DIFÍCIL RECOMEÇO
Por: Larissa Caruso
Nota: Esse conto foi originalmente publicado no blog FC vs Realidade, link: http://realidadefc.wordpress.com
Difícil Recomeço... Ou talvez não.
Por: Larissa Caruso
O homem de estatura baixa, com uma barriga proeminente, abriu a porta do hangar, dando um passo em direção à rua. Seus poucos cabelos esvoaçavam com brisa vespertina da cidade de Austin, Texas. Com olhos curiosos, ele observou aqueles que residiam em seu novo lar. A escolha de vestuário da maioria dos habitantes era limitada. Ao examinar mais de perto, percebeu a inexistência de qualquer tipo de ferramenta que os proporcionasse com uma mudança rápida de roupa. Olhou para o pequeno botão azul no colarinho de sua camisa e tentou se imaginar um dia inteiro sem modificar suas vestimentas de acordo com a ocasião, ou o clima. Faz uma careta, condenando tal possibilidade.
Virou-se para examinar a vitrine de uma loja e, examinando seu reflexo, percebeu que estava parecido com os terráqueos. Observou o bracelete em seu pulso e amaldiçoou seu destino. Nem assim conseguia sentir-se atraente. Em seu planeta, era visto como um ser pouco viril, devido ao fato de possuir em seu tronco somente três bolsas de armazenamento de ahsuere, o líquido vital para a reprodução de sua espécie. Sendo pequeno e mirrado, não era bem quisto. Aqui, dificilmente seria diferente. Frustrado, suspirou, e continuou sua caminhada.
O bracelete que usada chamava-se ARC, Alderon Reestruturador Conduíte. Era utilizado para esconder a aparência real dos alienígenas que viviam entre os seres primitivos de planetas menos desenvolvidos. Os humanos nem sequer imaginavam o que os esperava na galáxia a fora. Achavam que a vida se limitava a esse buraco primitivo, quando, na verdade, existia até mesmo um governo que unificava todos os planetas habitados da Via Láctea.
Não havia sido sua escolha mudar-se para a Terra, mas era uma opção melhor quando comparada à prisão Crismaline. A pior parte para ele era, talvez, não ter o contato com a tecnologia que o provia com tanto conforto e conveniência. Criminosos como ele, poderiam receber uma segunda chance e serem enviados para planetas primitivos, onde trabalhariam em setores públicos menos quistos do governo intergaláctico. Em seu caso, seria o responsável pelo Departamento de Controle de Imigrantes no Centro de Imigração Intergaláctica de Austin. Seu trabalho era manter os alienígenas que moravam na Terra sob controle. Ele os monitoraria para ter certeza que não burlariam ou desrespeitariam as regras impostas pela Confederação de Planetas da Via Láctea.
Com as mãos nos bolsos e um olhar cabisbaixo, ele continuou a caminhar, procurando por algum sinal de tecnologia avançada neste lugar. As propagandas eram feitas com grandes cartazes na rua, extremamente ineficaz e sujo quando comparado ao método holográfico e customizado de muitos planetas. Os meios de transporte eram grandes e limitados ao chão. Os poucos que rondavam os céus faziam barulho demais e pareciam ser incapazes de voar acima de certa altura.
Ouviu um alto assovio e perguntou-se se seu bracelete estava na frequência certa para traduzir a linguagem utilizada por aqueles seres. Olhando em direção ao barulho, percebeu que uma fêmea o observava de maneira intrigada. Perguntou-se se havia esquecido algum comando ou preparação pós-chegada. Suas sobrancelhas arquearam quando ela continuou a fita-lo. Sentiu-se intimidado por aquele tipo de comportamento. Não parecia algo normal.
Gotas de suor escorreram em seu rosto, revelando o nervosismo que se acumulava dentro de si. Direcionando o olhar para frente novamente, apertou o passo, continuando sua caminhada. Dispôs-se a cruzar uma larga avenida, interessado em uma visão diferente do local. Barulhos estrondosos de buzinas soaram de repente, enquanto grandes máquinas zuniram em alta velocidade ao seu redor, ignorando sua presença. Um transporte alto e retangular, que mais parecia um container, quase o acertou, mas ele desviou no último minuto. Correndo para o outro lado, procurou abrigo no conforto daquele piso diferente, mais alto e menos assustador.
Sentia-se ultrajado. Que tipo de lugar era esse que não respeitava os seres que lá habitavam? Deveria ter lhe dado passagem. Poderiam ser mandados para a tão temerosa prisão Crismaline caso fossem responsáveis por uma tragédia. Talvez tivesse sido uma má idéia a decisão de conhecer a vizinhança antes de receber o chip com informações sobre seu novo lar. Estes seres eram difíceis demais de serem decifrados, diferente da maioria dos habitantes de outros planetas que visitara durante sua vida. Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina que perguntou:
– Você esta bem?
Ela era uma mulher alta, com duas pequenas bolsas de armazenagem vital na parte superior de seu torso. Não eram muito grandes ou alongadas, mas bonitas o suficiente para alguém como ele. Diferente das fêmeas que convivera, ela as expunha de forma sutil, deixando os dois primeiros botões de sua blusa desabotoados. Pareciam firmes, como se mantidos naquela posição por algum tipo de acessório.
