Lugar Feliz

Vejo os sinais onde não existe mais tristeza, não existe mais dor, não existe mais mentiras, não existe mais choro. Estou imerso num mundo devastado pelos sentimentos humanos. Por ganância, ódio, inveja, raiva e ciúmes. Tudo destruído, mas eu penso num lugar feliz, ainda. Meu lugar feliz, onde quase não posso respirar, seguro sobre tudo ao meu redor, onde eu não serei machucado ou poderei me machucar. Mas sinto uma insofismável falta de algo ou alguma coisa, que eu não consigo explicar.

Observo o mundo ao horizonte, onde prédios inteiros ruíram ante a fúria desenfreada de uma guerra insana, árvores queimam por causa da radiação, amores foram destruídos, mas, ainda, não existe mais nada a se perder a não ser tudo aquilo que foi perdido. Corpos, civis, soldados, animais em estado lastimável em decomposição. Mas ainda penso num lugar feliz, apesar de tudo, sem mentiras, sem medo, sem enganação. Todas as mentiras que necessitamos para viver.

Os odores dos metais pesados na atmosfera perpassam os meus pulmões natimortos. Os meus olhos tentam, em vão, vislumbrar os restos exíguos do sol nuvens acima, mas somente escuridão, dor e desespero são tudo que eu posso ver. Os meus ouvidos tentam escutar a calmaria depois da tempestade, mas a desilusão, a solidão e os gritos são o que eu posso ouvir. Ainda imagino o meu lugar feliz, será que ainda existe?

Procuro-o, mas não o acho. Acho-o, mas não o sinto. Sinto-o, mas não o desejo mais. Tudo o que eu sei está errado. Tudo o que eu tenho se foi. Vagueio por meio mundo atrás de algo perdido no tempo e vejo os poucos sobreviventes lutando contra a natureza que a guerra deixou. Saqueiam, matam, estupram, enfim, voltamos a nossa velha libertinagem primitiva humana, mas, será que deixamo-la ou apenas a disfarçamos em gentilezas e ternos e acordos diplomáticos e economia selvagem de mercado? Sim, talvez nunca deixamos o nosso primitivismo, apenas o disfarçamos.

Talvez aquilo que eu procure, neste mundo devastado pelo caos da Terceira Grande Guerra, não exista realmente ou, se existe, seria algo totalmente inominável, inalcançável, inimaginável, um sentimento a muito perdido e nunca encontrado. Mas irei continuar nesta terra de ninguém, vendo a natureza humana ressurgir enquanto ainda vivermos, pois assim me foi passado esse desígnio maldito, de viver o tanto quanto a humanidade durar até tempos imemoriáveis ou, pelo menos, até a humanidade se acabar de vez onde só restará, apenas, algum sentimento inominável no fim.

Daniel Chrono
Enviado por Daniel Chrono em 01/08/2010
Código do texto: T2411722
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