A PESSOA HUMANA INTEGRAL E AS TEORIAS DA BIOLOGIA. (Um Romance da Ciência)
Capítulo I – O ENCOTRO COM O VELHO MESTRE
Uma tarde de dezembro, inverno europeu, Dr. Francisco se aprontava para passar o natal com seus familiares em sua cidade natal, Rio de Janeiro, no litoral sudeste da América do Sul. Dr. Francisco é biólogo e se doutorou em Biologia na Europa, onde assumiu um cargo de professor visitante em uma grande universidade na Inglaterra. Francisco, como é chamado por seus amigos, é solteiro, inteligente, muito organizado, tímido e seu principal objetivo é ser o melhor, o mais competente biólogo, especialista em sistemática evolucionista animal. Seu principal hobby é a leitura de livros raros, com relatos de aventuras científicas, passadas em cenários formados por recantos exóticos do mundo.
Na manhã de 20 de dezembro saiu Francisco para tomar um avião para a América do Sul, com escala em Paris. Seria uma viagem de algumas boas horas, o que lhe daria a oportunidade de ler muito e até dormir um pouco, pois o ano havia sido muito difícil, exigindo muito trabalho e poucas noites para dormir. Ele estava ansioso pelas férias que vieram em um momento muito oportuno, uma vez que poderia descansar, rever a família e participar do casamento de sua irmã, Isabel.
Ao sair de casa, para o aeroporto, Francisco se deparou com um tempo cinza, chuvoso, muito frio, isto é um dia de inverno europeu, que prometia uma nevasca pelos próximos dias. Afinal, era tempo de natal e tempo de neve. Francisco ficou um pouco preocupado em perder o avião, ou que o voo atrasasse devido ao mau tempo. Mas, refletiu um pouco e tomou aquela situação como uma aventura ao paraíso, na América do Sul.
Tomando um taxi, percorreu as ruas e avenidas escorregadias da cidade até o aeroporto, observando que o centro de compras estava muito movimentado. O motorista falava sobre o movimento de natal, perguntou a Francisco:
__ Como será seu natal? Francisco respondeu:
__ Não dou muita importância para a data, pois não sou cristão. Mas respeito os sentimentos das pessoas. Acrescentou ainda:
__ Penso que o natal é um sinônimo de férias, de descanso merecido para aqueles que trabalharam muito durante o ano. O motorista ouviu e se calou, pois não sabia quais palavras poderiam ser usadas, naquele momento, como presente de natal para Francisco.
Nesse intervalo de silêncio, chegaram ao aeroporto, Francisco o pagou e agradeceu, enquanto recebia do motorista um feliz natal e um Deus lhe abençoe.
Entrou Francisco no saguão do aeroporto e logo se dirigiu ao balcão de check in na tentativa de obter informações sobre seu voo. Para sua surpresa, apesar do mau tempo, o vôo 7654 para o Aeroporto Internacional de Guarunhos, em São Paulo, com escalas em Paris e Rio de Janeiro, estava confirmado para 11:00 horas da manhã.
Com o intuito de se livrar da bagagem e procurar um café e uma livraria, antes da longa viagem, Francisco perguntou à atendente:
__ Posso fazer o check in e me livrar desta bagagem?
__ Sim, respondeu a atendente, que lhe embarcou a bagagem e emitiu seu bilhete para o voo.
Com as mãos livres da bagagem e o um frio que corria por todo o corpo, Francisco procurou um café para se aquecer. Ao adentrar o café, retirou o sobretudo, dependurou em um cabide, na entrada, e se dirigiu até uma mesa. Um garçom o atendeu.
__ Posso ajudá-lo com seu pedido? Francisco resumiu seu pedido a um café quente e puro.
No próprio café havia uma livraria que oferecia uma infinidade de títulos, principalmente romances e aventuras. Francisco, ainda com a xícara de café nas mãos, foi até as estantes, se deparando com um exemplar de lançamento de um livro que relatava o encontro de espécies exóticas e raras em Nova Zelândia, destacando a aventura vivida pelos pesquisadores. Não havia dúvidas sobre o livro a comprar, era este, aventura e ciência, um grande companheiro para a viagem.
Neste momento, anunciava no sistema de som do aeroporto que o vôo 7654 com destino ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, com escalas em Paris e Rio de Janeiro, estava esperando o embarque dos passageiros pelo portão 5. Logo, Francisco apoderou-se do livro, pagou a conta, vestiu o sobretudo e dirigiu-se ao portão de embarque, no afã de se acostar em sua poltrona 10A e devorar o livro que comprou.
Já no túnel sanfonado que conduzia ao avião, Francisco se encontrou com um velho professor, Dr. Lorens, um biólogo e doutorado em sociologia pelo Instituto de Bruxelas e que vinha trabalhando com uma nova proposta para as ciências biológicas.
__ Como está o Sr? Perguntou Francisco.
__ Estou bem Dr., respondeu Dr. Lorens.
__ Estamos indo para a América do Sul? Perguntou Francisco.
__ Sim, fui convidado por um amigo de São Paulo para conhecer as festividades de final de ano daquela cidade, respondeu Dr. Lorens.
__ E o Sr. Professor, vai rever a família? Perguntou Dr. Lorens.
__ Sim, disse Francisco, e vou participar do casamento de minha irmã. Infelizmente não ficaremos na mesma cidade, eu descerei no Rio de Janeiro. Poderíamos visitar alguns recantos interessantes do Rio e compartilhar algumas horas de descanso juntos, convidou Francisco.
__ Seria muito interessante, mas me parece um tanto longe. Quem sabe!
__ Ficarei até o final de janeiro no Brasil, respondeu Dr. Lorens.
Adentraram o avião e negociaram com os outros passageiros a possibilidade de se sentarem juntos, na mesma fila, o que foi possível, poltronas 10A e 10B.
Apesar da timidez de Francisco, seu relacionamento com os outros acadêmicos era interessante, pois falavam sempre da mesma temática e dificilmente haveria algum constrangimento.
A aeronave preparava-se para decolar, informando aos passageiros que deveriam acomodar suas bagagens de mão nos compartimentos superiores, bem como seus agasalhos. Ao sentarem, os cintos deveriam ser afivelados, encosto da poltrona deveria ficar na posição original e atentar para o aviso de não fumar, segundo convenção internacional. Esses procedimentos deveriam ser mantidos até que os sinais luminosos fossem desativados.
__ A decolagem da aeronave foi bem sucedida, disse Francisco. Concordou com ele Dr. Lorens, que confidenciou seu receio em voar em aviões. Para tranquilizá-lo, Francisco lhe deu a informação sobre a segurança dos aviões, dizendo:
__ Este meio de transporte é o segundo mais seguro do mundo, perdendo somente para o elevador. Além do mais, serão somente 12 horas de viagem.
Mesmo assim, Dr. Lorens não se convenceu, argumentando:
__ Os acidentes, como tudo que ocorre no universo, não é por um mero acaso, mas sim um evento sincrônico. Francisco completou seu discurso ratificando:
__ A segurança do avião é devido a sincronicidade entre seu projeto, sua construção, seu uso e sua manutenção. Dr. Lorens, deu um pequeno sorriso e acrescentou um olhar cheio de compaixão para com a concepção limitada a atos mecanicistas de sincronicidade compreendida por Francisco.
O sinal de desatar cintos e movimentar o encosto da poltrona foi acionado, e a comissária de bordo anunciava que daria início ao primeiro serviço de bordo. Ao atender Francisco e Dr. Lorens, a aeromoça lhes perguntou:
__ Gostariam de tomar, água, suco, refrigerante, café, chá, vinho ou whisky? Francisco logo se decidiu:
__ Um café, ou pouco de água e um vinho tinto, por favor. Enquanto Dr. Lorens se contentou com um suco.
Francisco, incomodado com o pedido tão incomum do Dr. Lorens, ficou sem jeito diante da simplicidade do pedido de Dr. Lorens, e tentou se explicar dizendo:
__ Pedi café para me esquentar do frio londrino, a água para quebrar o sabor do café e facilitar a degustação do vinho. Dr. Lorens, concordou com sua estratégia e disse:
__ Seu procedimento é bastante racional. Acrescentou ainda:
__ Não posso tomar café ou chá, pois estou proibido, pelos médicos, não posso ingerir cafeína, bem como deveria evitar bebidas alcoólicas. Mas, dizia ainda Dr. Lorens:
__ Tenho inveja do Sr., que pode usufruir da delícia de um café e da delicadeza de um vinho tinto. Aliviado, Francisco sorriu e tentou, com um olhar, consolar seu ex-professor.
