Gaia

Capítulo 1 - O Início

3 de Blatter de 1212. A curandeira-chefe precisa de cuidados imediatos para conter o seu sangramento intenso. Deitada na cama, sangra anormalmente enquanto outras três curandeiras trabalham, uma contendo o sangue, outra a fazendo tomar ervas anestésicas e a última pegando o bebê que saia por entre as suas pernas.

Laura Carter é mulher de Roberto Williams e ambos vivem juntos no povoado dos Atti, uma raça que vive em uma cratera de trinta metros de profundidade e vários quilômetros de diâmetro, por onde a única entrada e saída é o Tronco Sagrado, um tronco curvo com dez metros de largura que liga o fundo da cratera com a superfície, formando uma espécie de ponte; e que é chamado assim pelos attianos por ser o único lugar conhecido a expelir água, recurso essencial para a vida dos Atti, o que o faz pela raiz na cratera, assim criando um pequeno lago que não inunda porque evapora sozinho, sempre se auto-renovando.

A raça dos Atti é semelhante à dos humanos e apesar de terem exatamente a mesma forma física, são naturalmente mais fortes e mais resistentes, o que os torna ideais para serem guerreiros, aumenta o seu tempo de vida e retarda a sua velhice. Apesar de gostarem de luta, eles evitam sair de seu povoado por não terem para onde ir e porque são cercados por perigosas criaturas que eventualmente os atacam, e essa é a razão de terem torres e guardiões ao redor do povoado. Guardiões são os que ainda não conseguiram se tornar guerreiros e entrar para o clan River, a elite do exército dos Atti, então foram designados para essa posição, onde só lutam em situação de emergência, sua principal função é avisar a todos sobre o perigo, através de uma magia básica que todo guerreiro aprende, onde um sinal luminoso é lançado ao céu. O exército é formado por guerreiros que atacam pelo chão e pelo ar, montados em dragões, animais muito ferozes e difíceis de se domar, mas extremamente fortes e capazes de soltar fogo pela boca; e também por magos, que dificilmente partem para ataques físicos, sua especialidade é usar feitiços a longa distância. Os Atti têm um governante, o Comandante White, que também é o líder dos River. É uma raça civilizada, não conhecem energia elétrica, usam magia para fazer a maioria das coisas, como iluminação e fogo.

Seu planeta natal é Perk, semelhante à Terra, mas com gravidade dez vezes maior; a temperatura é variada, podendo chegar de -130ºC a 200ºC, mas a vida é possível através das plantas que absorvem o calor e amenizam a temperatura ao liberar moléculas de oxigênio naturalmente resfriadas. Muitos solos são não são férteis devido à alta temperatura e as plantas que já consomem muitos nutrientes. O tempo em Perk é igual ao da Terra, com um dia se passando em vinte e quatro horas, um mês contendo trinta dias e um ano com doze meses. Os meses de Perk são Contel, Blatter, Saul, Bline, Ailles, Flam, Pande, Silen, Toren, Santi, Prive e Presti. E foi no terceiro dia de Blatter que nasceu Daniel Carter Williams.

Capítulo 2 - Shaden, Jeanie e Williams

10 anos haviam se passado, Daniel agora era um garoto magro, aparentemente sem muita força física, seus cabelos castanhos claros eram rebeldes e seus olhos azuis se destacavam em seu rosto de nariz comprido. Era tímido, o que o fazia ser mais quieto do que os outros garotos de sua idade, e acabava cedendo à pressão de seus pais para escolher a carreira de enlineria, pessoas encarregadas de projetar desde armas e equipamentos até casas e prédios. Seu pai Roberto era um draconis, domador de dragões, ele os capturava junto com a sua equipe para cedê-los aos River. Já havia perdido um irmão e o pai em campo; os dois eram guerreiros, e não queria correr o risco de perder seu filho também. Sua mãe Laura era a curandeira-chefe do povoado e já tratou de muitos guerreiros, alguns morreram e outros conseguiu salvar, mas sabia dos riscos que essa profissão oferecia, então ambos se decidiram de incentivar o filho a ser enlineiro.

