3001, uma odisseia no hiperespaço - humor científico - Capítulo IV
Com o advento do fenômeno do aquecimento global no começo dos anos 2000, em que não apenas a temperatura da Terra subiu alguns tantos graus, causando o derretimento de antigas geleiras, muita chuva e, portanto, o aumento do nível nos oceanos e mares -- fazendo, por exemplo, com que a Holanda virasse um grande Parque Subaquático --, fez também com que a humanidade aprendesse algumas lições básicas, depois de um par de séculos de difícil adaptação aos novos tempos e conformações climáticas e geográficas, como, por exemplo, cuidar melhor do lixo que produz, não riscar fósforos perto de poças de combustível, evitar ao máximo estacionar em fila dupla, não votar em políticos cujos nomes lembrem apelidos bobocas, como Bucha, Loló etc, e praticamente eliminar a pirataria, a bandidagem e a guerrilha.
Porém, um milênio não é o bastante pra se depurar toda uma espécie como a humana. Então, alguns indivíduos insistiam nos paleolíticos ideais aventurescos em que se misturava política e banditismo. Na verdade, praticamente restaram alguns poucos fanáticos defensores do proscrito Sistema Capitalista Selvagem, já que o igualmente proscrito Regime Cripto-Comunista Roxo fora desaparecendo gradativamente, à medida que seus integrantes aderiam ao S.C.S., que era bem mais divertido na opinião lá deles.
No entanto, eram raros os ataques terroristas ou as práticas guerrilheiras, as quais se restringiam principalmente aos rincões pouco desenvolvidos do Universo, como as periferias das galáxias e um certo quadrante universal que poderia ser denominado como Oriente Mais-ou-Menos.
Suas técnicas e táticas guerrilheiras geralmente se constituíam em boicotar o pagamento de pedágios interplanetários, explodir pequenas luas de planetas sem expressão alguma e em sequestrar naves hiperespaciais, pra utilizá-las no transporte de vídeos holográficos pirata de pornografia, caixas de uísque falsificado no planeta Assumpción do Sistema Polux, charutos manufaturados no asteróide de Fidel, que vagava entre os planetas do Sistema de Regulus, e máquinas cibernéticas de jogos de azar, que envolviam eleições indiretas pra síndico de constelações mal afamadas ou pra presidente dos clubes de futebol no vácuo, por exemplo, coisas que teriam a função de distrair os poucos guerrilheiros e terroristas nas suas muitas horas vagas, uma vez que a maioria do Universo já experimentava uma significativa pujança econômica e social e ninguém dava bola pra esses arroubos juvenis de gente sem noção que não tem nada mais útil pra fazer.
Ah, sim, também pirateavam armamentos pesados, como rifles positrônicos, pistolas phaser e fogos de artifício de fabricação caseira, pra equipar os guerrilheiros na heróica-porém-inglória batalha pela Revolução Capitalista Selvagem.
Nas raras ocasiões em que os mais raros ainda ativistas políticos resolviam agir, faziam as abordagens às naves hiperespaciais através do simples recurso de abalroá-las com suas furrecas espaciais, roubadas dos estacionamentos nas cercanias dos espaçoportos de planetas especializados em entretenimentos duvidosos como os já citados, e que depois eram adaptadas pra serem utilizadas nas tais práticas guerrilheiras.
Para tanto, precisavam neutralizar todos os dispositivos de defesa com que as naves modernas eram equipadas. Depois de muito pensar numa forma simples e prática de levar o seu intento a cabo, decidiram-se por infiltrar na tripulação das grandes e modernas naves de carreira alguns de seus elementos altamente treinados pra operar todo e qualquer comando necessário, desde as pilotar com perícia e precisão até aprender como utilizar as complexas máquinas de café expresso, as quais somente comissárias formadas e muito experientes sabiam manejar com destreza.
Feito o abalroamento com o recurso de longas hastes flexíveis de puro aço antariano, que laçavam a nave como se fora um bezerro e a mantinham presa num abraço nada amigável, uma espécie de túnel igualmente flexível e hermeticamente isolado do vácuo externo saía da escotilha principal do calhambeque espacial dos guerrilheiros e acoplava-se firmemente à escotilha principal das naves hiperespaciais, que era arrombada com um formidável chute dado por um robô marombado que costumava ser utilizado em serviços de estiva nos entrepostos das zonas comerciais do Universo, mas que, depois de sequestrado pelos agitadores, passava por adaptações e treinamento pra fazer toda sorte de serviços pesados e sujos em nome da guerrilha.
Uma vez arrombada a escotilha e feita a invasão, o robô marombado procedia imediatamente o conserto do estrago que ele mesmo fez, utilizando para tanto partes de sua própria pessoa robótica, já que a nave ficaria inutilizada sem esta importante peça, uma vez que, depois de retirado o túnel para abordagens, tudo e todos que se encontrassem soltos dentro da nave seriam sugados pra fora e ficariam boiando no imenso vácuo para todo o sempre. E mortinhos da silva.
Há muito tempo não se ouvia falar de ações dos guerrilheiros e terroristas nas áreas civilizadas do Universo. Por isso, ninguém jamais se preocupava com isso. E é sabido e notório que a despreocupação é o passaporte pra vulnerabilidade, bem como pra um estado de relaxamento e tranquilidade muito maneiros.
O Expresso Hiperespacial das Onze, o popular Adoniran, jamais havia sofrido qualquer ataque dos radicais casca grossa. A única preocupação de sua tripulação durante os voos de carreira se constituía no cuidado de evitar colisões com outras naves, com objetos voadores não identificados, com meteoros, asteróides e cometas desgovernados, e com a manutenção dos toaletes, não podendo jamais faltar o dispositivo total-o-matic que fazia a adequada e eficiente higienização das partes anatômicas usadas no ato de excreção das secreções e outras nojentas matérias expelidas pelo organismo vivo, humano ou não-humano, uma vez que grande parte de sua clientela se compunha das mais diversas espécies alienígenas de todos os cantos do Universo.
Pra quase tudo há uma primeira vez. E desta vez o Adoniran foi o alvo escolhido. Mas, tanto a tripulação quanto os passageiros só descobriram isso quando já era tarde demais pra evitar. E então teriam que descobrir algum modo de lidar com a situação indesejável e evitar maiores estragos que o seu sossego interrompido.
E foi aí que o Maluco e a Fofuxa se tornaram peças fundamentais na solucionática da problemática terrorística intergalática.
(continua no próximo capítulo)