Enquanto Francisco degustava seu vinho e Dr. Lorens se contentava com seu suco, o livro que Francisco havia comprado lhe caiu das mãos, o qual foi recolhido pelo Dr. Lorens.
__ Um livro de aventura científica? Perguntou Dr. Lorens.
__ Sim, respondeu Francisco, eu aprecio este tipo de literatura, posso me apropriar do conhecimento científico e da metodologia aplicada pelo pesquisador. Acrescentou:
__ É tão raro, em um trabalho científico, um pesquisador descrever com tantos detalhes uma metodologia!
Dr. Lorens, concordou com Francisco e acrescentou:
__ Este tipo de literatura é muito interessante, pois expõe a pessoa que existe dentro do pesquisador, contribuindo para se compreender a interferência do pesquisador sobre o conhecimento científico.
Esse comentário do Dr. Lorens incomodou Francisco, que como um bom pesquisador científico, buscava metodologias que eliminassem a presença do pesquisador, ressaltando somente a verdade do evento.
Após alguns segundos de reflexão e um gole de vinho, Francisco disse:
__ Esses textos de aventura científica são ricos, exatamente para evidenciar o que não se deveria fazer para se buscar a verdade do evento, isto é, a interferência do pesquisador nos resultados da pesquisa. Dr. Lorens, percebendo que poderia estender uma discussão sobre o assunto e talvez não resultar em frutos tão degustáveis, resolveu enveredar a conversa por outro lado, e talvez retornar a este ponto mais tarde.
Após algum tempo de voo, o avião se preparava para sua primeira escala, era o país de bandeira da empresa. Assim, o comandante pede aos passageiros que se preparem, apertando os cintos e colocando o encosto da poltrona na posição original. Neste momento Dr. Lorens resolve levantar-se para caminhar um pouco e ir ao toalete.
__ Com licença professor, pediu Dr. Lorens.
__ Pois não, respondeu Francisco.
Lentamente, Dr. Lorens se locomoveu pelo corredor do avião, em direção à cabine do comandante, onde se localizava um dos toaletes. No caminho o comissário de bordo o advertiu sobre os procedimentos de aterrissagem. Dr. Lorens se desculpou e disse:
__ Será rápido... O que parece ter convencido o comissário, que o esperou e o conduziu a seu lugar.
Capítulo II - A ORGANIZAÇÃO DA VIDA
De volta a sua poltrona, Dr. Lorens, perguntou a Francisco:
__ O que o Sr. esta estudando no momento? Francisco começou a contar:
__ Minha pesquisa básica é com mariposas. Acrescentou ainda:
__ Este estudo está lhe rendendo louros profissionais, até recebi um prêmio da Real Academia de Ciências, por ter concluído, com êxito, um estudo da filogenia de uma das espécies de mariposa, o que abril a possibilidade de rever outros gêneros e famílias, até então classificados de forma duvidosa.
Parabenizou-lhe pelo prêmio, Dr. Lorens e disse:
__ Me orgulho de ter sido professor de um aluno tão brilhante como o Senhor.
Francisco, envaidecido, agradeceu e teceu elogios aos seus mestres, inclusive a ele, Professor Lorens.
Nesse momento, a aeronave inicia novamente a decolagem. Dr. Lorens exclamou:
__ Não consigo me acostumar com decolagens! Francisco concordou com ele, e disse:
__ O Senhor tem razão, há um certo desconforto.
Para aliviá-lo da tensão, Francisco perguntou:
__ E o Senhor, Dr. Lorens com que está trabalhando? Dr. Lorens sorriu e disse:
__ Estou trabalhando para ampliar a aplicabilidade dos conceitos de biologia, no sentido de encontrar um caminho mais imediato entre estes conceitos e a compreensão da pessoa humana. Francisco, muito atento às palavras do professor, fazia um esforço para tentar compreender o que o velho mestre estava falando.
Francisco pediu ao Dr. Lorens:
__ Por favor Dr. Lorens, fale mais sobre esse projeto de biologia e pessoa humana, pois não consegui acompanhar o raciocínio elaborado pelo Senhor.
__ Pois bem, disse Dr. Lorens, que tomou um fôlego e acrescentou:
__ Vamos começar do começo...nesse momento foram interrompidos pelo sinal luminoso que liberava o uso do cinto e a posição do encosto da poltrona.
__ Como dizia, começarei pelo começo...
__ Muitas vezes me deparei, como biólogo, com um cem números de conceitos que resolviam problemas imediatos para a compreensão do fenômeno, mas não satisfaziam a problemática do homem sobre sua melhor adaptabilidade junto ao planeta, ao ambiente bio-físico-químico e principalmente ao ambiente social. Diante desse dilema, tentei transportar alguns dos conceitos biológicos para a vida cotidiana da pessoa humana.
__ Por que o Senhor chama o ser humano como pessoa humana? Perguntou Francisco.
__ Denomino pessoa humana e não ser humano, porque ser humano acredito estar ligado diretamente ao conceito de espécie humana: Homo sapiens, mas a pessoa humana vai mais além, agrega algo de holístico, que amplia a existência da espécie, que habita o espaço onde está e seus atos de adaptabilidade, respondeu Dr. Lorens e continuou:
__ Assim, vou começar por uma leitura dos níveis de organização, que pode nos levar a perceber que há um compromisso com um sonho, embutido na organização. Mas, deixemos esse sonho para mais adiante. Vamos remontar de forma tradicional a concepção dos níveis de organização usados em biologia.
Francisco, atento começou a escutar o relato de Dr. Lorens:
__ Quando nos deparamos com as menores estruturas da matéria, observamos que são partículas subatômicas, sobre tudo, os prótons, os elétrons e os nêutrons, e que estão arranjadas em forma de unidades atômicas, denominadas de átomos. Cada um desses átomos forma combinações, mais complexas, as moléculas. Estas unidades podem ser consideradas como níveis de organização da matéria, que mostram um arranjo hierárquico, onde o nível superior contém o inferior.
__ O Senhor está se lembrando desse conceito Dr. Francisco? Perguntou Dr. Lorens.
__ Sim, Dr. Lorens, esse assunto é a base de construção do conceito de Ecologia. Por favor, continue. Respondeu Francisco.
__ Que bom. Disse Dr. Lorens. E continuou: __ Os níveis de organização moleculares, ao longo do tempo, foram organizados de tal forma que passaram a constituir um novo estado de organização, os seres viventes. Para tanto, as moléculas organizaram-se e construíram os organóides, que por sua vez, contribuíram para o surgimento da primeira célula. Uma célula é uma combinação específica de organóides, com uma organização suficientemente complexa para conter todos os dispositivos necessários para garantir o metabolismo e a autoperpetuação. Portanto, a célula representa a menor estrutura completamente viva conhecida, capaz de se comportar como um organismo vivo e independente, pois como as bactérias e os protozoários, que são unicelulares, apresentam algumas características que permitem sua existência:
1.Obter energia para o seu funcionamento;
2.Obter matéria para sua construção e materiais desgastados;
3.Reproduzir-se, para possibilitar a manutenção da vida; e
4.Responder aos estímulos do meio.
Continuou Dr. Lorens: __ As células organizaram-se em grupos distintos, quanto a forma e a função, formando outro nível de organização, os tecidos e estes se arranjaram em diferentes órgãos. Cada órgão, foi agrupado, de acordo com suas funções, originando outros níveis de organização, Aparelho e Sistema. Neste momento de organização, foi necessário um salto maior, pois tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas não foram capazes de garantir o metabolismo e a autoperpetuação, características, que como vimos anteriormente, são indispensáveis ao organismo vivo e independente. Esse empasse se resolveu com a reunião desses níveis de organização em outro mais complexo, o organismo pluricelular.
