O ELO PERDIDO

O ELO PERDIDOO ELO PERDIDO

A máquina funcionava! Exultou o cientista. E correu, até a assistência, composta por seus auxiliares:

_Está feito! – E exibia o resultado da experiência na mão, ao que todos acudiram, formando um círculo ao redor do mestre.

O que se via em sua palma podia ser descrito como um ser vivo, embora estivesse mortinho da silva. Era um animal dez vezes menor que o dono da mão que o segurava, e suas patinhas estavam estiradas no estertor da morte. Mas isso nao era surpresa, afinal, as experiências com seres vivos, ainda vivos, eram proibidíssimas desde a Era Mediana da Ciência.

O sucesso da máquina minimizadora repercutiu logo junto aos militares, que, como de praxe, nao tinham nada melhor para fazer em tempos de paz, do que bisbilhotar e se apossar dos avanços da Ciência.

O cientista, e toda a equipe foi imediatamente contratada a altos salários, ganharam verbas, equipamentos e bajulações. Podiam continuar o trabalho, disseram os oficiais de farda lilás, apenas seriam monitorados 30hs por dia e seu nível de fidelidade ao Governo Militar seria conferido duas vezes por dia. Pouco incômodo, diante das regalias e facilidades, não?

-Sim, é claro. – Assentiu, em voz monocórdia, a equipe, sem outra alternativa.

Aos cientistas, nada, aos militares, tudo! E foram escancarados os limites legais éticos. Podiam, que maravilha! Começar os testes secretos com seres vivos ainda vivos!

Primeiro, foram os pacientes terminais dos hospitais veterinários. Depois os inimigos capturados na última guerra, que abundavam por ali, e, finalmente, após alguns macrociclos temporais, um soldado raso, que mais ou menos voluntariamente imprimiu sua impressão de retina no validador de autorizacão, estendido a sua frente por outro praça empertigado, sob os olhos gelados de um alta patente.

Com a devida autorização, seguiram com o trabalho, e, de novo, a máquina nao os decepcionou. O coitado demorou para acordar, e parecia meio atordoado, mas respirava perfeitamente e conseguia se deslocar mais ou menos em linha reta.

Continuaram tentando, pois a guerra explodira novamente e o tempo urgia, e as gaiolas a prova de som já quase estavam abarrotadas de pequeninos.

_Como vai nosso pequeno rapaz? –Perguntou o chefão.

_Vai bem, senhor. Aparentemente não houve efeitos colaterais graves desta vez, apenas uma leve perda de memória.

_Perda de memória??? E voce diz que não houve efeito colateral? De que me valerá um espião que nao se lembra de sua missão???

_Estamos trabalhando nisso , senhor. Vamos identificar se a amnésia é permanente ou temporária, e qual foi a causa, em, no máximo, mais um mediumciclo.

_Estamos sendo invadidos, homem! Nao temos tempo pra isso! Descubra em meio mediumciclo, é todo tempo que tem! – E saiu batendo as botas militares no corredor luzidio da oficina-laboratório.

Com o incentivo da ameaça de ser degredado para os subterrâneos, qualquer um produz o máximo em tempo recorde, e assim foi, em menos da metade do tempo, lá estava outra cobaia, devidamente miniaturizada, meio bamba, um pouco lenta em lembrar das coisas, mas mantendo os conhecimentos adquiridos anteriormente, embora não soubesse direito o próprio nome.

O Comandante em Chefe do Primeiro Comando da Espionagem, ficou satisfeito, escolheu por mérito e voluntária pressão o grupo que iria ter a honra de prestar um enorme serviço a nacão, os condecorou, armou e despachou, miniaturizados até um décimo do tamanho original, numa das mais potentes naves de sua esquadria, com a missao de descobrir, filmar e enviar de volta os planos e armas do inimigo, que já se avizinhava das fronteiras.

Ninguém estava muito certo de quando seria possível reverter o processo de miniaturizacao, mas, visto que os heróis forçados tinham pouca ou nenhuma chance de voltar com vida, isso não era uma de suas maiores preocupações no momento.

As miniaturas embarcaram e partiram rumo a morte e a glória de salvarem todo o seu Sistema Estelar.

