noticias sobre a explosão no deserto.

Na televisão, um repórter em um helicóptero, arfante de tanto que falava, apontava a uma figura de pé no beiral de um prédio do centro da capital. Não era um homem. Era o anjo. Estava vestido com meu sobretudo. Parecia atordoado.

Com a cidade aos seus pés, e o prédio em que estava sendo sobrevoado por aviões e helicópteros, ele tirou do bolso um dos meus cigarros e o acendeu.

As pessoas escapavam em pânico do prédio e nas ruas reinava um verdadeiro caos.

_ É, meu filho, _ o velho disse ao garoto _ parece que finalmente chegou o final dos tempos. Sinto muito, você é tão jovem.

O garoto manteve os olhos vidrados na televisão, sem saber o que falar.

_Besteira! _ disse, e enquanto o velho e o garoto estavam distraídos com a televisão, roubei a chave de um velho GM e tomei rumo à capital.

Vail Martins
Enviado por Vail Martins em 31/10/2010
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