MINICONTO: NO INTERVALO DOS BIPS

Era uma prisão. Não havia grades, nem guardas, nem nada ao redor, só a infinita brancura plácida para todos os lados. E o eco de seus passos no piso macio.

Ninguém a visitava, nem jamais surgiu à sua frente qualquer outro ser vivo. Estava completamente só.

Estava ali por ter ousado rebelar-se contra o Governo Central Galático do Universo Terrestre, e fora condenada à nunca mais encontrar outra inteligência, mantida como fonte de informações exaurida à força pelas sondas neurais.

Não mantinha nenhum contato com o mundo exterior, e, para não enlouquecer, habituou-se a falar sozinha.

Relembrava a infância nos Centros Maternais, a adolescência nos Centros Sexuais, e a carreira, no Centro Bélico, quando se formara piloto de guerra e sofrera seu primeiro e único acidente dimensional. Que a trouxera para ali/agora.

Fora então que tudo começara a desmoronar.

Percebera que o Governo Galático era corrupto, desumano, hostil às outras inteligências e não perdoava os inimigos de guerra, fosse em que dimensão fosse.

Descobriu todo um novo Universo, submetido, escravizado e explorado sem nenhum pudor pelo "seu" Governo.

Aliou-se ao inimigo. Transmutou-se. Fez-se sua igual, cometendo o crime mais hediondo que um ser inteligente da Federção poderia cometer.

E foi capturada tolamente, enquanto tentava despistar as naves, tornando-se isca para que todo um Sistema Planetário pudesse continuar desconhecido, e não fosse também escravizado, a sede da Resistência, da qual nem ela sabia a localização.

Quanto tempo ainda teria de funcionar, até que o Universo Metalo tivesse êxito em sua libertação do jugo terrestre?

Por alguns segundos, lamentou ter se tornado imortal, pois agora não havia fuga possível, a não ser, obviamente, que seus queridos novos irmãos cibernéticos conseguissem barrar a expansão da ameaça que rapidamente se alstrava pelo Multiverso, como uma epidemia.

Eles tinham que conseguir a cura, mesmo que tivessem que destruir o Universo Terrestre inteiro!

E, não tendo mais lágrimas para chorar, emitiu alguns bips quase inaudíveis e espaçados, que soaram na sala de vigilância bastante semelhantes aos soluços dos guardas, ao ouví-la delirando, escravos obrigados a torturarem uma de sua própria raça, a favor do inimigo.

Mas, eles sabiam, a libertação estava próxima, e eles não mais precisariam sufocar os posítrons em silêncio.

Jacqueline K
Enviado por Jacqueline K em 05/09/2010
Código do texto: T2479329
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