Com 10 anos, Daniel teria que começar a estudar. Iria para a única escola de Atti, Shaden, que abrigava os estudos de todas as profissões dos attianos. Era um prédio diferente, assim como todas as casas, não havia janelas, a entrada da luz do sol era possível através de uma magia que criava uma abertura nas paredes que só era vista pelo lado de dentro, quem via de fora só enxergava uma parede lisa e sólida; suas paredes eram rochosas, o que lhes dava um aspecto cavernoso, e não tinham pinturas, somente o marrom natural de suas rochas. O prédio era alto, com diversas torres, sua base era circular e a entrada era protegida por um pesado portão de Nile, metal correspondente ao ferro da Terra. Assim como todos os outros prédios de Atti, ele se auto-ilumina ao anoitecer, permitindo aos attianos enxergarem claramente.

A sala de enlineria ficava na terceira linha, como os attianos chamavam os andares de um prédio, da torre mais baixa. Daniel já estava ansioso com o começo das aulas e seu nervosismo só aumentou quando chegou ao hall de entrada da escola. Se sentia intimidado pela quantidade de pessoas que ali esperavam o começo das aulas, principalmente pelos aspirantes a guerreiros. Todos possuíam físico preparado, aparentavam ser muito fortes para a sua idade e confiantes. Sem nenhuma surpresa, a maioria das garotas estavam falando com eles. Em suma, tudo o que Daniel sempre quis ser. Não tinha muitos amigos, era uma pessoa fechada e dificilmente ampliava seu círculo de amizades. Foi direto para a sala para não ficar ali quieto e sozinho enquanto todos os outros conversavam animadamente sobre os mais diversos assuntos. A sala de aula era do mesmo jeito que o prédio: com as mesmas paredes marrons sem vida e janelas criadas com ajuda da magia, mas ao invés de cadeiras, estavam as tolides, folhas grandes e fechadas de uma árvore que continham em seu interior fare, seiva com propriedades medicinais que aliviam o mal-estar e faz qualquer pessoa que se aproxime se sentir bem. Daniel se sentou no fundo e aguardou.

E aos poucos mais pessoas foram chegando, nenhuma delas sozinha, todas conversando, e sobravam poucos lugares. Até que chegou o professor. Vestia uma camisa branca sem manga com cordões na altura do peito para conter o decote e uma calça preta do mesmo material.

-Linus – a saudação dos Atti – meu nome é Peter Hill e sou o professor de enlineria. A enlineria é a arte de se projetar qualquer coisa, desde armas e equipamentos para nossos bravos guerreiros até casas para o mais simples dos Atti. No primeiro e segundo ano do curso, vocês irão aprender o básico que todo enlineiro deve saber e a partir do terceiro ano irão escolher uma área da enlineria para se especializar.

Daniel achou aquilo tudo bem entediante, apesar de ter absorvido toda a matéria muito bem, inclusive esse era um de seus pontos fortes: sua capacidade para absorver as coisas era maior do que os Atti normais. E também era perfeccionista, tinha que acertar cada mínimo detalhe, caso contrário não ficaria satisfeito. Ele entrou e saiu do mesmo jeito, sem falar com ninguém.

No segundo dia, as coisas mudaram. Quando passava pelo hall de entrada, Gustavo, o veterano que estava no terceiro ano no curso de guerreiros e rodeado de garotas, viu que o garoto se sentia intimidado e quis se exibir, colocando o pé para Daniel tropeçar. Ele caiu e todos olharam e riram, apesar do sangue que corria por sua testa, resultado da batida forte no chão de pedra. Todos menos Jeanie.

-Vamos, você tem que ir para a enfermaria – era uma garota bonita, seus longos cabelos loiros e lisos balançavam ao vento e parecia que seus olhos verdes poderiam hipnotizar alguém.

Ficou assustado, por que uma garota daquelas estava falando com ele? Se havia uma coisa no mundo que o intimidava mais do que guerreiros era isso: garotas bonitas.

-O-obrigado – falou entre gaguejos e saiu correndo, deixando-a para trás sem entender o motivo daquilo. Tinha uma sensação de que já a tinha visto antes, mas não sabia onde. Deixou isso pra lá e tentou se concentrar em encontrar a enfermaria, porque não tinha a menor idéia de onde ficava. Andou por vários corredores e deixou uma trilha de pequenas gotas de sangue por onde passava. Estava prestes a desistir quando alguém pergunta:

-O que aconteceu cara? – era um garoto que aparentava ter um pouco de força, mas decididamente não era um guerreiro, tinha cabelos castanhos escuros que lhe caíam em seu rosto de formato oval, algumas sardas em torno do nariz e um feio corte que parecia ser recente cortando seu rosto. Carregava em torno do pescoço uma bonita corrente brilhante, e usava dois anéis, um com uma feia pedra preta com algum símbolo dentro e outro que parecia ser feito de nile.

