O Paranóico
Zeraldo era um pacato funcionário público, fã de histórias de ficção. Lia e via filmes a respeito e por vezes chegava a deixar de sair com os amigos, só para passar horas lendo ou vendo filmes do gênero.
Num belo dia, conheceu um enigmático rapaz que parecia sumir, assim como reaparecer, do nada. O jeito excêntrico e misterioso do rapaz instigava-lhe a mente. Para os amigos tratava-se de alguém imaginário, fruto da imaginação fértil de Zedo – apelido pelo qual era denominado.
Certo dia, Zeraldo começou a agir estranho, meio taciturno, meio misantropo... Falava sozinho; recusava-se a usar todo e qualquer computador... Não dizia coisa com coisa... A TV só assistia se fosse possível programá-la para transmitir em preto e branco, ou se fosse “escutada” como a um rádio.
– É para evitar as mensagens subliminares, ele justificava.
- Uma vez, durante uma sessão de cinema, induziram o público a consumir Coca Cola.
- Sabia que os flashes de luz vermelha instigam o lado agressivo de nosso subconsciente? Zeraldo vociferava.
O tempo passava e sua paranóia crescia vertiginosamente. Sobretudo, era diretamente proporcional ao avanço de todo e qualquer aparato tecnológico. Para ele, o Google era um programa a fim de dominar o Mundo, utilizado pela CIA. A Guerra Fria continuava; embora disfarçadamente. A área 51 ou abrigava alienígenas capturados ou armamentos extraoficiais utilizados de forma ilícita...
Os amigos de outrora já não suportavam mais ouvir as histórias estapafúrdias de Zedo. Ele queimava as Bíblias contidas nos quartos de hotéis, alegando que ali se escondiam microcâmeras de espionagem. Rasgava notas de dinheiro e jurava que a faixa contra falsificação era uma espécie de controle de como e quanto se gastava...
Jogou fora o celular por acreditar que ele causava câncer e mandava comandos subliminares às pessoas...
Quando queimou, como a época da Inquisição, o vídeo game do sobrinho... Foi a gota d”água! Dona Marli, sua esposa, embora triste, sabia que tinha de interná-lo. Não podia telefonar já que o marido havia, numa das primeiras medidas paranóicas, destruído todos os telefones, em busca de “grampo”, tinha certeza de que “eles” escutavam todas as conversas. Os outros haviam se afastado de casal, por medo de contágio. A situação financeira estava brava, já que Zeraldo havia sido demitido. Trancado em seu quarto, ele escrevia panfletos para alertar sobre a verdade que estava lá fora...
Até que num belo dia, já profundamente cansada de tanto aborrecimento, Dona Marli enfim, solicitou a internação. Ao chegar em casa acompanhada pelos médicos, espantou-se ao encontrar Zeraldo, com a boca inchada e as mãos cheias de sangue...
Sem noção do que falar, de tamanho espanto, Dona Marli entristeceu-se ao ver o caso como perdido. Zeraldo jurava que em seus dentes molares havia um minúsculo chip no intuito de vigiá-lo 24 horas, para saber o que ele descobrira e impedi-lô de alertar aos demais...
Sob protestos, ao ser carregado na camisa de força, implorava ajuda de Dona Marli e apaixonadamente lhe pedia crédito...
Já resignado e conformado com seu triste destino, só teve tempo de avistar o rapaz misterioso, encostado perto a um carro escuro, sem placa e observando-o com um riso malicioso de satisfação...
Em seguida, tal rapaz acendeu um cigarro, entrou no carro, pendurou o crachá da NSA e sumiu em direção ao breu.