Superstições

Parte I

Vou parar o tempo por alguns minutos, tempo suficiente para contar essa história, no momento estou sobrevoando essa grande cidade, como estou aqui parado logo em cima da praça principal, não cairia bem as pessoas olhando e apontando, ninguém sabe da minha existência, apenas desconfiam. Além do mais, nem desconfiam do que está para acontecer. O ponteiro acabou de fazer como nesses filmes humanos que adoro assistir, fez menção de avançar o segundo, mas retrocedeu, permanecendo assim estagnado.

É uma pequena história com três personagens principais, uma pequena peripécia que eu fiz para agitar esse mundo tranqüilo, trazer um pouco de caos, bagunçar e chacoalhar a vidinha mansa de alguns, acabei escolhendo a dedo as três pessoas e meus experimentos deram certo.

Maria dos Maus Agouros, nessa época ainda não era dos Maus Agouros, apenas Maria, para a sua mãe, a mulher de Deus, mãe de Jesus, casada em espírito. Sua mãe era uma dessas religiosas fervorosas, se sentava com a filha várias vezes ao dia para rezar. Rezavam absolutamente sobre tudo: Um pequeno crime, reza, outro pequeno crime, reza, uma grande tempestade, reza, um grande desmoronamento, reza, políticos corruptos, reza. Enfim, fico com pena do rosário, sendo rodado o dia inteiro, ouvindo murmúrios sem cessar.

Maria era uma moça na casa dos trinta e poucos anos, cabelos pretos muito longos, dona de uma cor muito branca, não estava acostumada a pegar muito sol, quase não saía de casa, quando saía, era sempre acompanhada da mãe. Seus destinos eram quase sempre ao supermercado da cidade, elas não iam na igreja, a mãe achava que isso não era nem um pouco necessário, dividir a reza com outras pessoas, nem pensar. Achava que junto de outras pessoas, suas rezas iriam demorar mais a serem ouvidas e aquelas pessoas da televisão e jornal, iriam demorar mais a serem confortadas, tocadas pelo espírito divino, amém. Maria, como a gíria, tinha ficado para titia, daquelas que serve um delicioso cachorro-quente para os sobrinhos, a moça mais parecida com uma avó que você possa encontrar, mas em sua vida, isso não tem acontecido, sua família se resume apenas a Deus e sua mãe, a religiosa Marlene Rezadeira.

Vou transmitir os pensamentos e atos dela na noite em que a abduzi.

“Hoje rezei apenas trinta e oito vezes, espero que Deus me perdoe pela falta de assiduidade, amanhã prometo rezar cinqüenta vezes e continuar meus estudos da bíblia, que deixei de lado hoje. Sinto meus joelhos doente muito, vou passar aquela pomada antes de me deitar”.

Ela terminou a última prece do dia, se desloca até o quarto da mãe:

- Boa noite mãe, amo você.

- Também amo você, não se esqueça de ir dormir sempre com pensamentos positivos e Deus no coração.

Ela assentiu com a cabeça, ajudou sua mãe a se cobrir e lhe deu um beijo na testa. Chegando no quarto, apagou a luz e se deitou.

“Obrigada por mais um dia, espero que a paz ilum... O que é aquilo na janela? Que coisa estranha, acho que é apenas imaginação. Minha mãe fala demais em evitar a presença do mal. Que a paz ilumine a todos. Ouço passos, o que será isso, que Deus me prote...”

- Ahhhhhhhhhh!!!

Não deixei que ela completasse o segundo grito. Fui logo cuidadosamente a recolhendo. Não pensem que saio assustando as pessoas. Como já disse anteriormente, sou discreto, rapidamente envolvo a pessoa em uma grande bolha e a encolho para que fique confortavelmente menor que a minha mão. Sumi de lá antes que sua mãe tivesse entrado correndo no quarto, lembro de ter escutado um grande grito aterrador, desses de acordar o bairro.

Estamos diante da maior universidade do país, o nosso elemento em questão é ao mesmo tempo um gênio e um agressivo brutamontes, com seu gênio afetado e Q.I. elevado, consegue no mesmo instante em que resolve uma grande equação, estar socando um imenso saco de areia. Quando está com o horário livre, gosta de treinar fazendo centenas de flexões, abdominais e se digladiando com outros brigões, diz que ajuda aliviar a tensão, que traz um pouco de volta a paz que lhe foi roubada por causa das inúmeras teorias e números, não pode mais ver tantos números dançando sobre sua cabeça.