Tomando um pouco de água, continuou sua fala Dr. Lorens: __ Os organismos de uma mesma espécie, que viviam em um determinado espaço-tempo, construíram outro nível de organização, a população, que por sua vez, se reuniram com outras populações locais e constituíram a comunidade.
Mais um fôlego e Dr. Lorens concluiu. __ A sobrevivência do nível de organização comunidade dependeu de uma evolução das relações de troca entre os organismos (fatores bióticos) e destes com os componentes não vivos (fatores abióticos) daquele espaço, como o clima, a água e o próprio espaço. Essas relações entre os fatores bióticos e abióticos trouxeram uma nova experiência de organização, o nível de ecossistema. A sobrevivência dos ecossistemas é garantida por um contínuo fluxo de matéria e energia, que une todos esses níveis em um nível de organização ainda maior, a biosfera.
__ Dr. Francisco, acrescentou Dr. Lorens, a leitura que acabo de fazer nos mostrou uma busca, não determinista, de novas experiências, que culminou com a manifestação da vida, em um dado momento da história de nosso planeta. Porém, foi uma leitura muito cartesiana, dura, sem um sentido transcendente mais explícito, que pudesse responder aos nossos questionamentos humanos, tanto filosóficos, quanto sociais e espirituais.
Diante de um olhar de incompreensão de Francisco, Dr. Lorens disse ainda: __ Esse conflito diante de uma leitura cartesiana fisiológica dos níveis de organização, e a dificuldade de se recortar aspectos filosóficos, sociais e espirituais, vem me colocando diante de um desafio de buscar este recorte e amadurecer o significado desse processo de organização para a composição de nossa pessoalidade, de nossa socialização e de nossa espiritualidade.
__ Dr., se estamos nos referindo a pessoa, continuou Dr. Lorens, nosso recorte necessita ser feito ao nível de organismo pluricelular, que somos. Esse organismo que somos se expressa, primeiramente, como um corpo que é um inconsciente visível, é o nosso texto mais concreto, nossa mensagem mais primordial, é a escritura da história da organização que somos. O nosso corpo sente, fala, comunga de todos os níveis anteriores a ele, enquanto organismo, e troca estas experiências com os níveis subsequente.
__ Nesse sentido, meu caro Dr., disse Dr. Lorens, nós organismos, somos a síntese de uma história natural, que ao longo de bilhões de anos, foi sendo arquitetada, com erros e acertos, angústias e felicidades, mas sempre experienciando uma novidade, com riscos calculados, capaz de criar novos espaços para o diálogo entre o novo, o velho e o viável para a vida.
__ Portanto Dr. Francisco, é possível revisitarmos o inicio de minha fala, há um sonho embutido em cada um de nós, o sonho da experiência bem sucedida.
Nesse momento, Francisco interrompeu e perguntou:
__ Mas, o que quer dizer: “experiência bem sucedida”?
__ Acredito Dr. Francisco, que um nível de organização bem sucedido é aquele que tem a capacidade de dialogar de forma aberta, simples e natural com o outro. É flexível para perceber todo seu universo, cultivando o dom de se deslumbrar e se espantar com o essencial, mesmo que o caminho essencial pareça viciado e repetitivo. É necessário nascer para a eterna novidade da vida, o milagre do servir.
__ Dr. Francisco, continuou Dr. Loerens, como tentei mostrar até agora, cada nível de organização tem o mesmo propósito, ser instrumento para o sonho dos anteriores e contribuir para o sonho dos posteriores. Ser um organismo, parece muito simples, mas incorporar a dinâmica da inteireza de ser um ser vivo, passa pela garantia de que não haja uma separatividade entre o organismo e seu compromisso de servir.
__ Penso ainda Dr. Francisco, que o ato de deixar que a pessoalidade humana resplandeça no organismo humano é, antes de tudo, compreender e dar continuidade aos propósitos da organização natural. A perda dessa pessoalidade pode ser identificada, ao longo de nossa história humana, quando a fragmentação invadiu nosso organismo e nos separou do ambiente natural. Esta separatividade evoluiu para uma fragmentação entre o indivíduo e a sociedade. A presença dessa fragmentação rompeu a inteireza do organismo humano, sua resposta foi o rompimento com a continuidade dos propósitos da organização natural.
__ Dr. Francisco.
__ Sim Dr. Lorens, respondeu Francisco.
__ Este estado de falta de inteireza da pessoa humana e falta de compromisso com os caminhos da organização podem facilmente ser sentidos, afirmou Dr. Lorens e exemplificou:
__1o. Quando observamos um ambiente natural preservado, como uma floresta, um lago ou o mar, nossa reação é de um sentimento de bem estar;
__ 2o. Quando nos deparamos com um ambiente degradado, somos invadidos de um sentimento de angústia.
__ Por que? Perguntou Francisco.
__ É simples, respondeu Dr. Lorens, a degradação ambiental não faz parte do sonho dos níveis organizacionais que nos usam para sonhar e construir novos caminhos que promovem a vida. Esse estado de degradação nos angústia também, porque traz à tona, o nosso estado interno de conflitos, mau resolvidos, que nos impede de ser o que somos e de resgatar o divino, que vincula, unifica e restaura a inteireza vital.
__ É muito rico esta reflexão sobre o compromisso da pessoalidade, disse Nilo, encorajando o Professor Lorens a continuar, que com um sorriso acrescentou, mas ainda, __ É necessário ressaltar outro recorte interessante, a extensão de nossos atos.
__ Como tentei mostrar Dr. Francisco, somos parte de um todo, e quando alteramos a lógica na qual estamos inseridos, não há apenas o prejuízo de nós mesmos, mas há o rompimento de um compromisso herdado de se experimentar novos caminhos, com um risco calculado, quando os limites são o outro e a promoção da vida.
__ O que o Senhor está afirmando, argumentou Dr. Francisco, é que a nossa experiência em buscar novos caminhos parece não responder adequadamente à lógica embutida no processo de organização do universo, pois sempre há um risco muito maior, do que aquele que se esperava de um nível de organização.
__ Sim, respondeu Dr. Lorens, o Senhor está compreendendo, mas vou ilustrar esse conflito, quanto ao caminho. Tomemos uma lenda que se contava em Samarra, uma cidade que se estendia de Jerusalém para o norte, até a Mesopotâmia.
Contava a lenda que na antiga Bassora, um soldado, cheio de medo, foi até seu rei e lhe disse: “__ Salvai-me, soberano, ajudai-me a fugir daqui. Estava na praça do mercado e encontrei a Morte, vestida de negro, que me olhou de modo malévolo. Cedei-me vosso cavalo, para que eu possa correr até Samarra. Se permanecer aqui, temo por minha vida”. “__ Dai-lhe o melhor corcel”, disse o soberano, “o filho do relâmpago, digno de um rei.”
Mais tarde, na cidade, o rei encontrou a Morte e lhe disse: “__ Meu soldado estava apavorado. Disse-me que te encontrou hoje, no mercado, e que o olhavas de modo malévolo”. “___ Não, não”, respondeu a Morte, “meu olhar era de surpresa apenas, pois não sabia o que ele fazia hoje por aqui, visto que o esperava em Samarra, esta noite. De manhã, estava muito longe de lá”.
__ Portanto, Prof. Francisco, penso que talvez haja uma Samarra em nossos planos de organismos humanos. __ De fato, concordou Francisco, dizendo: __ precipitando-nos para resolver os problemas imediatos, confiando em uma tecnologia de intervenção, com riscos não tão calculados, isto é, a escolha do corcel mais veloz, pode estar nos levando a caminhos, que seremos vencidos por problemas fundamentais que não mais estaremos em condições de superar. __ Perfeito Professor Francisco, elogiou Dr. Lorens, __ e posso acrescentar que desta forma comprometeremos todo o caminho até então trilhado passo a passo, sem pressa e sem querer tudo de uma só vez. Tornando-se imprescindível termos a consciência de que o caminho se faz passo a passo, um passo de cada vez, um passo a mais…
__ Enfim, Dr. Francisco, concluiu Dr. Lorens, creio que nosso nível de organização é de organismo, e nosso compromisso é a manutenção dos compromissos dos níveis anteriores, bem como a relação com o ambiente, como já discutimos anteriormente, e a relação com o outro organismo humano e não humano. E, é fundamental nos conscientizarmos deste momento, um momento de resgate da dimensão do servir. Para servir é necessário ser ético. Ser ético, é se colocar no lugar do outro e compreender que o cada um de nós é muito importante para o outro, porque o outro espera que cada um de nós o ame e comungue do mesmo sonho da inteireza da experiência de ser pessoa.
