A Fonte - capítulo 1

.O herdeiro.

Diego ouvia um som fraco, que ecoava em sua cabeça mas que ele não conseguia distinguir. Gradativamente o som foi aumentando, ganhando formas audíveis que explodiram num tufão de informações. Ele despertou.

Era sua velha tv, que ficara ligada depois que ele caira no sono na noite anterior. Era uma lâmina de vidro sobre uma mesinha na sala, e que projetava imagens em três dimensões. Hoje a tecnologia já era ainda mais avançada, pensou Diego, mas aquele aparelho já era suficiente. Na verdade o que realmente importava era o que aparecia no noticiário.

“O governo estima que só no ano passado, mais de duzentos mil estrangeiros se instalaram no país, grande parte disso em São Paulo.” — dizia o Âncora do telejornal, que pigarreou antes de continuar. “Estudam-se medidas mais drásticas de controle populacional agora para o ano de 2129, e também aumento nos impostos para manter os sistemas básicos em perfeita consonância.”

“Perfeita consonância”. Isso chegava a ser engraçado de tão estúpido e cínico que era. O mundo estava uma merda, e nada funcionava direito há muitas décadas. Isso todo mundo sabia.

Diego morava sozinho num apartamento minúsculo na zona nordeste de São Paulo, e conhecia muitos estrangeiros. Era grande amigo de um holandês que vivia nostálgico, lembrando do seu país que não existe mais, e conhecia também muitos ingleses e italianos. Mas nada superava o número de norte americanos que vivivam em São Paulo, em busca de boas condições de vida que jamais encontravam. Aliás, os americanos possuiam até um bairro só deles, chamado de “Vietnã”.

Toda essa gente vinha ao Brasil em busca de uma salvação, e o governo nada fazia para impedí-los. Pelo contrário, até incentivava, de olho na mão de obra barata que vinha do exterior. Ver tal anúncio do governo na tv era no mínimo... uma piada muito mal estruturada.

O rapaz que completara há poucos dias 23 anos, se arrumou para ir trabalhar, mas antes de sair pegou uma carta deixada embaixo de sua porta e a jogou numa caixa que ficava quase sempre sob sua cama. Depois pegou sua máscara e saiu.

Diego trabalhava numa pequena loja de conveniências nas proximidades do centro, e utilizava um defasado sistema de metrô que se sustentava em planejamentos de um século antes. Pelo menos dentro dos vagões, lá no subsolo, podia tirar sua máscara de gás que era obrigatória na superficíe lotada de gases tóxicos - pelo menos se não quisesse adiquirir uma doença respiratória das graves.

Apesar de sempre ficar espremido entre outras dezenas de passageiros, era naquele momento que Diego sentia que estava rodeado por humanos e não robôs. Ao contrário do que acontecia na superfície, ali ele podia finalmente ver as feições das pessoas sem aquelas máscaras horrendas, ver suas expressões de tristeza ou incerteza, observar seus olhos ainda vivos, que buscavam esperança a cada instante.

Logo o rapaz chegou ao seu destino, uma loja simples, enfiada entre muitos arranha-céus que predominavam na região. No caixa estava sua amiga de longa data, Fernanda, uma moça um pouco mais jovem que ele, mas que enfrentava as mesmas dificuldades.

— Oi, tudo bem? — disse Diego, vestindo seu avental.

— Oi, tudo ótimo. Muito movimento hoje... — ironizou ela.

— Pois é, logo vou a falência — disse uma voz fraquejante. — A inflação está muito alta, e ninguém anda comprando muito...

Diego se virou e viu seu chefe, Borges, um homem baixinho e roliço, que segurava uma lata de vegetais em uma de suas mãos calejadas. Ele era um homem sempre alegre e divertido, mas nas últimas semanas ele se encontrava muito tenso com as possíveis sanções impostas pelo governo.

— Viu o que disseram hoje na tv? — indagou Diego.

— Sim! Os palhaços querem aumentar ainda mais os impostos. Só podem estar de brincadeira. Querem provavelmente controlar a população matando-a de fome!

A iluminação piscou, e o sistema do caixa teve que reiniciar.

— E ainda isso — disse Borges apontando para o computador. — A droga da Fonte agora deu de ficar falhando.

— Ouvi dizer que ela está acabando — disse Fernanda num tom de voz sombrio.

— Não dúvido disso — disse Diego.

— Não diga isso rapaz! — o homem fez o sinal da cruz. — Se isso acontecer, a escuridão vai ser bem maior do que aquela que se esvai com o amanhecer. Tudo isso vira um caos!

Borges tinha razão. A Watts há pouco mais de 1 ano monopolizara todo o sistema monetário do país. Seu sistema virtual teóricamente era magnífico, pois cada pessoa possuia um perfil na rede, onde todo seu dinheiro era guardado e ele poderia ser acessado em qualquer comércio do país com a identificação da retina do usuário. As pessoas simplesmente não precisavam mais portar dinheiro material, o que em tese reduziu em muito os roubos em território nacional. No entanto, só comercios ligados a um sindicato específico criado pela Watts, poderiam adiquirir o aparelho que permitiria a compra ou venda com o dinheiro online. E fazer parte do sindicato exigia altos encargos... Enfim, se com as pequenas falhas na energia da fonte, já ocorriam erros no sistema, a interrupção do abastecimento causaria caos em proporções incomensuráveis.

Diego estava distraido na conversa, quando uma mão pesou sobre seu ombro. Rapidamente ele se virou e se deparou com um homem grandalhão, vestido de terno. Era um dos seguranças de seu avô.

— Senhor, seu avô me solicitou que viesse comigo. Ele precisa muito conversar com você.

— Diga a ele que eu não vou.

— Ele não aceita um não como resposta — disse o segurança.

— Pois dessa vez acho que ele vai ter que engolir um não.

O segurança avançou para agarrar Diego, mas Borges entrou no meio deles e puxou o rapaz para um canto.

— Espere só um segundo — disse Borges sorrindo para o segurança. Em seguida abaixou o tom e aos sussuros disse: — Olhe Diego, não quero problemas com o seu avô. Sei da sua situação com ele, mas peço que entenda a minha situação. Se ele resolve se vingar de você, pode até mandar fechar minha loja, só pra te deixar desempregado. Tenho noção do poder do Otávio.

Diego suspirou e então concordou.

Contra sua vontade, o rapaz acompanhou o segurança.

Mackenzie, era o sobrenome de Diego, e ele carregava o peso de ser o neto do famoso e poderoso inventor da Fonte. Mas no fundo Diego nunca quis nada disso...

Jean Carlos Bris
Enviado por Jean Carlos Bris em 22/05/2010
Reeditado em 23/05/2010
Código do texto: T2273512
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.