Vilson Capetine tinha acabado de dar mais uma de suas aulas, um tanto quanto polêmica, a gente percebe pela quantidade de fiz espalhado no chão. Delicadamente, se ele nota que um aluno não está prestando a devida atenção, o giz voa impediedosamente, com muita força, ele lança para machucar mesmo. Em suas aulas de física, é proibido conversar, se levantar e não prestar atenção, a famosa tríade que ele aplica desde o seu primeiro dia como professor. O giz entra como elemento da punição. Nessa última aula tivemos uma vítima. Mendes tinha virado para o lado e sussurrado para sua amiga Beth:

- Que tal comermos uma pizza no final da aula?

A menina nem teve tempo de responder, um giz acertou a cabeça de Mendes, que se virou rapidamente, como se não bastasse, outro veio em seguida, marcando a sua testa, para risadas contidas dos demais. Ninguém duvidava da capacidade intelectual do professor, apenas duvidavam da sua sanidade. Tanta física o deixou louco, claro. Era sempre um alívio quando o sinal anunciava o fim da aula. Todo mundo corria apressado.

- Não se esqueçam de estudar. – Berrava o professor.

Sentado na sua cadeira, aproveitava para organizar os seus papéis e fazer anotações no seu livro. Vou relatar seus pensamentos antes de ser abduzido.

“ Aquele giz voou em uma elíptica perfeita, ah! Como eu teria feito inveja em Johannes Kepler, aquele marca vermelha, um marco. Vamos ao princípio de Heisenberg: ‘É impossível medir simultaneamente e com precisão absoluta a posição e a velocidade de uma partícula’. Mas o que diabos é isso? Toma isso, seu filho...”.

Bem, antes que eu conseguisse o capturar, me acertou um soco, mas não me machucou nem um pouco, sou duro na queda, o terceiro foi um pouquinho mais chato de capturar.

Tinha acabado de dar um bom mergulho na cachoeira, molhar aquela vasta cabeleira, ornamentada com imponentes “Dread locks”, várias cores, tinha que cuidar ou então os bichos iriam proliferar, fora o fedor de podridão que iria exalar. Tocou o fundo do lago, prendeu o ar por quase um minuto e emergiu sob aplausos dos companheiros, todos deitados na grande pedra, apenas esperando a sua chegada.

Jonas Perez, hippie, vinte e poucos anos, filho de uma família tradicional da cidade, poderia estar falando: “O orgulho dos pais”, mas na verdade era a vergonha, não conseguia passar um dia inteiro sóbrio. Torrava o dinheiro dos pais em muitas viagens e aventuras, já tinha praticado de pára-quedismo a rapel, suas aventuras não tinham limites. Depois que eu o capturasse, aí que elas não teriam mesmo, seria como um grande caminhão desgovernado ladeira abaixo. Ele não estava no plano inicial, mas o capturei assim mesmo, iria ajudar a espalhar um pouco de caos através das eras, iria apenas ajustar sua glândula pineal, dando asas para a sua liberdade e o metendo, quem sabe, em dezenas de encrencas.

Saiu da água, pegou a toalha e se enxugou, um amigo acendeu um cigarro de maconha e lhe entregou. Deu uma bela tragada e segurou.

- Olha que céu bonito, um belo dia pata ver alienígenas.

Pode apostar nisso, pensei na hora. Não gosto de ser visto, trabalho sempre oculto, precisei esperar a primeira oportunidade. Risadas, gargalhadas, os amigos, cinco no total, rindo e falando muitas coisas completamente incoerentes. Poderia tentar reproduzir os pensamentos dele na hora em que me aproximei, mas eles não faziam o mínimo sentido, era algo como:

“Bhumphorousedomptompt”. Ou algo muito semelhante a isso. Mas o certo é que ninguém se assustou comigo e ele acabou dormindo, não posso capturar ninguém dormindo, é uma lei que adotei para mim. Acabei tendo que esperar duas horas mais pela oportunidade.

Finalmente ele acordou, aparentava estar muito tonto, andou cuidadosamente pelas pedras e se enfiou na mata, precisava urinar. Metodicamente o capturei, não houve nenhum gritou ou soco dessa vez, apenas o levei embora. Seus amigos mais tarde quando acordaram, se limitaram a pegar suas roupas e irem embora. “Aquele maluco se mandou”, “Que ele se foda”, “Desgraçado”, todos pensaram um pouco mal do sujeito, a questão é que naquele momento ele estava em tamanho reduzido, brilhando em uma redoma em minhas mãos.