-Eu… aah… bati a cabeça.

-Como?

-Eu… tropecei – respondeu, com vergonha de admitir que o derrubaram e riram de sua cara.

-Tropeçou? – olhou desconfiado – alguém te derrubou, não foi? Provavelmente o Gustavo, aquele idiota. Não perde uma única chance de se exibir para os outros.

-É, foi isso mesmo que aconteceu… desculpe por ter mentido.

-Não se preocupe. Meu nome é William, e o seu?

-Daniel.

-Que curso você está estudando?

-Enlineria.

-Ah, é um curso legal, tenho alguns amigos que estão no segundo ano. Mas eu acho uma vida muito parada, por isso estou cursando feitiços.

-Uau, que legal – falou com sinceridade, realmente admirava os guerreiros e magos – Em que ano você está?

-Terceiro. Mais dois e acabo o curso – até que reparou de novo na testa ensanguentada do garoto – Ei, você está sangrando bastante, vamos para a enfermaria, eu também estava indo pra lá. Sabe, esse corte no meu rosto não é enfeite – e riu da própria piada.

-Como você se cortou? – perguntou enquanto viravam em um corredor que Daniel nunca tinham visto.

-Um feitiço cortante mal-executado. Tenho que treinar esse bastante, podia ter perdido um dedo. – e parou – É aqui – empurrou a porta de madeira sem maçaneta e os dois entraram.

Era uma sala grande, com várias camas e um armário grande, onde se encontravam plantas, folhas, ervas e frasquinhos com líquidos das mais diversas cores. A enfermeira vestia um vestido branco com um cordão para conter o decote, era uma mulher bonita, com cabelos tão pretos quanto seus olhos.

-William, você por aqui de novo? Assim vou achar que você se machuca de propósito só para me ver.

-Ah, mas você tem que admitir que eu sou um cara interessante. Talvez não o mais cuidadoso, mas o mais legal. – ficou feliz ao ver que ela sorria.

-Você é adorável, eu te considero um irmãozinho pequeno – William logo desanimou enquanto a enfermeira se virava para Daniel – Mas você eu nunca vi por aqui… qual é seu nome?

-Daniel – e já estava tremendo.

-Eu sou a curandeira Natalie – apresentou-se sorrindo – e esse é um belo corte que você tem aí… sua resistência ainda não é muito boa, mas não se preocupe porque ela aumenta com o tempo, você ainda é novo – foi até o grande armário, despejou um pouco de líquido roxo em uma folha e colocou no corte do garoto – pronto, agora é só deixar assim por alguns instantes e… – sentira o líquido entrar na sua ferida e uma leve ardência – pronto – disse enquanto tirava a folha. O corte sumira. Agora só restava o sangue que escorrera pela sua testa – Agora só falta você limpar o sangue. Ali tem um balde de água que você pode usar – foi até o lugar indicado e se limpou.

-E o que eu faço com isso? – perguntou William, apontando para o feio corte no rosto.

-Como você se cortou? Não parece ser um corte normal… usaram algum feitiço contra você?

-Ah… é. Um feitiço cortante me pegou de surpresa, eu estava virado pro lado, aí não consegui evitar. – mentiu achando que pareceria idiota demais admitir que ele mesmo fizera aquilo.

-Ah, esse não vai curar instantaneamente – mais uma vez foi até o armário e despejou o mesmo líquido roxo na folha, mas dessa vez o misturou com um outro de cor amarela – Pegue. Você vai ter que segurar aí por um tempo.

-Então vou poder ficar fora da aula?

-Acho que sim.

-Beleza! Vou ficar por aqui mesmo, conversando com você. Daniel, pode voltar para a aula se quiser, mais tarde a gente se fala.

Daniel saiu e voltou pelo mesmo caminho que chegou até ali. Foi para a aula e se sentou no fundo mais uma vez, e achou a aula tão chata quanto no dia anterior.

gaiaa
Enviado por gaiaa em 04/04/2010
Reeditado em 04/04/2010
Código do texto: T2176134
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