"Tormenta no Bar" - Capítulo I
–Passe-me o conhaque Raimunda – disse Jamilson.
–É pra já!
–Traga-me também os salgados que estão no forno.
–Está bem.
Ao canto do bar, três sujeitos a beberem cervejas em uma mesa retangular. Sobre a mesma, três garrafas, duas vazias e a outra pela metade. Ao ver Jamilson, um dos indivíduos berra:
–E a feijoada? Estou aqui faz séculos! – disse Bruno ao dono do bar.
–Está saindo – disse Jamilson calmamente.
O bar enchia cada vez mais! Fagner, que estava ao lado direito de Bruno, comia um ovo cozido; acompanhado de um geladíssimo copo de cerveja. Enquanto do lado oposto, estava Sanderson, a degustar uma coxinha de frango.
Num movimento automático, Sanderson pergunta ao Bruno:
–O Gilberto vem?
–Vem sim – disse Fagner respondendo pelo amigo, que estava destroçando furiosamente um pastel de palmito.
–O Fernando e o Diego já devem estar por perto – disse Sanderson aos amigos.
Enquanto isso, no balcão impuro, Raimunda servia os clientes; que estavam com os cotovelos apoiados no mesmo; a fumar cigarros de canela; deixando o ambiente ainda mais fétido. Raimunda passava pano úmido sobre a proteção de vidro onde os salgados eram conservados, para tentar manter o bar limpo; e nem assim diminuía as impurezas do estabelecimento, que tinha as garrafas cobertas de poeira; e os cantos das paredes acumulando-ia teias de aranhas. Os banheiros então eram bem mais fétidos; também pudera; a maioria dos fregueses utilizava-o de maneira incorreta; ao invés de urinarem na privada, o chão ou até mesmo a pia eram sempre as suas vítimas.
À portinhola de madeira que fica atrás do balcão, abre-se lentamente; em seguida, surge um sujeito negro de avental branco encardido; pingando de suor e carregando uma enorme panela de feijoada. Deixou-a sobre a enorme pia de mármore branco, e passou a toalhinha azul no rosto para secá-lo. Ao ver Jamilson no caixa, diz:
–Patrão, pode arrumar às tigelas, vou buscar a couve e o arroz.
–Está bem Rodrigo. Ah, traga também a farofa acebolada e a pimenta. E ande logo com as batatas fritas; os fregueses já estão impacientes.
–Sim senhor.
Na portinhola de madeira, surgem mais três fregueses: Gilberto, Carlinhos e Leandro. Gilberto é um sujeito magro, cabeludo e de poucas palavras. Leandro é carioca de Japeri, tem sotaque estranho de interiorano; é boa gente. Carlinhos é paraibano de João Pessoa; um homem de vida lenta; e que não vê o mundo real girar. Dedica sua vida aos jogos virtuais, e, dificilmente sai para ver o pôr-do-sol.
Enquanto Jamilson colocava nas tigelas à feijoada, crescia cada vez mais o movimento no bar; deixando-o ainda mais abafado.
Às moscas teimavam em aparecer nas mesas, porque deveras estavam sujas; meladas de restos de comida, porque Raimunda não passara o pano úmido. Rodrigo voltava da cozinha, a trazer o arroz, à couve e a farofa temperada com alho roxo e cebola.
Em uma enorme bandeja de alumínio, Raimunda levava oito tigelas de feijoada; deixando-as sobre a mesa, porque faltava Fernando e Diego, para completar a mesa. Ao pousar as outras bandejas de arroz e farofa na mesa retangular, via-se claramente o volume e a perfeição do seu corpo; mesmo com o enorme avental que lhe cobria. Lábios bem carnudos, cabelos longos até a cintura, olhos castanhos e um bumbum de dançarina de pagode! "Meu Deus que tentação" - pensava Sanderson secretamente.
Depois veio Rodrigo, trazendo batatas fritas, saladas, couve e pimenta. Vinha mais uma vez, transpirando sem parar, todo ensopado de suor:
–Aqui estão às batatas e as saladas senhores – disse Rodrigo tirando a toalhinha úmida que limpara o rosto anteriormente, para limpar a mesa ao lado.
–Traga-me uma Coca-cola de dois litros – disse Sanderson a Raimunda, que limpava agachada o chão do estabelecimento.
–Só um instante senhor.
–Tudo bem minha flor.
Raimunda saía com o cesto de lixo, pá e vassoura; na grande algazarra de clientes. A forte luz de nata iluminava o bar, que “estremecia” ao som de Bossa Nova! Ouvia-se o tilintar de copos, pratos, garrafas e talheres de metal. Raimunda voltava com os seios molhados de suor; deixando-a ainda mais atraente. Trouxera junto com a Coca-cola, uma jarra de gelo, porque o refrigerante não estava bem gelado.
Carlinhos, que estava ao lado de Leandro, disse:
–Essa Raimunda não é só boa de bunda hein!
–Mesmo com esse enorme vestido, esconde muita coisa – disse Fagner com um palito ao canto da boca.
–Eu não á dispenso! – disse Leandro, fumando prazerosamente um cigarro de hortelã.