Os três agora em minha nave, os voltei ao tamanho normal. Flutuando envolvidos por essa redoma, adormecidos. Não pensem em cirurgia, um grande bisturi, cortes, uma luz profunda direta nos olhos, sangue, gazes, chips implantados, tudo isso é lendo, apenas preciso encostar minha mão em cada redoma e enviar as vibrações coerentes que quero implantar em cada um. Faço isso agora com os três, tudo pronto. Hora de devolver os meus experimentos.

Parte II

Não faço as coisas em vão, tudo tem um objetivo e as coisas acabam sempre seguindo o que eu tinha em mente, as vezes preciso dar um pequeno empurrão. Não cheguei a esse mundo hoje, quando aportei nesse planeta, a vida estava começando a sair da água, deixando de lado as nadadeiras e dando lugar a perninhas, um novo sistema de respiração e um mundo a ser explorado. Os dinossauros confesso que foi um erro, um experimento que fracassou, quase coloquei tudo a perder, mas assim como Deus que escreve certo por linhas tortas, o meu rabisco nesse caso acabou saindo muito bem, melhor do que eu imaginava anteriormente. Embora os anos em que aqui estou são para vocês quase um bilhão, a concepção de tempo para a minha raça é bem diferente, para mim é como se estivesse a apenas um mês, fazendo meu trabalho de observação, manipulação e coletagem de informação. O fogo, algo essencial no desenvolvimento. Estava tenso e preocupado com a sua não descoberta até o momento, não foi bem um raio acertando a árvore que ele foi descoberto, tive que usar minha habilidade, abduzi algumas pessoas espalhadas pelo globo e a introduzi sapiência necessária, para quando eu fizesse o fogo acertar a árvore, essas pessoas se ligarem e começarem a domestica-lo.

Quando Jonas aportou na cachoeira, assim que abriu os olhos não fazia idéia da onde estava, desconfiava que tivesse caído no sono, mas a vegetação ao redor estava muito mais alta, densa, caminhou um pouco e não viu nenhum dos seus amigos, “estranhou”, pensou. Estava nublado e os relâmpagos anunciavam a chuva próxima. Jonas sentia bastante frio, mas não encontrava a sua camisa e nem o seu tênis, usava apenas um bermudão azul bastante molhado, “nunca mais vou fumar essas merdas, estou ficando maluco”.

Caminhou procurando uma trilha, nada, só mata cerrada, como não tinha outra escolha, se enfiou por lá mesmo, durante o percurso, se arranhou, a sola dos pés sangrando, não é fácil andar nas matas descalço, foi andando e lamentando a má sorte, ainda por cima agora com a chuva castigando, o vento ouriçando todos os seus pêlos. Finalmente encontrou o final da mata, uma região montanhosa, avistou uma pequena casa, a luz do lampião mostrava que tinha alguém. Sabia que precisava de ajuda, estava faminto, com frio e completamente perdido. Caminhou até lá e bateu na porta, sem jeito. Um homem barbudo veio atender, ele olhou desconfiado para aquele jovem cambaleando, o jovem por sua vez o olhou desconfiado, achava estranho os trajes muito arcaicos. O rapaz fez um gesto mostrando que estava com fome.

- Olga, coloque um pouco mais de água na sopa, ele vai comer conosco.

O bondoso homem lhe deu uma camisa, para que pudesse se proteger do frio, sua mulher trazia a sopa quente, que foi logo sendo engolida. Ele agradeceu e quis ir embora dali assim que terminou a sopa, o homem fez que não, ele precisava descansar um pouco. Jonas adormeceu ouvindo o som de um bebê chorando, sonhou que a luz tinha desaparecido, a grande escuridão tinha tomado conta de tudo.Jonas acordou assustado, percebeu que não estava mais na cabana.

Maria, que a partir desse dia começou a ser conhecida como a dos Maus Agouros, a deixei em um beco próximo duas quadras de sua casa. Ela não poderia simplesmente reaparecer assim do nada em casa, ainda mais com sua mãe em surto e os vizinhos bisbilhotando, quando não se tem nada para fazer em casa, se cuida da vida dos vizinhos. Um olhar perdido, mas os cabelos impecáveis, descendo abaixo da cintura, lisos. Se sente bastante desorientada, o impulso e o instinto vão lhe guiar até em casa, para começar aquilo em que foi impedida, dormir. O fato inusitado, dos seus pés descalços, uma fumaça era exalada, pé frio, gelado, uma fumaça densa, como se estivesse saindo de gelo seco, ela nem se tocou disso.

