3001, uma odisseia no hiperespaço - humor científico - Capítulo VI

Não é que o Maluco ou a Fofuxa tivessem grandes treinamentos em artes ninjas ou contra-espionagem ou coisa assim. É que eles eram bastante safos e espertos, pois haviam estagiado por longo tempo em sistemas planetários próximos à periferia da galáxia, onde imperavam os planetinhas sem lei nem ordem nem coisa alguma que sugerisse um mínimo de civilidade e cosmopolitanismo, encontráveis somente na parte cosmopolita e civilizada do Universo, que era a maior parte por sinal, como o Sistema Solar ou de Sirius ou de Alpha Centauri ou de Antares ou de Aldebaran, só pra citar alguns deles mais próximos, distantes apenas algumas centenas de zilhões de quilômetros entre si. Afinal, algumas espécies alienígenas estavam vivendo ainda os seus primórdios e teriam muito o que aprender e evoluir até poderem atingir o estágio em que se encontravam as espécies mais antigas.

Sem mencionar que a prática constante de esportes radicais, como o surfe nos anéis de Saturno, as escaladas nas montanhas pedregosas de Mercúrio e as fugas das aulas de Geometria Espacial Aplicada pra irem tomar umas cervejas arcturianas nos botecos de Plutão, fizeram com que os corpos da Fofuxa e do Maluco ganhassem elasticidade, tônus e bastante preparo, e as experiências nos setores barra pesada do Universo fizeram com que suas mentes desenvolvessem uma rara capacidade pra encontrar rapidamente soluções práticas pros mais variados tipos de problemas e dificuldades que pudessem rolar.

Deste modo, bastou que Maluco, depois de ter discretamente desligado o dispositivo de privacidade sonora pra encetar uma conversa prosaica com a Fofuxa e, assim como quem não quer nada, falasse de modo a que Zezé e seus comparsas ouvissem:

-- Olha, por mim tô pouco me lixando pro que esses caras forem fazer. Só não gostaria nem um bocadinho que eles começassem a detonar o estoque do bar dessa geringonça hiperespacial aqui, porque aí não ia sobrar nada pra gente matar a sede e passar o tempo, né?

Zezé fingiu que não ouviu. Não iria dar confiança pra um par de moleques recém-saídos dos bancos da Universidade-Do-Espaço-Tempo-E-Outras-Matérias-Assim-Metafísicas-E-Filosóficas-Pra-Caramba, que só porque tinham um diploma achavam que sabiam mais que todo mundo, que sabiam mais que ele, Zezé, que se formou na Escola-Da-Luta-Pelas-Liberdades-Políticas-Etílicas-E-Sexuais da vida...

Mas não pôde resistir por muito tempo. A minhoca da sugestão entrou pelo seu duro cérebro adentro e foi roendo, abrindo túneis e mais túneis. E a cada túnel aberto pela minhoca, mais sede ele sentia. Não demorou quase nada pra que ele fosse se encaminhando lenta e tortuosamente na direção do bem abastecido bar de bordo.

Quando já estava bem próximo, subitamente teve o seu interesse desperto pelo engenhoso dispositivo de refrigeração que se encontrava no teto e passou a olhar para o mesmo com uma intensidade e concentração impressionantes. Tão concentrado e intenso era o seu interesse que nem reparou quando adentrou o bar... Quando finalmente despregou os olhos do teto e tornou a olhar pra frente e em volta, manifestou uma discreta mas inequívoca surpresa por se encontrar onde se encontrava -- Como vim parar aqui? Bem, já que estou aqui, por que não tomar um traguinho?

Você sabe, algumas pessoas têm sede em cadeia e um trago chama outro que chama outro e mais outro e outros mais. Logo Zezé estava no grau. E que grau!

Seus comparsas, que a princípio pareciam desaprovar a atitude leviana e irresponsável de seu líder, pouco a pouco foram deixando de manter a pose de resistência heróica e aderiram gradativamente ao saciamento da sede histórica que sentiam, não tanto de vingança nem de justiça, mas de goró, mé, birita, mardita, pinga, garapa, breja, brahma, loira, gelada, malte, cevada, uva, ou qualquer coisa que se fermentasse ou se destilasse e se transformasse em néctar dos deuses. De preferência com alto teor alcoólico.

Em suma, encheram a cara.

E enquanto os sequestradores enxugavam o bar, Maluco simulou uma urgência urgentíssima pra usar o toalete. Fingindo um grande constrangimento respeitoso, levantou um trêmulo dedo e olhou implorante pra turba entornadora, até que um deles percebeu o gesto e, já empunhando a arma frouxamente, perguntou qual era o pó... o "pó-blema"... e caiu na gargalhada pontuada de alegres soluços.

Maluco disse timidamente numa voz quase sumida que precisava muito, muito mesmo, ir ao toalete. Ou dali a pouco o ar da cabine ficaria completamente irrespirável.

Depois de fazer um pouco de ébrio e sarcástico jogo duro, o guerrilheiro terminou por permitir, desde que Maluco se deixasse acompanhar por um dos "patrulheiros", que ficaria montando guarda na porta e o traria de volta ao seu assento.

Uma vez dentro do toalete, Maluco rapidamente retirou a grade que tampava a saída do duto de ventilação e se enfiou por ali, engatinhando e se arrastando feito uma cobra ligeira até onde sabia que encontraria a cabine de comando da nave.

Lá chegando, por detrás da grade percebeu que haviam outros dois "patrulheiros" fortemente armados subjugando o comandante, os seus dois copilotos e os dois navegadores.

Como poderia ele, de mãos nuas, enfrentar os sequestradores armados do dedão do pé ao cocoruto? Pensou um pouco. Depois, pensou mais um pouquinho. Em seguida, pensou mais outro bocadinho. E, então, encontrou a solução.

(continua no próximo capítulo)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 22/05/2010
Reeditado em 06/06/2010
Código do texto: T2272138
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