–Ninguém aqui dispensa – completou Bruno, colocando um pouco mais de cerveja em seu copo.
–Eu dispenso – disse Gilberto, porque já era compromissado.
–Casar-me-ia com ela! – disse Sanderson, puxando do bolso um telefone celular.
–Porra! O Diego e o Fernando estão demorando muito – dissera Fagner, observando a beleza de Raimunda.
–Eles já estão aqui – disse Sanderson, apontando para entrada.
Ambos adentraram sorridentes, bem juntinhos; quase de mãos dadas. Ao reencontrar os amigos:
–Perdoem –me pela demora – disse Diego a todos – estava esperando o Fernando se arrumar.
–É pessoal, minha calça queimou no ferro de passar; esse foi o motivo do nosso atraso. Perdemos alguma coisa? – perguntou Fernando, após a justificativa.
–Não – respondeu Bruno.
–Sentem-se – disse Gilberto para ambos, que permaneciam de pé.
–Não tem colher? – indagou Fernando.
–Não sei – respondeu Leandro.
–O bar está cheio, dificilmente chegaremos ao balcão – disse Diego.
–Coma de garfo mesmo! – disse Sanderson.
–Eu não sei! – disse o pobre Fernando.
–O quê?! – espantou-se Diego inconformado.
Todos caíram na risada.
Fernando ficara corado, já estava arrependido de ter revelado o seu segredo; e, ironicamente, Sanderson diz:
–Se quiser, eu te ensino!
–Vai se lascar! – respondeu Fernando furioso.
Todos riam de se acabar, quase a deitarem no chão imundo! Fagner ria tão alto, que chamava a atenção dos clientes; pelo fato de estar quase sem fôlego, com as mãos na barriga, porque doía muito.
Após uma pequena pausa, Raimunda viera com três colheres. Uma era para Fernando, e as outras eram para a mesa ao lado. Após entregá-la ao Fernando, Fagner diz:
–Raimunda, ensine este garoto – disse Fagner apontando para Fernando – a comer de garfo.
Todos riram um pouco mais, até a pobre mulher, que já estava exausta de tanto se movimentar. Pois bem.
Desgustando-iam à feijoada, alegres, num gosto sublime de tempero e perfeição! Ouvia-se a pressão do gás da Coca-cola, que fora aberta pelo Diego; de-li-ca-da-men-te.
Com a boca cheia de farofa, e garfo e faca em mãos, Bruno sorrindo-ia de contentamento; a estar vivendo "um dia de glória" com os amigos. Carlinhos separava as cascas de alho, que viera na couve, e lambia a boca do copo; aproveitando a cerveja até a última gota. Com a cara no prato e o peito sujo de caldo de feijão, Leandro chupava o ossinho; e, mordia o nervo algumas vezes, na esperança de extraí-lo. Diego colocara na boca, um pedaço enorme de linguiça; sem tirar os olhos do suculento prato! Fernando comia triste; porque soubera da morte do cãozinho de estimação. Fagner colocara um pouco mais de couve ao prato; para dar um pouco mais de gosto a refeição. E Sanderson derramava o feijão sobre o arroz parboilizado, que deveras, estava bem temperado; assim como a feijoada.
Era sexta-feira, início das festividades de carnaval.
Curioso, Bruno pergunta ao Gilberto:
–Qual fantasia você usará amanhã?
–Não comprei fantasia – respondeu Gilberto pondo um pouco mais de pimenta ao prato.
–Eu vou sair de vaca – disse Carlinhos limpando os lábios com um pedaço de guardanapo.
–Eu vou sair de Demônio – disse Sanderson com um sorriso maquiavélico.
–Eu hein! Vou sair de Manjubinha – disse Fagner olhando algumas mulheres da mesa ao lado.
–Manjubinha? – perguntou Fernando sem entender o por quê.
–Vou sair de ninja – disse Diego alisando sua enorme barriga cabeluda.
–Tu de ninja? Ta de sacanagem! – ironizou Leandro.
–O que tem demais? – perguntou Bruno ao amigo.
–O que tem demais? Olhe pra isso! – disse Leandro ao Bruno e ao mesmo tempo, apontando para o pobre Diego.
Diego ficara calado e furioso, e disse na raiva suprema ao Leandro:
–Me pergunte qualquer coisa de Matemática que eu te respondo!
–?
Ficara apenas uma incógnita na cabeça de Leandro, não entendendo a loucura do amigo. Os outros ficaram sem entender Diego; que estava com muita raiva.
Para não “alimentar” a discussão, Bruno desviara o foco de ambos, e perguntara Fernando, se ele havia comprado a fantasia para o carnaval.
–Não, não comprei fantasias.
–Não gosta de carnaval Fernando?
–Não, não gosto de carnaval. Prefiro passar o restante do dia lendo ou aqui com vocês.
–Está certo – completou Gilberto puxando um maço de cigarros da maleta.
–Peça mais cervejas – disse Bruno ao Carlinhos.
–Raimunda! – bradou Sanderson antes de Carlinhos.
–Sim senhor. Pois não?
–Traga-me mais três cervejas meu anjo.