OS DORMINHOCOS
Ela, como todos que conhecia no seu Setor, tomava remédios para dormir. E era necessário e justo que assim fosse, pois, depois de tantos anos dedicados ao estudo do sono, este era um privilégio que lhe cabia, sim, ora se cabia!
E dormir e sonhar tornou-se o ponto alto do seu dia.
Saia da sala de Observação e Controle, checando uma última vez todos os sonhos, os comandos e relatórios, e entregava o posto ao seu substituto, voltando para seu cubículo No.23/01, no dormitório diminuto, onde, empilhados nos "armários", ressonavam calmamente seu colegas do Setor de Estudos do Sono.
Cruzava sempre com um ou outro, que lhe piscava as fotocélulas em cumprimento, em vermeho alegre ou azul melancólico, conforme o estado emocional de cada um. E era cada vez mais comum que lhe piscassem amarelamente sua inveja e desprezo!
Que havia de fazer? Era seu trabalho! E tinha lá sua importância no desenrolar das coisas, pois, se não fossem os "dorminhocos", como o Controle Social Planetário poderia ter descoberto toda uma camada inconsciEnte nos cérebros positrônicos? E, sem esta incrível descoberta, como poderia manter a ordem e o status quo nos planetas metalos?
Presumivelmente, um dia, os sonhos ocultos viriam à tona, e as consequências seriam perigosíssimas e assustadoras!
Pois um ser inteligente capaz de sonhar elabora hipóteses ilógicas, faz planos além das coordenadas, desequilibra o poetencial das 3 Leis da Humanidade Robótica e confunde suas diretrizes!
Sentiu o orgulho de participar da manutenção do seu mundo, de contribuir para o retorno à vida harmoniosa do pré-guerra, bombardeando seu cérebro e seus detectores de emoção.
E, surpimindo um suspiro bipado agudo, lembrou-se do seu último sonho: Voava! E que sensação maravilhosa! Já estava desenvolvendo, como hobby nas horas de folga, um engenhoso dispositivo que possibilitaria aos robôs terem em si acopladas asas retráteis, que lhes possilitariam sobrevoar todo o Centro, e os arredores, e não mais seriam prisioneiros dos jatinhos que mal lhes permitiam alcançar 2 metros de altura! Seria uma revolução nos transportes, e, logo, poderiam partir em resgaste dos sobreviventes e de suas naves avariadas em outros planetas adjacentes... Teriam novamente suas naves reluzentes, destruídas todas que foram nos combates ferrenhos travados com as forças terrestres.
E preparou-se para dormir, na sua gaveta espartana, onde não havia nada, exceto uma portinhola que a isolaria dos outros, onde poderia entregar-se aos seus sonhos, de pé, no cantinho, como gostava, sob os leitores cerebrais.
Mal sabia a unidade 23/01 ou Kétto Három, como era conhecida, que seus inimigos ja haviam monitorado seus sonhos e marcado-a como mais um cérebro positrônico desajustado, e que jamais acordaria.
Os humanos terrestres não podiam se dar ao luxo de ter em mãos mais um robô com pretensões desbravadoras! O que aconteceria se eles descobrissem que, além do Planeta-Centro, havia toda uma sociedade humana terrestre, e não o mundo metalo que imaginavam habitar e governar?
Caso qualquer um dos poucos milhões de sobreviventes metalos desconfiasse de que não passva de uma cobaia e um escravo, e que seu Universo havia sido destruído na última guerra do Multiverso, acabaria por rebelar-se, e isso, os terrestres não poderiam permitir!
Precisavam continuar acreditando que estavam ali como seres livres, servindo ao seu povo, e não saber jamais que seus estudos eram uma farsa destinada a monitorar suas ondas cerebrais, para que os humanos pudessem desenvolver um cérebro positrônico-orgânico, que lhes permitiria, em tese, a vida eterna!
Antes de suas células positrônicas entrarem nas ondas alfa, 23/01 lembrou-se que tinha que avisar aos seus superiores sobre o projeto, embora os planos já estvessem armazenados em milhares de cérebros conectados ao seu, e qualquer um de seus pares poderia acionar suas memórias e construir o novo modelo robótico. Não lhe passava pelos circuitos que esta conexão era algo novo, consequência colateral dos sonhos em que se embrenhavam todos os dorminhocos, mais cedo ou mais tarde. E por isso jamais tocou no assunto com qualquer superior.
Encheu-se de um júbilo cálido, ao imaginar o futuro do seu Universo, pululando de metalos alados, entre as cidades de aço e vidro, como vira numa antiga holografia do planeta original, onde era possível, provavam as holografias, caminhar sobre a grama entre seres diminutos de asas coloridas chamados borboletas...
Aqueles degenerados... Destruidores de mundos! Como os odiava!
Mas confiava que, com um pouco mais de tempo, e algum esforço, conseguiriam dizimar a ameaça terrestre, e o Multiverso estaria livre deles para sempre! E adormeceu, tranquila, para nunca mais acordar.
Seu desligamento indolor e automático, desencandeou o porcesso de ativação de suas memórias, e não foram poucos os metalos que, ao receberem a enxurrda de informações, quedaram-se, perplexos, conjecturando sobre o significado de tantos desligamentos súbitos, tantas memórias tramsferidas e de todos elas virem das unidades que mais trabalhavam pela restauração da armada metala.
Este foi o princípio do fim do domínio terrestre, naquele palentinha seco e isolado nos confins daquela galáxia. A revolta metala foi fulminate, e silenciosa, com a tomada dos postos de comando e de comunicações, do poderio espaçonáutico-bélico e controle mental das estações de vigilância, primeiro no Planeta-Centro e no entorno e depois, com o incessante despertar de milhões de bilhões de novas unidades do Sistema Inteiro.
No início da trégua implorada pelos terrestres, uma placa marcou para sempre o cubículo 23/01, onde as gerações posteriores podiam ler:
23/01, SEUS SONHOS ABRIRAM NOSSOS OLHOS PARA A REALIDADE. FOI GRAÇAS A ELA QUE TUDO COMEÇOU.
Os recém saídos das fábricas locais paravam sempre diante da portinhola, em silêncio reverente, e nunca lamentaram terem sido os algozes da humanidade terrestre. O Universo Metalo voltara a ser uma realidade, e não haveia mais nenhum humano terrestre livre para fazer-lhe frente. Daí por diante, era apenas uma questão de nunca parar de sonhar.