__ Minha nossa! Exclamou Francisco, há uma infinidade de conceitos embutidos em sua concepção, e fico bastante incomodado com o ato de juntar todos para elaborar essa teoria do sonho.
__ Talvez seu incômodo, respondeu Dr. Lorens, esteja no fato de estar experienciando aquilo que eu experienciava, enquanto biólogo, a fragmentação do conhecimento, a incompletude da existência dos conceitos.
A conversa estava evoluindo, quando foram interrompidos pelo comissário de bordo que anunciava que o almoço seria servido. Nesse momento, Francisco pede licença para ir ao toalete e se preparar para o almoço. Dr. Lorens também se levantou e se movimentou um pouco pelo corredor do avião.
Ao se prepararem para a refeição, aproveitou Francisco para descontrair a conversa densa que acabaram de ter e disse:
__ Vou aproveitar para mastigar um pouco nossa conversa. Dr. Lorens, completou:
__ Coma com cuidado, o estômago deve ser preparado para comer algumas coisas diferentes.
Um sorrido se esboçou entre os dois, que interrompidos pela aeromoça, receberam a refeição: um rosbife com molho branco, acompanhado de uma salada de legumes e um mouse de chocolate como sobremesa. Para beber, Francisco pediu um refrigerante, enquanto Dr. Lorens não se aventurou além de um copo de água gasosa.
Ao término do almoço, recolhido as bandejas, Francisco pede um café, que lhe é servido imediatamente. Dr. Lorens preferiu uma goma de mascar, sabor de frutas, que retirou do bolso, ofereceu ao Francisco, que a recusou.
Dr. Lorens se voltou para Francisco e lhe disse:
__ Me perdoa Dr. Francisco, estou um pouco sonolento e gostaria de aproveitar para adormecer por alguns minutos.
Encorajado por Francisco, ele se acomodou com um travesseiro e uma manta que estavam no compartimento acima de suas poltronas.
Francisco aproveitou para iniciar a leitura do livro que comprara.
Capítulo III – A DÚVIDA
Enquanto lia o livro que adquirira, Francisco não deixava de pensar sobre a conversa com seu ex-professor Lorens. Aquela forma de pensar de um biólogo era muito sociológico, pouco biológico. Parecia que o Dr. Lorens havia perdido o referencial biológico de pensar e incorporado o referencial antropo-sociológico para ver a realidade. Mas, suas últimas palavras me incomodaram muito mais, pois havia um ar de compreensão dele para comigo, quando disse que pensava como eu penso e que com o tempo passou a perceber que a primeira forma de pensar não era inteira, era uma leitura fragmentada da realidade. Será que estou vendo a realidade com os olhos parcialmente obscurecidos pela Biologia ou será que a Sociologia deformou o olhar de um grande pesquisador como Dr. Lorens.? Para Francisco, como um pesquisador científico formado na escola científica tradicional, havia uma hipótese: Há muito de sociológico na abordagem do Dr. Lorens, que mascarou o fenômeno biológico, em sua essência bio-físico-química.
Muitas perguntas fervilhavam em sua mente, mas que só poderiam ser ampliadas a partir de uma conversa mais extensa com Dr. Lorens, que continuava adormecido.
Algum tempo depois, Dr. Lorens despertou, para alívio de Francisco, que esperou ansiosamente para continuar a conversa e tentar apurar sua hipótese: alguém está com o olhar deformado, ele Francisco ou Dr. Lorens.
__ Dr. Francisco,. que bom momento de sono eu tive, disse Dr. Lorens. __ Preciso lavar meu rosto para despertar melhor, com licença, vou ao toalete.
__ Claro, Dr. Lorens, respondeu cortesmente Francisco.
Quando Dr. Lorens voltou, estava com um copo de suco nas mãos, que havia conseguido com uma das aeromoças que estava próximo do toalete. Ao sentar-se novamente perto de Francisco, mostrou-lhe o suco e exclamou, com uma voz um tanto melancólica: __ Gostaria de algo mais forte, mas não posso abusar! Francisco, tentando consolar disse: __ O suco parece algo bom, é muito natural, devemos reaprender sobre seus benefícios.
Francisco não se continha em encontrar o momento certo da conversa para retomar a temática anterior que norteou sua hipótese, mas não queria deixar transparecer que estava tão interessado e com isso atrapalhar seu método de análise daquela realidade.
Dr. Lorens reservou alguns momentos de silêncio e tentou encontrar uma janela naquele diálogo descontraído para abrir e retomar a conversa que havia incomodado tanto Francisco. Assim, disse Dr. Lorens:
__ Conseguiu mastigar um pouco nossa conversa do pré-almoço?
__ O Sr. não conseguiu uma indigestão?
Francisco não conseguiu esconder seu contentamento quanto a retomada da conversa, o que foi nitidamente percebido pelo Dr. Lorens, que esboçou um sorriso de aprovação.
__ Foi um pouco difícil mastigar e engolir aquela quantidade de conceitos e informações, misturadas com Ciência, Literatura, Mitos e Religião... disse Francisco, interrompido pelo Dr.Lorens que disse: __ Não gostaria de reduzir Espiritualidade a Religião, pois poderia estreitar nossa compreensão transcendental da vida, uma vez que ficaríamos presos a doutrinas e regras. Mais uma vez, Francisco se viu perdido, sem argumentação, restando apenas um acenar com a cabeça que indicava uma postura afirmativa.
Entre um gole e outro de suco, Dr. Lorens perguntou: __ Posso ajudá-lo a dissecar sua hipótese?
Dr. Francisco, assustado respondeu com outra pergunta: __ Como sabe que tenho uma hipótese?
__ Todo cientista pensa através de problemas e hipóteses, é um vício, até muito bom, de se ler a realidade, o aliviou Dr. Lorens, e acrescentou: __ E então, posso ajudá-lo?
__ Sim, respondeu Francisco, e argumentando, perguntou: __ Sua análise da realidade, apesar de apresentar tantos componentes biológicos, físicos e químicos me pareceu muito antropológica. __ Por que tanta ênfase no homem? __ E não em teorias biocêntricas?
Dr. Lorens silenciou-se por um instante, como que escolhendo palavras para responder, tomou um fôlego e disse: __ Caro professor, não foi minha intenção reduzir minha fala a um antropocentrismo, muito menos a um biocentrismo, mas sim ampliar as duas formas de abordagem, não privilegiar somente o biológico, como fazia enquanto biólogo, mas inserir o homem no contexto da realidade, sem tomá-lo como centro. __ Em síntese, estou falando de uma visão holocêntrica, onde o centro é o todo, isto é, tudo o que existe concorre para a verdade e não pode ser fragmentado ao bem querer de um ramo do conhecimento ou de pessoas que ao longo da vida foram se fragmentando e tentando satisfazer suas curiosidades com pesquisas e conclusões de domínio restrito à sua fragmentação.
Francisco argumentou, __ Mas a natureza é tudo?
Dr. Lorens respondeu com a cabeça afirmativamente, e acrescentou: __ Infelizmente esse conceito não é ampliado pelos vários ramos da ciência, que prefere excluir o homem do contexto natural, como se fosse um alienígena em nosso planeta. __ Também creio que a natureza contém tudo, mas quando leio as teorias científicas não consigo perceber a presença da figura humana, ao ponto de se desenvolver ciências tão particulares para estudar o homem, esquecendo que este tem uma história biológica, física e química com a realidade. __ Um exemplo, a medicina, uma parte da Ciência, foi reunida como biológica e reduzida à biologia humana, o que levou os médicos a tratar o homem de forma tão particular que até a postura secundária bípede do homem foi tomada como referencial primário e único, o que resultou em uma nomenclatura médica que denomina os membros primitivos anteriores e posteriores, em superiores e inferiores respectivamente... e assim por diante. __ Portanto, conceituar a natureza como um todo é um discurso muito interessante, mas a prática desse discurso é muito restrito, dependendo do grau de fragmentação da formação que a pessoa do profissional exibir.