Como diz a superstição, o pé frio é aquela pessoa azarada, se ela aparece em algum evento, vem trazendo junto a sua má sorte característica. Maria vinha caminhando e junto com os seus passos, exalando má sorte. Pobre daquele funcionário, limpava a janela do segundo andar, a fumaça como se num passe de mágica, irradiou uma má sorte gigantesca, o fazendo despencar. Um carro parado no semáforo fora brutalmente acertado por outro, mais tarde o motorista teria alegado que o freio não tinha funcionado. Eram muitos acidentes em apenas duas quadras, de pequenos como o saco de compras rasgado, espalhando assim um monte de laranjas. Até o carro acertado e o trabalhador que caiu da janela, as pessoas começavam a apontar para ela, a vizinhança comentava: “Lá vem a dos Maus Agouros. O extremo foi quando as pessoas logo associaram a religiosa como hospedeira do demônio, achando que ela teria feito um pacto com o tinhoso, ainda mais com o rastro da vegetação destruída, todas as flores mortas no chão. Alguns homens mais conscientes seguravam suas agitadas esposas, que com cruzes queriam expulsar o mal. Uma pequena caminhada de quinze minutos que deu o que falar.

Absorta, ela passava impoluta por essa provação, pessoa bondosa, temente a Deus, ser acusada de pacto com o mal, não condiz com a realidade. Assim que entrou em casa, sua mãe lhe deu um grande abraço emocionado.

- Como Deus é bom. – Falou isso antes de torcer o tornozelo.

Com o professor de física não foi diferente, o campus da universidade se encontrava deserto. Capetine se viu novamente na sala de aula, uma faísca, um lampejo de genialidade, nunca tinha pensado em algo tão genial na vida, pegou um pedaço de giz e escreveu algumas equações no quadro negro, desenhou algumas coisas, mas a sua inspiração era tanta que transbordava, sua cabeça doeu muito: “preciso me aliviar”, pensou. Tornou apagar o quadro, agora pela terceira vez, parece que tinha tudo decorado, poderia fazer aquilo na hora que quisesse, esse mega projeto. Rangeu os dentes, sentiu o corpo todo tremendo, suava frio, sua agressividade agora tomava conta, pegou a vaga da genialidade, saiu correndo da sala de aula.

Corria pelo campus deserto, queria rasgar a camisa, se sentia sufocado, queria estar em um torneio de lutas para poder socar alguém, ao longo duas jovens vinham conversando, tratou de se esconder, não queria ser visto.

- Tudo bem, amanhã a gente termina o trabalho, vou dormir.

- Claro, tudo vai dar certo, tchau.

A amiga se despediu e foi embora para o dormitório, a outra, pequena incauta, passeava sozinha e tranqüilamente pelo aparente campus vazio. Uma força invisível impeliu Vilson a se atirar em cima da jovem, ela não conseguiu gritar, violentamente com uma mão ele cobria a sua boca e com a outra foi logo arrancando a roupa. Ela tentou resistir, foi em vão, era muito mais fraca, diferença de forças era brutal, não cabia a menor comparação. Enquanto terminava de se aliviar, a mão de Vilson se viu pulando para o pescoço da menina, a estrangulando em pouco tempo, o último gesto em vida que se esvaía, foi um pequeno chute, mais um movimento para cima do pé esquerdo. Como um animal, ele saiu de cima da jovem morta, sua agressividade agora controlada, ele colocou as mãos na cabeça e pensou: “Que merda que eu fiz”, agora já era fato consumado, tratou de sair dali de perto. Só foi saber da repercussão no dia seguinte, a universidade inteira chocada, comentando o fato.

Não se encontrava mais na cabana, Jonas quicava pelo tempo e o espaço, suas ondas poderiam demorar horas, duas ou apenas alguns minutos. Se encontrava agora em uma viela escura, andando cuidadosamente chegou a uma praça, tinha uma pequena banca com temperos e grãos, dois homens discutindo em uma língua que ele não entendia. O homem sacou uma grande faca e enfiou no pescoço do dono da banda e saiu correndo. Jonas olhava para aquilo horrorizado, mas antes que pudesse se virar e correr, a escuridão o alcançou novamente.

