"Tormenta no Bar" - Capítulo II

E a pobre mulher foi apressada em direção ao balcão, com uma bandeja de pratos vazios ao colo. Mas, um sujeito que fumava charuto na mesa central, a frente da mesa de sinuca, levantara-se de súbito; justamente no momento em que a pobre mulher passava. Jogara a bandeja involuntariamente para cima, causando um grande estrondo com a queda dos pratos; que despedaçavam ao caírem no chão. Todos olharam assustados; Raimunda coitada estava pasma! Recolhia os cacos dos pratos e das garrafas, que também estavam sobre a bandeja. O sujeito, achando-se na “razão”, disse para pobre mulher:

–Sua estabanada! Preste mais atenção nas coisas sua tonta!

–Desculpe-me senhor, não foi minha intenção...

–Olhe! Você sujou toda a mesa! Sua vaca! – disse o sujeito mais enfurecido.

–Baixe o tom da sua voz cavalheiro! – disse Bruno inconformado.

–Não se meta aqui babaca!

–Como é?! Você me chamou de babaca?

–Isso mesmo! E é melhor ficar aí quietinho como um cão manso hein!

–Deixe isso pra lá Bruno – disse Diego pondo as mãos no ombro do amigo e conduzindo-o de volta a mesa.

Aproximando-se de Raimunda, Sanderson lhe pergunta:

–Está tudo bem com você meu amor?

–Está sim moço.

–Fique calma, não foi sua culpa, todos nós vimos claramente. Se houver qualquer problema, conte comigo e com os meus amigos.

–Obrigada moço.

E Raimunda voltava para o balcão, após jogar os cacos no lixo. Rodrigo viera em seu lugar trazer as cervejas, com seu péssimo hábito de suar o nariz na frente dos clientes; enquanto Raimunda conversava com Jamilson no balcão. Via-se claramente o nervosismo da pobre mulher, que estava mais branca que a nata do leite.

Os olhos da cabeça do boi, que estava presa na velha parede brilhavam com a forte claridade da luz do bar.

Raimunda voltava com duas bandejas de sardinhas fritas, a servir o grupo de amigos de Sanderson, enquanto na mesa central, o mesmo sujeito, que esbarrara na pobre mulher gritava desnecessariamente:

–Cadê o meu tira-gosto?

–Já está saindo – disse Jamilson lá do balcão; já impaciente com o homem que já falava muitos palavrões.

O sujeito da mesa central estava acompanhado de cinco amigos; todos conversavam tranquilos, fumando cigarros e jogando dama.

Raimunda trazia o tira-gosto até eles, após deixar uma das bandejas na mesa dos amigos do Sanderson. Levava a outra ao sujeito; ainda amedrontada, pela arrogância do homem.

–Aqui está senhores – disse Raimunda gentilmente aos cavalheiros.

–Vem cá mulher – disse outro homem, que estava na mesma mesa.

–Pois não?

–O que eu faço para tê-la em meus braços?

Raimunda ficou corada, sem reação alguma; retirou-se rapidamente levantando a saia do vestido que arrastava no fétido chão.

Ao canto do bar, Fernando estava triste; sem saber por quê, e limpava o suor da testa com a toalhinha azul; que ganhara de lembrança da falecida mãe. Fagner sorria para Leandro, que contava uma anedota engraçadíssima! Bruno conversava com Sanderson, sem tirar os olhos do sujeito; que já estava a falar bobagens para as mulheres; enquanto Diego, Carlinhos e Gilberto ainda comiam prazerosamente!

–Deixe isso pra lá meu amigo – disse Sanderson ao Bruno, que pusera o copo na boca; para saborear a deliciosa cerveja espumante!

–É deixe isso de lado – completou Diego, que estava com um palito entre os dentes, para retirar os pedaços de carne-seca.

O copo de vinho do sujeito já estava pela metade. Era o quarto copo; e, degustava com os amigos as sardinhas fritas; as quais Raimunda trouxera. O sujeito já estava sofrendo com o efeito do álcool; e ficava cada vez mais abusado.

Quando Raimunda passava entre as mesas, o maldito homem esticara as pernas propositalmente; justamente na hora em que a pobre mulher passava; derrubando-a sobre o fétido chão.