Francisco ouviu atentamente e perguntou: __ Por que seu trabalho está ligado diretamente à Biologia?
__ Bem Dr. Francisco, eu sou biólogo de formação, consigo trabalhar melhor os conceitos biológicos. __ Me aventurar por outras ciências básicas é um tanto complicado para mim. __ Assim, estou tentando resgatar a visão holocêntrica da Ciência e precisava começar por algum lugar. __ Vou começar pelo caminho que venho caminhando a anos e conheço a via principal e seus atalhos.
Francisco continuou perguntando: __ Por onde o senhor crê que seria necessário iniciar? __ Creio que pela compreensão dos níveis de organização que apresentei ao senhor e pela Teoria Evolucionista. __ E a partir daí, ampliar os conceitos biológicos reduzidos ao longo do tempo, respondeu D. Lorens.
Capítulo IV – A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
__ Os senhores desejam tomar ou comer alguma coisa, antes de nosso próximo lanche? Perguntou-lhes a aeromoça.
Francisco logo pediu: __ Um pouco de água, por favor.
Enquanto Dr. Lorens recusou, agradeceu e se desculpando, justificou: __ Já havia se adiantado com um suco, há pouco tempo atras.
Francisco, tentando retomar a conversa argumentou sobre a questão evolucionista. __ Para mim, é claro a concepção neo-darwinista para compreender a Biologia, mas há o contraponto não evolucionista, do qual me deparo com freqüência no meu dia-a-dia europeu. __ Como resolver esse empasse?
Dr. Lorens, levantou as sobrancelhas no sentido de confirmar que aquilo era um empasse de verdade. Mas, tentando contemporizar, Dr. Lorens exclamou: __ Isso merece uma outra conversa, tão séria como esta que estamos tendo! __ Sugiro que avancemos nosso enfoque evolucionista e mais tarde, quando restaurarmos a Biologia Evolutiva, revisitamos esta temática.
Francisco, acenou com a cabeça afirmativamente, pois havia compreendido que naquele momento esse argumento não era o mais importante para testar sua hipótese.
__ Então, onde estávamos perguntou Dr. Lorens?
Francisco respondeu, sobre a questão da Evolução. __ Ah, sim! Exclamou Dr. Lorens.
__ Pois bem Dr. Francisco, me fale um pouco das teorias de evolução biológica.
Francisco, surpreso com o pedido, não entendeu o que deveria fazer e respondeu com outra pergunta: __ Como?
__ É isso Professor, gostaria que o senhor enunciasse as Teorias de Evolução, segundo sua forma de compreensão, como um biólogo que o é. Respondeu Dr. Lorens.
__ Está bem, respondeu Francisco. __ Iniciarei com o Lamarckismo, passarei pelo Darwinismo e então concluirei com o Neo-darwinismo. __ Ok.? Concordou Dr. Lorens, e acrescentou: __ Sigamos o fluxo da história.
Francisco inicia sua fala:
__ Um tipo de pensamento sobre o mundo voltava a história européia, por volta do Século XVIII, o qual trazia à tona a concepção de mundo dinâmico (em constante mudança). __ Se restabelecia assim, o pensamento Transformista, que admitia a mutabilidade das coisas.
__ As comparações que eram feitas entre os organismos do passado e do presente naquele momento histórico eram o resultado de modificações estruturais e fisiológicas assumidas pelas incontáveis gerações que se foram sucedendo. __ É interessante ressaltar que apesar da idéia da evolução remontar aos gregos antigos, prosseguiu de forma apenas perceptível através da Idade Média, pois não passava de uma mera especulação filosófica até princípios do século XIX, enfatizou Francisco.
Continuando... __ O naturalista Jean Baptiste de Lammarck que viveu entre 1744, quando nasceu até 1829, quando faleceu, é considerado o pai da primeira teoria da evolução biológica. __ Esta teoria considerou que a herança dos caracteres adquiridos era o mecanismo mais importante, senão o único, das mudanças evolutivas. __ Esse pensamento evolucionista ficou conhecido por Lamarckismo.
__ Segundo Lamarck, as variações são induzidas no organismo como resposta a dois fatores:
1. A necessidade urgente de adaptação e tensão sobre partes do indivíduo, causadas
pelo ambiente;
2. Mediante uso e desuso dos órgãos.
__ Considerava ainda que, as transformações produzidas no organismo por indução do ambiente seriam hereditárias. __ E que todos dos caracteres orgânicos eram adquiridos por resposta aos desafios do ambiente e hereditários.
__ Lamarck, que acreditava na Abiogênese (o surgimento da vida, a partir de um elemento não vivo) e na criação divina da Terra, em seu livro Philosophie Zoologique, afirmou que qualquer animal poderia transmitir aos seus descendentes, aquelas características que se desenvolvem pelo uso ou se atrofiaram pelo desuso. __ Concluindo que, as novas espécies aparecem por evolução, como resultado da aquisição ou perda de caracteres.
__ É importante dizer que, com esse modo de pensar a evolução biológica, o ser vivo passa a ser o centro da evolução, pois apresenta adaptação ativa, isto é, ele, o ser vivo, é que determina o caminho evolutivo, de forma determinista, colocando o ambiente como segundo plano.
__ Dr. Lorens, penso que é inegável a contribuição de Lamarck como cientista. __ Sua capacidade de observação foi decisiva para despertar nos biólogos a preocupação com o fenômeno da adaptação, e a relação desta com o ambiente que contém os seres vivos.
__ Concordo Dr. Francisco, respondeu Dr. Lorens e acrescentou: __ Mas, Lamarck se perdeu em suas conclusões quando defendeu que o ser vivo “sentia” a mudança ambiental e adaptava-se, e imediatamente transmitia à prole. Sim, claro, ratificou Dr. Francisco.
Após um ou dois goles de água, continuou Dr. Francisco...
__ Uma nova hipótese sobre a evolução dos seres vivos vinha sendo esboçada, na tentativa de responder aos questionamentos que a hipótese de Lamarck não respondia. __ Assim, aparece a figura de Charles Robert Darwin, que apesar de não ser formado em História Natural, foi encorajado por um antigo professor J.S. Henslow a tomar contato com as atividades dos naturalistas. __ Mais tarde, por recomendação deste mesmo professor, e pela finíssima educação aristocrática de Charles Darwin recebida de sua família tradicional Inglesa, que o tornava um verdadeiro “gentleman”, foi escolhido como naturalista de um navio que faria uma viagem oceanográfica por alguns continentes.
__ O jovem naturalista partiu da Inglaterra aos 27 dias de dezembro de 1831, a bordo do His Magesty’s Ship Beagle. __ Era uma viagem que tinha como objetivo mapear as costas de alguns continentes, como a América do Sul e Sul da Austrália, os quais eram bastante deficiente, além disso, o naturalista deveria coletar material biológico para estudos na Universidade inglesa.
__ O diário de bordo do Beagle conta que foi uma viagem muito emocionante, conheceram muitos lugares, entre eles o Brasil - Bahia e Rio de Janeiro. __ Foi registrado no diário ainda, a indescritível emoção da chegada da tripulação ao Arquipélago de Galápagos, a mil quilômetros da costa equatoriana, no Oceano Pacífico, em 1835. __ Foram quatro semanas de muito sol, passeios de barco pelas praias, incursões pelas ilhas, recolhendo fantásticos espécimes animais e vegetais. __ Conta ainda, que uma tarde, caminhando pela ilha que hoje é chamada de Ilha de Darwin, Charles ouviu, surpreendido, uma observação do Governador do Arquipélago, de que seria capaz de apontar exatamente a linha de origem de qualquer tartaruga que lhe cruzasse o caminho. __ Está sugerindo que cada ilha produz seu tipo especial de tartaruga ? perguntou o assustado jovem inglês, que de há muito estava com a atenção voltada para o problema. __ É verdade, eu identifico, observando os gomos e o colorido das carapaças e comprimento do pescoço e das pernas. Atônito, Darwin perguntou ao governador se sabia por que tal fato acontecia. __ Só sei o que os meus olhos me dizem. Ouviu como resposta. __ Darwin já havia anotado algo semelhante com relação aos pássaros que sobrevoavam, aos milhares, o arquipélago, observando que essas aves possuíam bicos diferentes, e com diferentes tipos de alimento, comportamentos distintos, conforme fosse a ilha de origem.