Parte III

Com bastante orgulho, posso dizer que as superstições foram criadas por mim, em determinadas regiões e momentos eu introduzia uma. Borboleta trazia sorte, encontrar um trevo de quatro folhas dava sorte, nunca passar embaixo da escadas, não passar embaixo do arco-íris, as pessoas mudavam de sexo, deu uma confusão danada na época, orelha quente? Tem alguém falando mal de você, guarda-chuva aberto dentro de casa trazia má sorte aos familiares, espelho quebrado era sete anos de azar, estrela cadente! Faça um pedido, entre nos lugares sempre com o pé direito, não deixe bolsa no chão ou irá perder dinheiro, número 13 é o da má sorte, bata na madeira três vezes e espante o azar. Uma gama enorme de superstições criadas por mim, outras tantas criadas pelo imaginário coletivo. Muitas vezes dei uma pequena coisa aos menos eles tratavam de inventar coisas novas com ela. Mostrei aos homens a roda, em pouco tempo inventaram a carroça, é uma raça bem interessante.

Com os pés descansando em um balde com água quente, era assim que a dos Maus Agouros passava as duas horas do dia, obviamente sem nunca deixar de lado o rosário, as rezas agora eram mais fortes do que nunca, para conseguir expulsar os demônios que tinham entrado naquele religioso lar. A chaleira no fogo chiou, sua mãe se levantou mancando, ainda se recuperava da torção no tornozelo, vai até o fogão e retira a chaleira:

- Vamos filha.

Maria retirou os pés, uma pequena fumaça se via saindo de seus pés aquecidos, que rapidamente esfriavam. Quando a água fervendo foi despejada no balde, ela pôde recolocar os pés para mantê-los aquecidos. Essa foi a maneira que as duas encontraram para se verem livres da má sorte. Mas para elas, esse torpe destino, fado, estava chegando ao fim. O padre tinha aceitado ajudar, mesmo sabendo que as duas não iam na sua igreja e que a imprensa não ficaria sabendo do caso. Ele iria pela boa vontade, banhado de espírito santo, ele queria e iria apenas ajudar. A campainha tocou, Marlene Rezadeira foi atender.

- Boa tarde, senhora. – Falou o padre com um belo sorriso.

- Que Deus lhe abençoe, padre. Vamos entrando, ela está logo ali.

Persistência, escrevia no quadro branco com a sua caneta azul de tinta pela oitava vez, se sentia muito inspirado, vários momentos, era muita inspiração mas pouca prática, toda vez que pensava colocar em prática o projeto, o surto de agressividade o atacava , essa era a oitava vez que tentava, tinha tudo na cabeça, mas sempre parava no meio, não conseguia avançar muito, tornava apagar tudo, dessa vez não foi diferente. Trancou a porta do laboratório de física da universidade, abriu a gola da camisa, o tão conhecido efeito tinha chegado, muito forte dessa vez, não podia impedir. Andou apressado pelos corredores vazios e mal iluminados. Do lado de fora do prédio, pegou o seu carro e foi embora.

Percorreu ruas desertas, vielas, se estressava toda vez em que parava no ponto com o sinal fechado. Estava tentando ser prudente e chamar o mínimo de atenção, nem sempre conseguia, tinha a consciência que a polícia fazia um péssimo trabalho, só por isso ainda andava solto. Acelerou o carro em direção aos bairros mais afastados, avistou uma moça na beira da calçada, exibia o corpo, um alvo perfeito para seus instintos, ninguém dela na rua, cenário perfeito. A chamou para entrar no carro:

- O que vai ser? – Ela perguntou.

- Tudo. – Falou tentando controlar a sua agressividade.

Colocou o carro em movimento, menos de trinta minutos mais tarde, ela já estava morta, sendo encontrada no dia seguinte. Era a oitava vítima em poucos dias do maníaco que assombra a cidade.

Ele estava se divertindo dessa vez, nunca tinha se divertido tanto na vida,queria que a escuridão dessa vez demorasse milênios para chegar. “Que loucura”, pensava. Jonas saía de um imenso galpão, acompanhado de pelo menos duas centenas de pessoas, a multidão fazia um barulho ensurdecedor. Ostentavam faixas, erguiam placas e gritavam a plenos pulmões: “Abaixo a constituição”. Caminhava acompanhando a todos nos gritos, na arruaça, ainda não tinha entendido o real motivo da manifestação, explicaram um pouco, mas como a linguagem era um pouco arcaica e as aulas de história nunca foram as suas favoritas, tinha deixado para lá, a questão principal era participar da bagunça.

