3001, uma odisseia no hiperespaço - humor científico - Capítulo VIII

Em qualquer lugar ou época, seja no presente, no passado ou no futuro, guerrilheiro que é guerrilheiro tem que ser meio maltrapilho. E pra ser dos bons, tem que ser um tanto desasseado, pra mostrar que vive em constantes treinamentos, sujeito às mais severas e adversas condições, combatendo brava e heroicamente o inimigo e não tem tempo nem vontade de ficar se preocupando com banho, higiene bucal, barbearia ou lavanderia. Tem que ser muito macho pra deixar dessas frescuras e seguir lutando até a vitória ou a morte gloriosa no campo de batalha. Feito uma certa ex-guerrilheira que quase fez história, mas em 3001 ninguém mais se lembrava dela.

Por isso Maluco, que pretendia passar-se por um deles, rasgou estrategicamente alguns bocados de seu traje, descosturou um pouco do local onde uma das mangas se encontrava com o ombro, esbagaçou as suas botas esfregando-as contra um dos gradis que havia ali por perto, rolou e se esfregou contra a poeira e a graxa que forravam a superfície interna do duto de ventilação onde se encontrava, em especial o rosto, de modo a parecer que estava sem se barbear há muito tempo, arrancou uns tantos tufos do próprio cabelo pra obter um ar perfeitamente desgrenhado, amarrou em torno da testa uma tira de tecido que arrancou da bainha da própria calça, e chegou até a passar um dedo todo sujo de graxa e poeira sobre os dentes pra que parecessem desescovados há longa data.

Quando deu-se por satisfeito com seu disfarce, subitamente deu um bom chute e soltou a grade que o separava da cabine de comando, saltou pro chão no meio da dita cuja e, antes que tomasse uns trinta tiros de fusis positrônicos e pistolas phaser, ajoelhou-se diante dos dois "patrulheiros", abriu os braços e um amplo sorriso beatificado, e disse com a voz dramática:

-- Graças a Beta Betelgeuse! Vocês me encontraram, companheiros!

Pegos assim de surpresa e apesar de estarem apontando as suas armas engatilhadas pro invasor inesperado, os guerrilheiros olharam um pro outro com cara de ponto de interrogação e voltaram a olhar desconfiados pro Maluco-disfarçado-de-maltrapilho, sem dizer uma palavra, mas também sem deixar de apontar as suas armas mortíferas pro pirado à sua frente.

-- Há muitos meses fui capturado pelos reacionários empedernidos durante uma incursão secreta pra reconhecimento do território inimigo e fui feito prisioneiro nos porões infectos de Luna. -- continuou dizendo o nosso herói abilolado.

Mais uma vez os "patrulheiros" trocaram um olhar desconfiadíssimo e tornaram a olhar fixamente pro doido.

-- Até que, num descuido de meus carcereiros, consegui escapulir e me infiltrei clandestinamente nesta nave, cujo destino eu desconhecia, mas pensei que qualquer lugar seria melhor do que aquele calabouço maldito em que me encontrava confinado e restringido. -- continuou o nosso louco de pedra.

Os "patrulheiros", aos poucos e quase imperceptivelmente, foram começando a se interessar pela história que Maluco contava e passaram a prestar atenção com uma postura um pouco mais relaxada.

-- Qualquer lugar do Universo seria infinitamente preferível àquele bárbaro antro de crueldade, onde me submeteram às mais escruciantes torturas e sevícias! -- ia continuando o Maluco.

Contudo, ao perceber que havia se entusiasmado um pouco com o papel que inventara pra si e começado a exagerar um tanto, o que fez com que os guerrilheiros instintivamente adotassem de novo uma atitude belicosamente alerta, refreou os seus dotes dramáticos e, prostrando-se no chão em frente a eles, desfechou a narrativa.

-- Mas qual não foi a minha grande sorte e grata surpresa quando, de meu esconderijo de clandestino, reconheci os meus velhos companheiros de ideal e luta justamente no ato de reivindicação da nave, esta em que me encontrava escondido, pra compor fileira com os instrumentos que nos levarão em breve à vitória final! -- Maluco levantou o punho direito fechado enquando dizia as últimas palavras.

Isto feito, levantou-se num salto elástico, como se fosse abraçar os dois basbaques à sua frente, que recuaram por puro reflexo, às cegas, e acabaram caindo sentados respectivamente no colo do comandante e de um dos copilotos, que aproveitaram o ensejo pra segurar-lhes numa firme chave de braço, enquanto os outros tomavam-lhes as armas.

Um dos tripulantes virou-se e imediatamente apontou uma pistola phaser na direção da cabeça do Maluco, obviamente tendo se convencido com toda aquela lenga-lenga de que ele era um dos legítimos integrantes do PTdoB, Patrulheiros Tremendões do Barulho, e que era portanto um guerrilheiro pela causa do Capitalismo Selvagem, comparsa dos dementes que estavam tentando sequestrar a nave.

Mais do que depressa, Maluco levantou os braços e revelou a verdade em breves palavras, esboçando o resto do seu plano engenhoso pra subjugar os sequestradores da nave. Como prova final, apresentou o seu bilhete virtual de passagem, bem como todos os seus dados indentificadores, deixando-lhes fazer o download por escaneamento do chip que todo habitante do universo civilizado carregava implantado em seu antebraço desde o nascimento até a morte.

Assim, os chefes da tripulação puderam comprovar que ele era quem dizia que era. E em seguida contaram pro Maluco qual era o destino da nave que os guerrilheiros os obrigaram a reprogramar e seguir: Favelum Tosca, aquele planetinha desclassificado, na periferia mais fuleira da Galáxia, onde um dos braços da legião dos capitalistas selvagens fazia as suas torpes experiências pseudocientíficas.

Mas, antes que pudessem retomar o curso normal da nave, precisavam subjugar os outros guerrilheiros. Tanto o comandante como os demais tripulantes ali presentes olharam pro Maluco como quem espera conhecer o plano inteiro, bem como receber instruções detalhadas.

E ele não se fez de rogado.

(continua no próximo capítulo)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 25/05/2010
Reeditado em 06/06/2010
Código do texto: T2278198
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