3001, uma odisseia no hiperespaço - humor científico - Capítulo VII

O patrulheiro que ficara guardando a porta do toalete, apesar de estar alguns bons graus acima da sobriedade, começou a demonstrar sinais de nervosismo e impaciência com a excessiva demora do Maluco pra despachar fosse lá o que fosse que ele tivesse ido despachar lá dentro.

Apesar de ter alguma dificuldade pra focalizar satisfatoriamente o olhar, passou a consultar seguidamente o pequeno instrumento implantado no seu pulso esquerdo, cuja tela mostrava, num simples toque de comando, as horas em quase todos os lugares do Universo, um tradutor automático pra mais de seis trilhões de línguas e dialetos falados pelo Universo afora, o menu de modos de comunicação de curta, média, longa e inimaginável-mega-super-exagerada-pra-caramba distâncias, uma calculadora científica profissional, um dicionário de termos médicos, um manual de sobrevivência na selva ou no deserto, e receitas de bolos, doces e salgados pra festas infantis.

Fofuxa, que conhecia parte dos planos alucinados do Maluco e os aprovara com entusiasmo, estava atenta a tudo e viu que chegara a hora de entrar em ação.

Sabia que a combinação de determinada inocente balinha, que por sinal ela trazia consigo, com certo solvente de esmalte, que não por acaso ela também carregava consigo, misturados numa certa quantidade de cerveja arcturiana, que por sorte ela havia comprado tão logo embarcou e ainda não havia tomado, surtiam um efeito altamente alucinógeno, fazendo com que a pessoa que a tomasse perdesse o contato com a realidade corriqueira do dia-a-dia e se perdesse em alucinações psicodélicas por um bom tempo.

Feita a mistura com toda a discrição, dirigiu-se languidamente pra porta do toalete e falou pro patrulheiro ali de guarda:

-- Cara, tô preocupada com o meu amigo. -- e fingiu que tomava um gole da bebida -- Ele tava passando muito mal e pode ter desmaiado lá dentro, sabe? -- mais um gole de mentirinha -- Eu sei que lá dentro deve estar um fedor insuportável, porque antes de embarcar ele comeu feijoada de Prócion, chucrute de Alpheratz, acarajé de Acrux, batata doce com melado de Polaris e arrematou tudo com caldo de cana de Fomalhaut, mas alguém talvez tivesse que entrar lá pra ver como é que ele tá e se tá precisando de ajuda, né? -- arrematou simulando mais um gole.

O patrulheiro estava claramente dividido entre as expressões de náusea pelo quadro mental que fez do cheiro dentro do toalete, de cobiça pela cerveja arcturiana que a Fofuxa estava "tomando", de cobiça pela própria Fofuxa que era bem jeitosinha, e o senso de dever que o obrigava, ainda que não muito convictamente, a cumprir a missão que a ele fora designada, qual seja, de vigiar a porta do toalete.

Fofuxa, como quem tivesse acabado de ter a ideia, estendeu pra ele a garrafinha, dizendo assim:

-- Será que você poderia segurar isso aqui pra mim, enquanto eu vou lá dentro pra ver se o meu amigo tá precisando de ajuda?

O patrulheiro olhou pra ela um pouco desconfiado e indeciso, por uns bons dois segundos e meio e, em seguida, aceitou alegremente a providencial oferta de Fofuxa. Pegou a garrafinha, saiu da frente da porta e deu passagem a ela, dando graças a todos os Asteróides Sagrados por ela ter se oferecido pra resolver esse pepino e ainda ter deixado a cerveja arcturiana com ele. Fofuxa teatralmente respirou fundo, tapou o nariz e entrou.

(continua no próximo capítulo)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 24/05/2010
Reeditado em 06/06/2010
Código do texto: T2276186
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