Ao seu lado, um jovem que aparentava ter a sua idade, começou a puxar conversa:

- Nós imigrantes estamos estabelecidos aqui a mais de uma década, temos que trabalhar para pagar impostos, os impostos desses nativos safados. – Uma pausa para cuspir no chão. – Esse monte de bosta que ficam em casa coçando os escrotos e conversando de política, lotando bares, enquanto trabalhamos de sol a sol, queremos justiça!

- Claro, claro! – Ele continuava não fazendo a mínima idéia, muito menos fazia idéia de que esse jovem falador é na verdade o seu tataravô, que junto com uma multidão, ajudaram a mudar a constituição do país.

Montados em esbeltos cavalos, fazendo uma linha em frente ao palacete real, a praça seria o cenário da guerra, uma tropa de policiais os aguardavam, uma grande espada nas mãos e uma pistola de tiro único presa na cintura. Com cara de bravo, o líder da tropa pedia calma aos seus homens, o embate já era bastante anunciado. Quando a turba enfurecida se aproximou dos policiais, o clima de tensão era nítido, a gritaria por um instante cessou, pairou um silêncio de morte, poderia se ouvir o som dos mosquitos. Não foi preciso esperar muito tempo, um grito: “Morte a constituição”, começou o conflito, lançando a multidão em cima dos policiais.

Jonas lutava sem jeito, estava parecendo mais um cego em tiroteio, levou uma pedrada na cabeça e caiu desacordado, esse seu estado demorou alguns minutos, quando recobrou a consciência, via o seu tataravô urrando, a vitória era deles. O palácio não iria resistir, no alto da torre, o Rei via desesperado aquela multidão se aproximando. Novamente a escuridão recaiu e Jonas não pôde ver o desfecho da história.

- Eu ordeno em nome do pai, do filho e do espírito santo que você abandone esse corpo imediatamente, essa doce moça não pertence a você, desista.

Falando isso o padre despejou uma quantidade significativa de água benta onde os pés frios descansavam, nada aconteceu. O padre tornou a abrir a bíblia e recitar diversas passagens, Maria tremia, estava morrendo de medo, não sabia se era o medo de alguma coisa pular de dentro do seu corpo ou de saber que algo assim possuía o seu corpo imaculado. Sua mãe estava ajoelhada, apegada ao seu inseparável rosário, pedia clemência. O padre estranhava a ausência de sinais de incorporação, quando ele encostava a cruz na testa de Maria, nenhuma fumaça, nenhuma voz diferente falando ou gritando: “Não”, mas era fato visível, conforma a água foi esfriando, a fumaça subia e tornava a descer, se espalhando pelo chão, uma rosa que ele trouxe murchou e escureceu rapidamente. Não sabia o que fazer.

Seu celular havia tocado, atendeu. Marlene notou como a expressão do padre mudara rapidamente para uma feição assustada. A má sorte havia lhe atingido, sua pequena casa estava pegando fogo, provavelmente esqueceu o ferro de passar ligado. Se despediu das duas e foi embora correndo: “Tem coisas que é melhor nem mexer”, pensou o padre enquanto corria desesperado para tentar salvar alguns pertences.

Minha base é localizada em um grande deserto, os humanos o chamam de “Saara”, demorei alguns milhões de anos terrenos para concluir essa obra de arte, na época em que comecei a construir era uma área bem verde, bem preservada, quando terminei era uma imensa floresta tropical. Hoje é um deserto gigantesco, engraçado como que as coisas mudam rapidamente por aqui. Mas minha base é bem secreta, não existe a mínima possibilidade de ser descoberta, GPS, satélite, radar, eu ajudei na construção, sei de seu alcance, estou protegido. Lanço mão de alguns aspectos, observo e coleto muitas informações, voltarei ao meu planeta rico delas. Já devem estar esperando o meu retorno, alguns já devem ter voltado trazendo ricos relatórios. Uma raça evoluída nunca para de estudar, essa é uma lei, nunca.

Arrancando os cabelos, o projeto teimava em não sair de sua mente, parece uma palavra que chega na ponta da língua, algo que você sabe e tem consciência disso, mas que na hora “H” engole, fazendo a sua fala se perder em meio ao emaranhado de terminações nervosas do cérebro. É assim que acontece entre o mega projeto

E Vilson Capetine. Algo ao alcance de suas mãos, mas que é sempre puxado para longe por fios invisíveis, como uma brincadeira de criança, tem uma puxando o projeto para longe dele. “Chega, não agüento mais isso, sempre essa tortura”. Pela décima sexta vez o impulso tinha chegado com força.