__ Partindo de observações, quase casuais, de um colecionador curioso, nasceria a problematização que, posteriormente seria organizada metodologicamente, desenvolvendo-se na nova concepção de evolução, que se denominou Darwinismo.
__ A viagem terminou aos 2 dias de outubro de 1836, quando o navio voltou aos portos da Inglaterra. Até então, Darwin era membro ortodoxo da Igreja Anglicana, ele aparentemente não acreditou na noção de evolução, até março de 1837, quando o ornitólogo John Gould lhe indicou que seus espécimes de pássaros de Galápagos eram tão diferentes de uma ilha para outra que constituíam espécies diferentes. Essa revelação parece ter levado Darwin a duvidar da imutabilidade das espécies e a começar a juntar evidências sobre sua transmutação. Sua preocupação não estava só no fato de reunir evidências de evolução, mas também de conceber o mecanismo que pudesse explicá-las.
__ A teoria da Seleção Natural começou a ser elaborada em 28 de setembro de 1838 quando, segundo a autobiografia de Darwin, ele estava lendo, como entretenimento, o ensaio de Thomas Malthus sobre populações, sob título: Essay on the Principle of Population. __ Este ensaio argumentava que o crescimento sem controle da população humana deveria levar à fome, pois o crescimento populacional se faz de forma exponencial (progressão geométrica) e a produção de alimentos cresce segundo uma progressão aritmética. __ Nesta leitura foi possível avaliar a luta pela sobrevivência dos seres vivos, várias vezes observada por Darwin.
__ Vinte anos se passaram, entre o evento descrito por Malthus e a primeira publicação de Darwin sobre a Seleção Natural. __ Darwin se preocupou, durante este tempo, em colecionar evidências que poderiam constatar a evolução biológica. __ Para tanto, foi necessário trabalhar, cerca de oito anos com taxonomia , que lhe rendeu algumas publicações, reunidas em quatro volumes. __ Em 1844, ele escreveu, mas não publicou, um ensaio sobre Seleção Natural, e em 1856, começou a trabalhar naquilo que seria o seu “grande livro”, Natural Seletion, mas este livro não chegou a ser publicado, pois durante a redação final, foi interrompida, devido ao imprevisto causado por alguns manuscritos de Alfred Russel Wallace , que chegaram a suas mãos, através do próprio autor. __ Era um trabalho que tratava do mesmo assunto que ele estava trabalhando. __ Nesta mesma época, outro naturalista, Henry Walter Bates, também estava chegando às mesmas conclusões, com estudos realizados na Amazônia brasileira, mas Darwin e os outros estudiosos da época, não chegariam a saber dos trabalhos de Bates. __ Temendo ser surpreendido pela publicação de Wallace, Darwin preparou um resumo de seu ensaio e publicou rapidamente em 1o de julho de 1858. Em 24 de novembro de 1859, o livro foi publicado, sob título: A Origem das Espécies por meio da Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida, era uma edição com 1250 exemplares e se esgotou em algumas horas, no mesmo dia. __ Essa obra ousou ferir o bom conceito que a humanidade tinha de si própria, o verdadeiro entrave a qualquer ideia nova.
__ A sociedade da época ficou chocada ao ler que as espécies Homo sapiens não chegara a este planeta pelas mãos do Criador, mas como uma outra qualquer, por evolução de repugnantes e longínquos ancestrais. __ Poucos dias depois do lançamento da Origem das Espécies, o mundo pareceu desabar sobre a cabeça de Darwin.
__ A teoria formulada e que foi defendida por Darwin, mostrava um conjunto de afirmações que colocavam em conflito a posição do homem diante da natureza e suas atitudes diante da criação divina.
__ Para o Darwinismo, o ser vivo não teria controle sobre seus atributos (características) adaptativas, visto que estes já nasciam com eles. __ O ambiente passava a ter o papel decisivo no contexto evolutivo, quando através de sua Seleção Natural haveria uma escolha daquelas características que responderiam de forma mais adequada às propostas de mudanças ambientais.
__ Essa proposta de evolução mudou o eixo do processo evolutivo, visto que o centro da evolução passou a ser atribuído ao ambiente, e não ao ser vivo, como defendida por Lamarck. __ Também, havia outra grande conclusão, a importância do indivíduo e suas características, pois a seleção agiria principalmente sobre o indivíduo, e menos no grupo, no qual o indivíduo estaria inserido.
__ O texto A origem das espécies arranha de leve a espécie humana.
__ Havia ameaças representadas pelo texto, principalmente à narração bíblica de nossa criação. __ Essa postura era reconfortante, pois nos colocava como algo diferente dos animais. __ Nesse contexto, Darwin não tinha nada a ganhar desenvolvendo ideias que confrontassem as vigentes, sobre o homem. __ Mesmo assim, no final do texto A origem das espécie há uma sugestão que, através do estudo da evolução “se esclarecerá a origem do homem e sua história” o estudo da psicologia “assentará sobre novas bases”.
__ Incomodado com a ausência do homem em seus textos, Darwin escreveu, em 1871, “THE DESCENT MAN, de onde tomamos um fragmento, que tenta introduzir a temática evolutiva para o homem: __ Aquele a quem não satisfaz ver todos os fenômenos da Natureza como se estivessem deslocados e desconexos não pode, por muito tempo, seguir na crença de que o homem é fruto de um ato separado da Criação.
__ Temos observado que o homem se modifica incessantemente. __ Estas diferenças ou variações parecem ser provocadas pelas mesmas causas gerais e obedecem a leis idênticas às que ocorrem nos animais inferiores.
__ O homem tende a multiplicar-se em proporções maiores que seus meios de subsistência; portanto, acha-se sujeito à dura luta pela sobrevivência.
__ Considerando a estrutura embriológica do homem e as regressões a que é propenso, poderíamos, em parte, reconstituir, na imaginação, o estado primitivo de nossos ancestrais. __ Todos o mamíferos descendem, provavelmente, de um antigo marsupial, o qual descenderá, por sua vez, por uma longa série de formas diversas, de algum anfíbio, e este de um ancestral semelhante aos peixes. Da espessa obscuridade do passado, deduzimos que o progenitor primitivo deve ter sido um animal aquático, provido de brânquias, com os dois sexos reunidos no mesmo indivíduo e com órgãos como o coração e o cérebro com desenvolvimento imperfeito.
__ Mas, aquele que admitir o princípio da Evolução deve reconhecer que as faculdades mentais do homem são, quanto à natureza, idênticas às dos animais superiores, embora a gradação entre as faculdades mentais de um símio e de um peixe ou entre as de formiga e de um parasita sejam imensa…”
__ Porém, Darwin ficaria desapontado ao descobrir que formos muito além das especulações de seu The descent of man. __ Principalmente quando ouvisse Weiner, da Universidade de Oxford, afirmar que se trata de um vasto e intrigante tópico sobre o qual a nossa compreensão evolucionista continua insuficiente... __ Diante do cenário atual, que enfatiza a singularidade do homem como animal transmissor de cultura, Darwin talvez percebesse uma tendência a retomar a ideia pré-evolucionista de que há uma diferença absoluta entre o homem e os outros animais.
__ Enfim, neste final de milênio, é possível enumerar um bom número de idéias que aprofundam radicalmente a compreensão dos Biólogos evolucionistas sobre o comportamento social dos animais, inclusive o homem.
__ Bravo!!! Professor Francisco, que riqueza de detalhes e análises.
__ Oh Professor Lorens, esse é o resultado de ter tido como Professor de Evolução um certo Professor Dr. John Frederick Lorens! Exclamou Francisco.
__ Com um sorriso tímido, Dr. Lorens completou, mas e o brilhantismo do aluno é que faz o bom professor.
__ Estou ansioso para ouvir sobre o Neo-darwinismo, comentou Dr. Lorens. Assim, continuou Francisco...
__ Após a revolução filosófica promovida pelas ideias de Darwin, Wallace e Bates, houve um estacionamento no desenvolvimento do pensamento seletivo do processo evolutivo, visto que não surgiram explicações convincentes que mostrassem a origem das características diferentes que cada indivíduo do grupo exibia.