Desgraçadamente porém, as tropas inimigas possuíam espiões também,e, alertados, não deixaram de rastrear a nave minúscula, embora não a pudessem ver. A ordem de lançar os misseis desestabilizadores foi dada e a navezinha se viu sacudida, chacoalhada e transportada num hiper-salto, o que, irremediavelmente a tirou de seu rumo, tão cuidadosamente calculado.

_Relatório da situação, imediatamente!

_O navegador enlouqueceu com o salto nao programado, o comunicador não funciona e as reservas de combustível nao foram calculadas para um hiper-salto. Estamos milhões de anos-luz completamente fora da rota, e sem possibilidade de volta!

_Façam uma varredura do espaço ao redor, precisamos pousar, refazer os cálculos e tentar sobreviver!

_Mas, senhora, os jatos de pouso…

_Nem mais nem meio mais! Façam o que eu disse!

A tripulação fez o que pode, e localizou um planeta com atmosfera respirável, mas, diante de outras avarias que foram sendo descobertas aos poucos, a esperança de levantarem voo novamente eram mínimas. A tripulação estava desoldada, apenas a Capitã nao se deixava abalar.

_Vamos pousar!

Pousaram aos trancos e barrancos, examinaram os microorganismos na atmosfera, isolaram um perímetro seguro e desembarcaram.

Jamais saíram de lá, nem nunca mais ouviram as vozes dos seus patrícios, nao souberam se haviam ganho ou perdido a guerra, ou sequer que seu planeta ainda existia! Com o pouco que tinham, conseguiram sobreviver,e, como não estavam mortos e tinham muito tempo livre, alguns pares, trios e grupos fixos nao tardaram a se formar, ocupando-se em passar o tempo de uma forma agradável e prazerosa para todos.

A missão não deveria durar mais que alguns microciclos, nem deixar sobreviventes e, portanto, a nave não estava equipada nem com mantenedores de vida, nem com provisões auto-reprodutoras, muito menos com utensílios que nao faltariam numa mísera nave de passeio. Assim, tiveram que abandoná-la e se estabelecer pelos seus arredores.

Ainda bem que o planeta possuía uma rica variedade de vegetais comestíveis, apesar de uma ou duas dezenas de soldados terem morrido envenenadas, antes de os identificarem de uma forma mais segura.

Apesar de nenhum deles jamais ter comido um animal antes na vida, aprenderam a cacá-los, conte-los e criá-los, como reserva de proteína, sublimando o asco e a comiseração em nome da sobrevivência do mais forte. A necessidade faz o hábito!

Desenvolveram a agricultura, baseados nos conhecimentos elementares que possuíam dos hidropônicos, e construíram alguns abrigos frágeis, até descobrirem que as montanhas estavam cheias de cavernas muito boas para se abrigar das loucuras imprevisíveis daquele clima irascível, bastando afugentar alguns bípedes peludos que se acomodavam por lá, que, inclusive, davam ótimos escravos.

Morreram das mais variadas maneiras, desde ataques de feras enormes e animais peçonhentos à doencas para as quais não tinham anticorpos. A tentativa de adquiri-los por meio da miscigenação com os escravos funcionou maravilhosamente, mas tirou-lhes as asas e lhes cobriu o corpo de pêlos.

De vez em quando os clãs se reuniam ao redor do fogo, herança já não sabiam de quem, e lembravam vagamente de histórias sobre gigantes, vivendo em outros mundos, que, um dia, voltariam para levá-los a um lugar cheio de delícias. Os filhos dos deuses uniram-se às filhas dos homens, e delas geraram filhos e filhas, contavam uns aos outros, e olhavam para as estrelas com uma ansiedade e fascinação que não entendiam.

Mas esqueceram isso também e seguiram suas vidas, no planeta mais tarde denominado Terra, talvez como uma reminiscente lembrança de seu planeta natal, do qual não sabiam sequer o nome, e que chamavam de Terra dos Gigantes.

Jacqueline K
Enviado por Jacqueline K em 13/02/2010
Reeditado em 16/08/2010
Código do texto: T2085875
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.