Arremessou a caneta azul longe, apagou o quadro, abriu a gola da camisa e foi embora, isso só teria um fim se fosse preso ou morto, ele sentia isso.

Se depois de tudo isso perguntarem a Jones sobre aquele dia na praia, ele não saberia responder se tinha estado no futuro ou no passado, pela primeira e única vez em toda sua aventura no tempo. Tudo tinha sido deveras estranho. Se materializou em uma linda praia paradisíaca, deserta, um lindo sol, a água do mar transparente, limpa, como se estivesse intocada. Não resistiu a tentação e foi dar um mergulho, tudo muito refrescante e lindo. Depois do mergulho e de ter ficado nadando um bom tempo, se espreguiçou na areia e deitou para descansar. Foram poucos os minutos de descanso, cinco homens de uma estatura muito pequena o pegaram pelos cabelos, aquela juba imensa com os “dread” era um alvo muito fácil para esse tipo de pegada. Os pequenos homens tinham uma cabeça pontiaguda e uma voz metálica, robotizada. Ele se lembra de ter gritado em protesto e das marcas que deixou na areia ao ser arrastado, isso poucos segundos antes da escuridão chegar.

Um mês tinha se passado desde que abduzi aqueles três pessoas, uma se encontra voando pelo tempo e espaço, a outra corre desesperada para o carro e a terceira estou observando agora, sentada muito quieta em sua cadeira, com os pés enrugados por causa da água os aquecendo. Sua mãe ao seu lado rezando. Preciso dar corda no relógio, fazer com que meu plano funcione. Esses humanos precisam de mais um empurrãozinho. Espero, espero. Marlene se sentindo cansada decide se recolher aos aposentos.

- Boa noite minha filha. – E lhe deu um beijo carinhoso na testa.

- Boa noite, mãe.

Quando Marlene chegou ao quarto e acendeu a luz, eu estava lá, deitado em sua cama, o susto fora enorme, ela caiu desmaiada, só tornaria a acordar no dia seguinte. Fui até a sala e olhei nem no fundo dos olhos da Maus Agouros, ela pulou do sofá, o balde com água fervendo sendo derramado no chão, ela correu gritando o nome da mãe, correu até seus aposentos, encontrou a mãe caída no chão. Lutando pela sobrevivência, não tinha mais a razão, ela cedera lugar ao medo, ao instinto de sobrevivência, corra o máximo que puder, salve a sua vida, ela não poderia saber das causas apenas pelo momento atual. Abriu a porta de casa e saiu correndo, semeando a má sorte.

Como um animal sedento por sangue, ele divisava as ruas em busca da vítima perfeita, sua décima sexta, o sufocamento era tanto que ele não poderia ficar perdendo tempo. Uma moça assustada, correndo em meio a becos e ruas desertas, parecia estar chorando. Deixou para trás um monte de acidentes, ele não sabia da fama da azarada, se soubesse teria passado longe. Estacionou o carro e correu atrás dela, a prudência que se danasse, que ex plodisse com os homens bomba. Em um beco isolado ele a derrubou no chão e sussurrou em seu ouvido:

- Quietinha que assim as coisas vão mais rápido.

Ele abriu o zíper da calça e levantou o vestido de Maria, que chorava praticamente em silêncio, sempre com Deus em mente, pedindo misericórdia, só queria que ele saísse logo de cima, sentimento que durou pouco, embora alarmada, teria percebido que estava gostando, estava tendo prazer.

O animal Vilson começou a levar a mão até o pescoço de Maria, mas não conseguiu, havia algo impedindo. Começou a sentir uma coceira desgraçada em seu Pênis, não conseguiu completar o ato. Ardia agora, ardia muito. Gritou para ela:

- O que você fez, sua puta?

Ela não conseguia responder, apenas chorava. Desesperado ele saiu correndo, seu pênis ardia como se estivesse pegando fogo.

Parte IV

Realmente, quando criei o meu plano, o meu intuito, Jonas não estava incluído, foi apenas uma adição especial, um tempero na situação, mas como não gosta de maneira alguma de deixar pontas soltas, dei um jeito de envolve-lo nessa história, fazer o plano dar certo, aparecer no momento crucial, o seu momento, ele já vai chegar.