__ Os conceitos genéticos já haviam sido tratados pelo monge Gregor Mendel, porém não foram compreendidos na época. __ Esses conceitos, se fossem discutidos de forma mais sistematizada, serviriam como explicação, pelo menos parcialmente, da origem das características diferentes dos indivíduos (diversidade) e sua transmissão para os descendentes.
__ De posse das duas teses principais da obra de Darwin, A origem das espécies:
__ 1. que os organismos são produto de uma história de descendência com modificações a partir de ancestrais comuns;
__ 2. que o principal mecanismo da evolução é o da seleção natural das variações hereditárias; vários pesquisadores, a partir da metade do Século XX, começaram a retomada daquele ponto não explicado por Darwin, a origem da diversidade entre os indivíduos.
__ Ronald A. Fisher, John B. S. Haldane, Sewall Wright, Julian Huxley, G. Ledyard Stebbins, George Gaylord Simpson, Theodosius Dobzhansky, Ernest Mayr, entre outros, contribuíram para o desenvolvimento dos vários modelos que explicam a variabilidade dos indivíduos. __ O principal modelo proposto derivou da genética, que propunha como fonte da variabilidade a RECOMBINAÇÃO GÊNICA e a MUTAÇÃO.
__ Este movimento teve seu mérito em virtude da possibilidade de unir os conceitos de seleção natural, proposto no darwinismo, e os conceitos de genética. __ Essa SÍNTESE MODERNA, como é conhecido o NEODARWINISMO, constitui-se de um grande parâmetro para novos estudos em evolução. A origem das espécies e sua distribuição nos vários ecossistemas, bem como sua função na manutenção dos mesmos, são alguns exemplos do grande avanço que esta “síntese” proporcionou.
__ Enfim, o Neodarwinismo colocou os pensamentos darwinianos em contato com os conceitos genéticos, resultando novas concepções a respeito da vida em nosso planeta.
__ Perfeito Dr. Francisco, foi muito mais do que eu esperava, elogiou Dr. Lorens.
Francisco cansado de tanto falar, se calou, ficou envaidecido pelo elogio, agradeceu e chamou a aeromoça, que prontamente o atendeu.
__ O que o Sr. deseja?
__ Quando será servido o lanche?
__ Já estamos preparando o serviço de bordo Senhor, respondeu a aeromoça.
__ O Sr. deseja alguma coisa antes?
__ Não, vou esperar, obrigado, disse Francisco.
A aeromoça acrescentou, __ Somente mais alguns minutos e estaremos serv... Antes de terminar a frase, um aviso do comissário de bordo, __ O lanche será servido.
Um sorriso foi trocado entre Francisco e a aeromoça, ratificando o sentimento de compreensão mútua.
Para o lanche Dr. Lorens disse: __ Vou ousar tomar um chá. Francisco o encorajou e disse: __ Vou acompanhá-lo.
Os dois pediram chá com torradas. E passaram alguns minutos envolvidos com o degustar daquele chá britânico. Ao final, levantaram e foram ao toalete.
Francisco voltou primeiro, mas não se sentou imediatamente, permaneceu em pé, movimentando suas pernas, como que alongando-as após um longo período de inatividade.
Não demorou, Dr. Lorens voltou e, bem devagar caminhava até sua poltrona, com um certo ar de cansado da viagem. Enfim, os dois se sentaram.
Francisco, agora resolveu inserir a conversa. __ Professor Lorens, quando tentei abordar as teorias, tive a preocupação de trazer a figura do homem para seu contexto, da forma que a história o inseriu nas teorias evolucionistas.
__ Percebi, Dr. Francisco, e fiquei bastante satisfeito de ter ouvido as teorias dessa forma. Respondeu Dr. Lorens. __ Mas, gostaria de ampliar mais o foco da Teoria Evolutiva do Neodarwinismo.
__ Me permita expor alguns subtemas. Pediu Dr. Lorens, o que foi permitido por Francisco, com um acenar de cabeça.
__ Creio que é possível enfatizar que o Neodarwinismo mostra um processo que não só é somente criador de variações, mas também é inibidor delas. __ Há uma preocupação inibidora, implícita no modelo: as variações não podem comprometer a vida daqueles que compartilham a experiência de viver em uma comunidade de um ecossistema.
__ Em contra partida, a comunidade não pode desprezar a variação criada, somente porque é diferente, mas sim lutar para perceber a felicidade do indivíduo que a contém, quando tem a chance de exercer sua função de SERVIR.
__ Há uma relevância de cada indivíduo, enquanto portador de variações. __ Cada indivíduo é um elemento importante para o processo, que busca algo maior que a sobrevida pela seleção natural, há uma transcendência dos limites orgânicos, em direção aos grandes valores, como a beleza, a liberdade, a flexibilidade e a criatividade.
__ Os valores universais se enriquecem e se frutificam quando incorporados como aspectos individuais. __ No nível da pessoalidade humana, resulta na criação de um novo mundo de liberdade e espiritualidade.
__ Um ponto da evolução que estamos apontando é a pessoalidade do indivíduo. __ Ela é construída sobre as estruturas anteriores da matéria e da vida. __ Porém, acima da hereditariedade de natureza orgânica e animal e da hereditariedade psíquica que nos proporciona o potencial de aprendizagem, há a influência de instrumentos éticos, balizados pela paz, alegria, graça, bondade e todas as estratégias da vida.
__ Portanto, o objetivo da pessoalidade de cada indivíduo humano deve ser a auto-realização, não num sentido egoísta, mas no de uma ordem universal, estampada pela Evolução Biológica, que responda a todas as coisas verdadeiras, boas e lindas do universo, que podem ser resumidas nos sentimentos de liberdade e de pureza.
__ Mas, com essa forma de pensar, parece que o senhor está ressaltando o lado bom da seleção natural e quanto é bom ser diferente, disse Francisco.
__ Sim, respondeu Dr. Lorens, mas por que tem que ser ruim?
__ Bom Professor, os menos adaptados desaparecem.
__ O Sr. acredita que o ato de desaparecer é ruim? Perguntou Francisco.
__ Bem Dr. Francisco, vou precisar de seus conhecimentos e de sua brilhante forma de abordagem das teorias.
__ Fique a vontade Professor, disse Francisco e acrescentou:
__ Como posso ajudar?
__ Um dos desdobramentos da Teoria Neodarwinista foi a concepção evolucionista da especiação.
__ Por favor fale um pouco sobre especiação. Pode ser bem simples? Pediu, Dr. Lorens.
__ Com prazer, respondeu Dr. Francisco, é um dos assuntos que mais me dá prazer em falar.
__ Que bom, disse Dr. Lorens.
__ Iniciemos assim... há um consenso entre os Biólogos quanto ao processo de formação de novas espécies – especiação – via isolamento geográfico, como o mecanismo mais frequente e geral, utilizado pela natureza.
__ A continuidade da especiação geográfica torna sua observação bastante prejudicada, assim, é conveniente que a recortemos o processo todo, em eventos ou estágios consecutivos.
__ Inicialmente, uma população sofre uma separação geográfica, de modo que haja uma diminuição da migração, e consequentemente, do fluxo gênico.
__ A barreira geográfica que impede o fluxo gênico pode apresentar-se de várias formas: o mar entre as ilhas, a terra entre os lagos, o cume de montanhas diferentes, o fundo de vales, etc., além das barreiras climáticas.
__ Após o isolamento, a população original constituirá uma infinidade de outras pequenas populações que não se encontram.
__ Com o passar do tempo, as condições locais se constituirão em seleção natural, que balizará as alterações genéticas internas das populações.
__ Decorrido algum tempo, é possível que haja uma nova configuração geográfica ou climática e as barreiras sejam baixadas.
