Perfumes
Na penumbra da sala fracamente decorada, levitando sobre o acolchoado das poltronas escuras, os vampiros frios e inebriados riam-se divertidamente com o filme “Das Parfum - Die Geschichte eines Mörders”*.
O caos e a personalidade sinistra de Jean Baptiste Grenouille, deixaram impressões de fascínio e semelhança com algumas histórias. Histórias e fatos verídicos! Mas, atestados somente entre clãs de vampiros.
Sobre o filme “O Perfume, história de um assassino”* — os fatos aconteceram na Paris do século XVIII. Resumidamente, Jean é um jovem solitário que possui grande e privilegiada capacidade olfativa. Vendido pela miséria das ruas, entra no infortúnio de um laboratório tosco para servir a um velho e decadente perfumista.
Baptiste, um ser frustrado por ser tão inodoro quanto um vampiro! Fascinado pelas variações de feromonios e odores corporais femininos, se envolve em uma série de eventos macabros. Homem movido pela genialidade torta e desejo de compor para si um “aroma humano”, musical e perfeito. Secretamente opera um mecanismo bizarro para colher a vitalidade de suas vitimas. Consegue assim, isolar o cheiro peculiar de cada uma delas.
Poderoso no intuito; bem sucedido, letal e trágico com sua própria criação! Jean Baptiste Grenouille, o criador do perfume de essências humanas... Um jovem e diferente “vampiro”. O protagonista símbolo de uma Paris caótica do século XVIII.
Com o fim do filme, Leroy pulou da poltrona possuído por um entusiasmo quase infantil. Tirou do bolso do sobretudo um frasco esmeralda de la fée verte. Com habilidade o fez rodar por cima dos dedos de uma mão e, com o indicador da outra mão forçou a tampa fazendo uma pose teatral. Ajoelhado em reverência, encostou o frasco no nariz fino de Claire que encenou fechando os olhos; inspirando levemente, fingiu que a fragrância lhe enchera de grande prazer.
Foi o sorriso perfeito de Claire que quebrou os segundos de silêncio. A vampira ajeitou os cabelos negros e cacheados tirando-os do rosto suave e pálido. O vampiro voltou a sentar-se para ouvir a voz musical da companheira.
— Com certeza o perfume de Baptiste era mais agradável e excitante que essa ilusão a base de absinto, monsieur!
— Grenouille era um louco! Um tolo com maldição de vampiro decadente. Liberté farouche! Fizeram uma sátira dos nossos dias, Mayfair — retrucou Leroy; gesticulando e encenando reverências a aplausos de uma platéia.
— Baptiste, não era um tolo. Ele queria a perfeição. Só pode ser uma história escrita por vampiro. Era tão romancista e tão humano, mon amour – Claire girou o corpo levemente na direção de Leroy.
— Mayfair, li Das Parfum. Digo que o livro é uma janela dos dias de muitas infâncias. Paginas e critica a um modo de vida de uma sociedade como um todo. Uma sociedade mal cheirosa que engolia os fracos e se escondia em lençóis de glamour, luxuria e fragrâncias. Humanos confusos por séculos e séculos...
— Monsieur, e com vampiros também não é assim? Perdidos por séculos e séculos?
Leroy balança a cabeça negativamente com uma grande gargalhada.
— Não comigo! E nem com vampiros de Stephenie Meyer, ma chérie – O vampiro mexe nos cabelos, desenha na face uma expressão severa e em seguida sorri com o canto da boca. Faz pose caricata do personagem Edward Cullen e fala quase em sussurro — O detalhe é que somos perfeitos. Tão hipotermos e poderosos! Sem cheiros e sem decomposição. Imortais vivendo! Criando vazios e preenchendo desejos. Matamos a sede do calor nas veias. Mortais só com o veneno do amor humano ou aquecidos pelo vicio de essências como essa la fée verte. Quem sabe seremos eternos com cálices vermelhos e mornos de animaizinhos da floresta?
— És um velho pierrô, monsieur! Velho e debochado – Claire soltou uma risada e afastou seu rosto do rosto frio de Leroy.
— Oh! My lady, imagine como seria a confusão de Baptiste, encantado com sua beleza singular. O pobre acuado e hipnotizado sem o poder de sentir seu cheiro e sabor.
A vampira acariciou o rosto do companheiro e com longos passos girou o corpo de volta pro meio da sala.
— Isso de fato seria trágico e cômico, monsieur. Confuso seria não poder sentir o cheiro e pulsar daquele coração juvenil e ansioso. Prefiro não ser personagem.
— Doce vampira boba! Somos mito embaixo de luzes fracas. Nos livros ou não, todos personagens de várias e variáveis. Seu coração sensível também é envenenado de paixões, Mayfair
O vampiro que em instantes calçara sapatos e luvas, guarda um molho de chaves e percorre a sala em direção a porta. Claire observando os movimentos sutis e rápidos:
— Está certo, mon chéri. Somos personagens contemporâneos. E esses humanos engraçados que acham nossa conversa peculiar? Silenciam depois de muito barulho e são sugados por futilidades e machines.
— Confusos, Mayfair. Por séculos e séculos...
— Monsieur, me deixará sozinha esta noite?
— Liberté farouche! Em busca de risos, químicas e essências, minha lady! Mas não vou sozinho e nem com o triste Baptiste. Preciso do seu bom humor nessas ruas frias.
O vampiro abre a porta e deixa entrar a luz lunar. Uma rajada de neve fina e uma brisa espalham seus cabelos por um instante. Silencio por segundos; um sorriso afetuoso para Claire.
— Vamos aos sorvetes e banco da praça, minha senhora?
— Não, meu senhor, Leroy! Nada de sorvetes de neve. Vamos atuar nos teatros da noite de Lisboa. Liberté farouche! Encontraremos risos, essências e calor.
— Por séculos e séculos, Mayfair?
— Oui! Monsieur
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