–Sua louca! – gritou o sujeito novamente sem razão, pondo-se de pé.

Enfurecido, Sanderson levanta-se do banco para ajudar a pobre mulher novamente, que se levantava triste:

–Você está bem Raimunda? – perguntou Sanderson gentilmente à pobre mulher mais uma vez; segurando-lhe as mãos.

–Não senhor, meus joelhos estão doloridos!

–Sente-se Raimunda, aquele homem há de lhe pedir desculpas! – disse Sanderson puxando-lhe uma cadeira de uma mesa vaga, para pobre mulher.

Nervosa, Raimunda segura as mãos de Sanderson; e implora:

–Senhor! Por favor, não faça nenhuma loucura! Deixe isso pra lá!

–Não Raimunda, você não merece isso.

E, retirou-se, dando-lhe um beijo na testa, indo em direção ao sujeito, pois, deteve-se; quando viu Bruno e Fagner defrontes ao grupo do sujeito:

–Peça desculpas! – disse Bruno com muita impaciência!

–Saia daqui! – disse outro homem de chapéu; que estava ao lado do individuo fumando cachimbo.

–Cale-se! – disse Fagner ao homem.

–Eu não vou pedir desculpas a essa ordinária!

–Veja lá como fala senhor! – disse Sanderson enfurecido com o sujeito, apontando-lhe o dedo à distância e com os olhos vermelhos como o inferno.

–Eu falo o que eu quero falar! Já estou cheio de vocês!

E pegou uma das garrafas vazias de cerveja, e arremessou-a contra o Fagner, fazendo-a explodir em seu rosto.

Num movimento automático, Bruno dera-lhe um soco certeiro no rosto, derrubando-o sobre a mesa ao lado pelo forte impacto; porém, de súbito, outro homem de dentes podres e chapéu de couro quebrara uma cadeira nas costas de Bruno. Vendo ao longe o amigo debruçar-se ao chão, Sanderson pulou em uma das mesas; e da mesma voara com os pés; acertando o peito do sujeito, que fora parar embaixo da mesa de sinuca.

Preocupado com o amigo, Sanderson agachou-se para socorrê-lo; mas fora atingido fortemente na cabeça por outro indivíduo, que lhe dera uma cadeirada. Caíra inconsciente.

Raimunda via tudo aflita, não sabia o que fazer! Chorava de nervosismo, solitária em meio a confusão. Os clientes se protegiam desesperadamente, ou embaixo das mesas ou se dirigiam para a saída! Raimunda estava trêmula na cadeira de madeira; segurando firme um crucifixo de madeira entre os seios.

A briga já estava generalizada. Voava pratos e cadeiras a todo instante. Leandro, que vigiava Bruno e Sanderson que estavam inconscientes olhava tudo como um “Demônio”, que conduz a pobre alma ao inferno! Carlinhos e Gilberto estavam trocando socos e cadeiradas juntos com o Fagner; que estava furioso; enquanto Diego e Fernando amedrontados, ficaram todo tempo embaixo das mesas juntos com a clientela.

De repente, surge um homem de cabelos grisalhos e vestido com o uniforme da policia, a abrir a portinhola. Bradou para que o tumulto parasse, porém, não obteve êxito. Vendo que não adiantava, sacou da cinta a arma, e efetuou um disparo para cima. Todos se assustaram; e o silêncio voltou a predominar no ambiente. Vendo o bar todo destruído pelo vandalismo, o homem pergunta:

–Ora, ora! Senhor Jamilson, pode me dizer quem começou o tumulto?

–Foi este senhor delegado.

–O que faz aqui Evandro? – perguntou o delegado ao sujeito.

O sujeito nem se aguentava de tão bêbado que estava. Evandro é justamente o sujeito causador de toda a tormenta!

–...

Não respondera uma só palavra ao delegado Simon, que conhece todos os envolvidos na tormenta; deixara apenas reticências!

–Vocês irão acompanhar-me até a delegacia – disse Simon a Evandro e seus amigos.

Após a calmaria, Raimunda aproxima-se de Sanderson, que já estava sentado em umas das cadeiras que sobraram no estabelecimento; com uma toalhinha branca na cabeça que estava ferida.