__ Duas são as possibilidades evolutivas para a espécie agrupada em populações isoladas:
1.Os indivíduos se encontram e fazem trocas genéticas, resultando descendentes
férteis. Não havendo, nesse caso, uma especiação;
2.Os indivíduos se encontram, porém houve um isolamento reprodutivo que os
impedem de manter um fluxo gênico, ou de gerar descendentes férteis. Neste
caso, é provável que tenha ocorrido especiação.
__ Enfim, é possível sintetizar os eventos da Especiação geográfica:
1º - População homogênea
2º - Isolamento Geográfico ou Climático
3º - Isolamento Reprodutivo.
__ A esse processo de especiação geográfica, pode ser acrescentado o mecanismo de migração, antes de um isolamento geográfico, devido a um estado de inter- relações entre indivíduos de uma população, o que resulta em competitividade entre os pares, promovendo um abandono local por aqueles que se sentem menos competitivo. __ Esse abandono caracterizado por emigrações, em busca de um novo espaço, com recursos passíveis de serem explorados.
__ O evento emigratório se faz em várias direções, a partir de um ponto original, levando grupos inteiros de indivíduos para os mais diversos tipos de ambientes, caracterizando uma IRRADIAÇÃO ADAPTATIVA.
__ Da mesma forma, quando há saída de alguns indivíduos de uma população, há a abertura de espaço para que outros indivíduos, de outras populações possam ocupar, o que estimula a imigração. __ Neste último caso, há um afluxo de formas diferentes para um mesmo espaço, caracterizando uma CONVERGÊNCIA ADAPTATIVA.
__ No caso de Irradiação Adaptativa, é comum observarmos a ocorrência de HOMOLOGIA, isto é, órgãos de mesma origem embriológica, com funções diferenciadas (ex: asas de aves e braços dos homens – membro anterior transformado em instrumento de voo e em instrumento de manuseio, respectivamente).
__ Focando a Convergência Adaptativa, há a ocorrência de ANALOGIA, órgãos de diferentes origens embrionárias desenvolvendo as mesmas funções (ex: asas de insetos, originadas da expansão da cutícula e as asas de aves, originadas do desenvolvimento dos membros anteriores).
__ Bem, Professor Lorens, posso ficar falando até o final da viagem, sobre os vários desdobramentos que essa teoria nos trouxe.
__ Não se preocupe Dr. Francisco, foi perfeito, é o suficiente para que eu possa responder sua pergunta sobre a questão boa ou ruim da seleção natural, respondeu Dr. Lorens.
__ Me acompanhe Dr. Francisco, convidou-o Dr. Lorens.
__ Sim disse Francisco.
__ A especiação biológica nos convida a uma reflexão sobre os métodos que nós, enquanto pessoas, usamos quando estamos diante de algo novo. __ Quando, na especiação, há a diferenciação entre os organismo através da variabilidade genética, não há uma exclusão imediata dessa diferença, mas sim um investimento na tentativa de se abrir um espaço experiencial para essa novidade.
__ Este espaço experiencial apresenta um mínimo de exigências para que possa existir a vida, há uma tolerância muito razoável para com as novidades, que se são boas, podem ser incorporadas pela população; se são deletérias, serão eliminadas ao longo do tempo, porém com a preocupação de não penalizar drasticamente o indivíduo que apresentou esta diferenciação deletéria, em outras palavras, há apenas um repúdio à diferença, e não à vida do indivíduo.
__ As diferenças incomodam a pessoa do indivíduo, que acreditando estar seguro com suas convicções atuais, tem medo de buscar compreender aquilo que é novo e se angustiar pela descoberta da insegurança de suas convicções atuais.
__ Vou insistir novamente na temática de que há um sonho embutido em nossas vidas, o sonho do SERVIR. Esse sonho somente é possível quando admitimos que cada pessoa tem algo diferente para colocar aos pés do outro, porém, não para se sentir subjugado ao outro, mas sim, para SERVIR como alavanca que ergue o outro e o ajuda a caminhar. __ Por mais perigoso que seja uma diferença, é na realidade uma oportunidade de experimentar as verdades e dar a oportunidade do outro de sonhar o seu sonho.
__ A irradiação e a convergência adaptativas nos trazem outros preciosos momentos para revisitarmos os nossos relacionamentos conosco e com os outros. Quantas vezes não suportamos a perda de um membro de nosso grupo, que se afasta? Mais tarde, esse ex-membro nos surpreende com uma performance invejável em outro espaço, em outro grupo, era a hora dele sair e buscar completar o SERVIÇO para suas diferenças. Da mesma forma, um espaço foi aberto para um membro novo, que muitas vezes nos conforta com a compreensão de nossa angústia pela perda e nos brinda com suas preciosas diferenças, colocadas a nosso SERVIÇO.
__ Enfim, a Especiação nos coloca no espaço da vida, quando nos lembra que sempre há um lugar para todos, desde que cada pessoa dê uma chance para o novo ser experimentado.
__ Penso que não há espaço para se julgar se o mecanismo é bom ou ruim, mas sim que é um mecanismo que dá chance a todos que desejam ousar existir.
__ Dr. Lorens, eu nunca pensei dessa forma sobre as teorias da evolução! Exclamou Francisco.
__ Dr. Francisco, não acredito que os autores das teorias também pensaram nisso, mas é isso que causa em mim a paixão pelo conhecimento, a possibilidade de alçar vôos mais altos e até certo ponto ousados. Respondeu Dr. Lorens.
Um breve silêncio encheu o momento, um folhear do livro comprado por Francisco preencheu o espaço. Um esticar de pernas do Dr. Lorens acompanhou o folhear do livro. Atos que evidenciaram um estado de incompreensão, intermeado por um estarrecido sentimento de quero mais, por parte de Francisco.
Capítulo V - CLASSIFICAR O OUTRO A PARTIR DO OUTRO
Francisco estava com uma certa interrogação no olhar, mas não sabia formular uma pergunta. Sua problemática original ainda o perseguia: Será que estou vendo a realidade com os olhos parcialmente obscurecidos pela Biologia ou será que a falta de Método Científico deformou os olhos de um grande pesquisador como Dr. Lorens.? Como formular subproblemas para que se possa testar uma hipótese razoável para este problema? Na minha opinião, continuo com a hipótese original: Há muito de sociológico na abordagem do Dr. Lorens, que mascarou o fenômeno biológico, em sua essência bio-físico-química. Mas, como testar ...
Dr. Lorens estava tranquilo, parecia não se importar com o estado de crítica que esboçava o rosto de Francisco. Em nenhum momento fez muito esforço para convencer Francisco, parece que esperava por um momento de encontro de Francisco com o problema da fragmentação do conhecimento e a necessidade de se restabelecer um diálogo entre os ramos do conhecimento.
Incomodado com a reação do Dr. Lorens, Francisco tentou outra investida.
__ Dr. Lorens, como o Senhor pensa sobre a Classificação Biológica?
Dr. Lorens respondeu:
__ Da mesma forma, parece que não houve avanço extra-biológico, o que realmente ressalta é somente a importância biológica do método.
__ Eu costumo pensar a Classificação dos Seres Vivos como lições para o olhar a Pessoa Humana.
__ Por favor, Dr. Francisco, fale um pouco sobre a Classificação dos Seres Vivos.
__ Pois não, Professor. Respondeu Francisco.
__ Como o senhor sabe, Dr. Lorens, a diversidade biológica existente é extremamente grande, exigindo dos Biólogos um esforço para compreender a organização dessa diversidade. __ Propostas de ordenar esta diversidade biológica, segundo alguns critérios que pudessem ser compartilhados entre todos da comunidade científica, passaram a ser prioridade, pois facilitaria a comunicação e os métodos de manipulação desse conjunto de seres vivos.
__ No passado, mais recente, os seres vivos eram agrupados em dois reinos: Animal e Vegetal. Para ser do Reino Animal bastava que o ser vivo apresentasse as capacidade de locomoção e não fossem capazes de produzir seu próprio alimento (heterótrofos); enquanto para pertencer ao Reino Vegetal deveriam ser imóveis e autótrofos fotossintetizantes, isto é produzir seu próprio alimento a partir da fotossíntese.
__ A aplicabilidade desse sistema de classificação foi esvaziada pelo desenvolvimento da Ciência, que detectou seres vivos que se locomoviam e faziam fotossíntese e outros que eram imóveis e heterótrofos.