– Oie? Eu estou falando com você. – insistiu a moça, com ligeira exasperação.
– Estou bem. – respondeu ele, incapaz de desviar a atenção dos firmes seios que se encontravam em seu peito.
– Você não parece muito bem. Devo chamar um médico? – ofereceu gentilmente enquanto deu um passo para frente, ficando mais próxima do homem.
Finalmente ele elevou seu olhar ao rosto feminino, fitando-o. A mulher lambeu os lábios, observando-lhe de um jeito quase bestial. Incapaz de responder balançou a cabeça negativamente. Aproveitando a brecha, ela aproximou-se ainda mais, quase colando seu corpo contra o dele. Parecia querer devorá-lo, literalmente. Talvez o tivessem colocado em um planeta carnívoro? Não, não... esses foram banidos da Confederação há muitos séculos atrás.
Ainda sim, não conseguia entender seu comportamento. Era o suor escorrendo em seu corpo, ou talvez a bolsa proeminente na parte inferior do torso em sua aparência humana que o tornava desejável? Antes que pudesse concluir seu raciocínio, sentiu os lábios da fêmea tocando os seus. A língua, molhada e flexível, enfiou-se em sua boca, invadindo-a. Uma mão agarrou sua nuca, forçando-o ainda mais próximo dela.
Queria libertar-se daquela coisa nojenta. Sentia que, cada vez que seu coração aumentava o ritmo, ela se tornava mais determinada a engoli-lo naquele ato sujo e primitivo. Ao mesmo tempo, existia algo que se remexia dentro dele, como se um fogo que aos poucos fosse liberado. Desesperado, empurrou a moça para longe. Em seguida, correu na direção oposta. Precisava voltar para o escritório. Era necessário entender essa raça antes de interagir com eles.
Viu a entrada do seu atual local de trabalho a poucos metros e sentiu-se aliviado. Adentrou o pequeno prédio, fechando a porta com violência. Todos o observaram sem entender o que se passava. Com os olhos arregalados e a respiração ofegante, ele se encostou contra a parede, procurando recuperar-se.
– Sr. Lorns? – perguntou uma mulher de aparência translucida cintilante. Ela flutuava, com seus cabelos lilás balançando como ondas na água.
– Sim? – respondeu ele, tentando parecer em controle da situação.
– Estávamos esperando o senhor há meia hora. – ela informou, estendendo a mão com uma pequena caixa metálica – Aqui está o seu chip e as informações pertinentes ao seu novo cargo. Seja bem vindo.
– Obrigado. – respondeu ele, estufando o peito enquanto pegava o objeto.
– A sua sala é a primeira à esquerda. – informou a mulher, em um tom gentil.
Sem maiores comentários, ele se dirigiu até onde havia sido indicado, entrando no pequeno espaço reservado para ele. Tinha somente 10 metros quadrados, o mesmo tamanho que a maioria dos banheiros em seu planeta. Ainda sim, não podia queixar-se. Pelo menos se sentia seguro lá.
Pegando o pequeno chip de dentro da caixa, ele o examinou por um momento antes de colocá-lo contra sua têmpora esquerda. Assim que o objeto tocou sua pele, tornou-se um liquido viscoso que logo desapareceu. Sentindo-o integrar-se com seu cérebro, ele se sentou, um pouco desorientado. Diante de seus olhos passaram-se imagens e conhecimentos locais, assim como todo o ciclo evolutivo da humanidade.
Em questão de minutos, ele aprendeu sobre os costumes, o vestuário, a geografia... tudo o que um humano deveria saber até seus trinta anos. Sentiu o mesmo fogo de antes tomando seu corpo quando entendeu o significado do que a mulher havia feito. Era um beijo. Algo preliminar ao acasalamento, na maioria das vezes. Aquele tipo de ação não era praticado entre seu povo. Caso estivesse interessada em procriar, bastava que a fêmea demonstrasse seu interesse apalpando com firmeza um dos sacos de armazenamento vital.
Concentrando-se, tentou entender o que havia feito a mulher agir de tal forma. Segundo seus conhecimentos da cultura humana, existia um período de flerte antes da passagem para um ato tão intimo e cheio de libido como um beijo de língua. Pensou no computador central do escritório...qual era seu nome? Lembrando-se, ordenou:
– Lucy, procure a correlação entre o beijo e minha fisiologia.
– Claro, senhor Lorns. – respondeu uma voz feminina computadorizada.
Enquanto esperava o resultado da análise, observou os móveis de seu escritório e também os pertences que lá se encontravam. Teria muito que se adaptar. Seria um difícil recomeço.
Um gráfico apareceu diante de seus olhos, com uma tela ao lado indicando sua composição fisiológica. Circulado em vermelho estava androstadienone, um feromônio responsável pela defesa de sua raça, liberado em alta quantidade durante momentos de stress intenso. Ao lado, encontrava-se uma ficha informando a composição humana. A explicação sobre a atração que ocorria entre os sexos estava destacada. O texto indicava a mesma substância química como responsável pela produção de um alto nível de cortisol nas fêmeas, diretamente relacionado ao estimulo sexual feminino.
De repente, um leque de possibilidades se abriu diante seus olhos.
– Talvez não seja um recomeço tão difícil assim... – murmurou em voz alta para si mesmo, permitindo que um sorriso aparecesse em seu rosto.