Nesse momento, Jonas andava pelas escatológicas ruas de uma Europa medieval, em pleno surto da peste negra. As pessoas nessa época não tinham consciência da importância da higiene, depositavam suas sujeiras em um balde e assim, sem mais nem menos, jogavam nas ruas. O fedor era insuportável, Jonas andava com o nariz tampado, segurando o vômito, queria que a escuridão chegasse logo. Corpos passavam a todos os momentos na sua frente, uma grande pira queimava uma dezena deles. As pessoas não davam a mínima importância a sua figura, nessa época de demônios, ele deveria ser apenas mais um. Um homem aparece correndo na rua, arranca a camisa e cai de joelhos, grandes bulbos como feridas marcam o seu corpo, um grupo de pessoas armadas com paus caem em cima do homem, o matam e o jogam o seu corpo marcado na pira. Agora essas pessoas olham para Jonas, que desesperado sai correndo. A perseguição não durou muito, já que escuridão recaiu sobre ele.

Não teve jeito, a amputação tinha sido inevitável, os médicos nunca tinham visto nada parecido, todos tinham sido a favor da remoção do pênis. Pobre homem, teria que urinar através de um cateter.

Vilson trabalhava no seu projeto furiosamente, não tinha mais aquele impulso agressivo que o impedia de trabalhar na idéia, tinha agora um desejo enorme de vingança contra a humanidade. Reprimindo o instinto agressivo, o seu Q.I. parece ter triplicado. Se a sua nova criação, o projeto da sua vida era criar uma arma escalar, usando raios, apenas para vender ao governo e ficar milionário, o intuito agora era explodir o mundo, uma vingança contra esse mundo que o fez capado. Sua começaria com um pequeno raio, suficiente apenas para destruir um grão de arroz, mas esse raio iria dobrar, triplicar, raios gerariam raios, destruindo absolutamente tudo em pouco tempo.

Tinha mandado uma carta ao governo, as forças militares. Esperou duas semanas pela resposta, e ela não o surpreendeu, alguns militares o vieram buscar.

Não descansava mais os pés em um balde com água fervendo, parece que a sua maré de exalar o azar tinha chegado ao fim, embora sua mão ainda tenha em mente que ela esteja possuída pelo demônio. Essa micro-saia, maquiagem, colares e jóias nunca fizeram parte do visual de Maria, trajes inadequados para a mulher de Deus. Seu nome agora era comentado nas rodas de amigos, as más línguas a chamavam de Maria Dadeira, sua mãe estava felizmente alheia e a parte de todos esses comentários maldosos, ela poderia enfartar se soubesse que sua filha nesse momento andava fazendo sexo com três caras, sempre pedindo mais e se lamentando o tempo todo de não ter entrado nessa vida mais cedo.

Toda vez que chegava em casa sua mãe cobrava.

- O que você estava fazendo? Por onde andou? Vá imediatamente rezar!

- Ao inferno com a reza.

E se trancava no banheiro para tomar um relaxante banho.

Apertar aquele botão e dar seqüência ao plano de destruição do planeta terra. Os militares achavam que era apenas forte o suficiente para destruir o país inimigo, tinham mais como proteção, não queriam usar, sabiam que muitas pessoas inocentes seriam sacrificadas. Vilson tinha o acesso ao controle e ao botão do juízo final, era hoje o seu dia, o dia da vingança. Com o seu crachá, a porta eletrônica se abre, ele caminha lentamente, se senta em frente ao painel, liga a grande máquina, quando ia apertar o botão que colocaria um fim em tudo, parei o tempo.

Se aquele ponteiro tivesse pulado para o segundo seguinte ao invés de ter retrocedido, acho que não teria conseguido, seria um desastre assim como foi com os dinossauros. Agora o ponteiro, o tempo começa a correr para trás, minutos, horas, dias estão voltando. Paro na noite em que Vilson atacou Maria, mas um evento acontece. Maria correndo e chorando pelas ruas, Vilson em busca de uma nova vítima e Jonas ali perto, passeando pelo tempo. Ele percebe uma jovem correndo muito abalada e resolve ajudar, acidentalmente a livrando das garras do maníaco. O maníaco por sua vez não ficou capado e com isso não pode desenvolver a arma, a humanidade renasce. Vou retroceder ainda mais o tempo, para a noite das abduções. Ela indo dormir, ele indo para casa e ele dormindo na cachoeira, com esses três recolhidos em si mesmo, levanto vôo. Foram meses acompanhando e observando esses três.

Deixo esse simpático planeta com muitas informações, o povo me espera, nunca paramos de estudar. A evolução continua, ela não pode parar.