–O senhor está bem? – indagou Raimunda pondo as mãos calejadas no rosto de Sanderson.

–Sim, com você ao meu lado estou bem melhor! – disse Sanderson à Raimunda, que o abraçava com todo carinho.

No balcão, Jamilson lamentava os prejuízos causados pela tormenta; mas, todos que participaram da confusão, se comprometeram em arcar com parte dos prejuízos; que deveras, eram muitos.

–Fico muito feliz em saber disso – disse Jamilson com lágrimas nos olhos de contentamento “infinito”.

E, vendo Rodrigo limpando o fétido banheiro, ordenou-o imediatamente:

–Rodrigo, limpe tudo isto já!

–Mas, patrão eu...

–Raimunda está apavorada coitada! E além do mais, você não apareceu na hora da tormenta.

–Sim senhor – disse Rodrigo, transpirando bem menos que dantes.

–Vocês me decepcionaram! Nunca mais façam isso! – disse Leandro para Fernando e Diego; que na hora da tormenta, se abrigaram embaixo de uma das mesas.

O silêncio voltava a imperar no ambiente, ouviam-se apenas poucas vozes e restos de vidros quebrados; que eram varridos por Rodrigo, com uma velha vassoura de palhas secas. Todos aos poucos se retiravam do Bar do Jamilson, deixando-o ainda mais morto!

Jamilson surpreendentemente dispensa Raimunda, devido aos problemas que a pobre mulher sofrera no bar. Raimunda agradecia ao patrão beijando-lhe diversas vezes as mãos; enquanto Rodrigo varria furioso o chão impuro!

–Vamos para a minha casa senhor, você está sangrando muito! Venha comigo, eu cuido de você.

E, beijou-lhe a boca amorosamente, ao mesmo tempo acariciando-lhe o rosto.

–Melhor remédio que este não há! – disse Sanderson saindo de mãos dadas com Raimunda.

Levantou-se apoiando em uma das poucas mesas que permaneciam intactas; despediu-se dos amigos e fora embora com Raimunda.

Os outros também foram mais cedo, seguindo em direção as suas moradas!

O bairro de Agostinho Porto já dormia na noite enluarada; estava morto, literalmente morto; pela escuridão sombria...

Ouviam-se apenas zunidos de carros na Avenida Presidente Dutra; e alguns latidos dos cães insuportáveis que vagavam em plena madrugada; nas ruas mortas e desertas do município de São João de Meriti, Rio de Janeiro!

Após este terrível incidente, os amigos resolveram marcar encontros somente na praça, para evitar novos confrontos. Sanderson, três meses depois do incidente passou a morar com Raimunda; porém, não abandonou os amigos de infância! O Bar do Jamilson para todos eles, inclusive Raimunda, que pedira demissão; havia morrido; todos queriam esquecer aquele maldito “inferno” na Terra!

Um ano e meio depois da tormenta, o estabelecimento fora vendido para um pastor, que surpreendentemente transformara-o em igreja após quatro curtos meses. E dizem que dízimos não fazem milagres!

Com o dinheiro da venda, Jamilson pagou as contas ao Rodrigo e o restante que devia à Raimunda. Voltou a viver na velha fazenda de Miguel Couto, distante da cidade grande. Agora sossegado; somente a ouvir o canto dos pássaros; vendo os gados pastarem na enorme fazenda, deitado na relva marroquina; comprada no camelódromo da Uruguaiana. E, olhando para o lago, onde sua mãe Larissa costumava lhe dar banho, disse suas últimas palavras:

–Voltei para o lugar de onde nuca devia ter saído. Volto ao meu paraíso, onde estão as minhas boas recordações! Porém, fui feliz na cidade grande, onde fiz novas amizades. Vi que o mundo não é só vacas e galinhas, é infinitamente mais imenso que isso! Porém, é muito extenso, não quero continuar andando, sabendo que o "mundo é infinito", quero apenas aproveitar meus últimos dias de vida nesta bela fazenda; bem longe da violência urbana!...

FIM

Sanderson Vaz Dutra
Enviado por Sanderson Vaz Dutra em 09/10/2010
Código do texto: T2546122
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